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Demonologia é o estudo sistemático dos demônios. Quando envolve os estudo de textos bíblicos, é considerada um ramo da Teologia. Por geralmente se referir aos demônios descritos no Cristianismo, pode ser considerada um estudo de parte da hierarquia bíblica. Também não está diretamente relacionada ao culto aos demônios.


domingo, 5 de maio de 2013

A VERDADEIRA RELIGIÃO

A religião existe na humanidade como no amor.

É única como ele.

Como ele, existe ou não existe nesta ou naquela alma; mas, seja aceita ou negada, está na humanidade, está, portanto, na vida, está na natureza, é incontestável diante da ciência e mesmo diante da razão.

A verdadeira religião é a que sempre existiu, que existe e que sempre existirá.

Podem-nos dizer que a religião é isto ou aquilo; a religião é o que é. A religião é ela, e as falsas religiões são superstições dela copiadas, dela emprestadas, sombras mentirosas dela própria.

Pode-se dizer da religião o que se diz da arte verdadeira. As tentativas bárbaras de pintura ou escultura são tentativas da ignorância para se chegar à verdade. A arte prova-se por si, brilha com seu próprio esplendor, é única e eterna como a beleza.

A verdadeira religião é bela, e é por esse caráter divino que se impõe aos respeitos da ciência e ao assentimento da razão.

A ciência não poderia, sem temeridade, afirmar ou negar as hipóteses do dogma que são verdades para a fé; mas pode reconhecer, em certos aspectos, a única religião verdadeira, ou seja, a única que merece o nome de religião, reunindo todos os aspectos que convêm a essa grande e universal aspiração da alma humana.

Uma só coisa evidentemente divina manifestou-se para todos no mundo.

É a caridade.

A obra da verdadeira religião deve ser a de produzir, conservar e difundir o espírito de caridade. Para alcançar esse objetivo, é preciso que ela própria tenha todas as características da caridade, de modo que se possa bem defini-la, nomeando-a de caridade organizada.

Ora, quais são as características da caridade?

É São Paulo quem vai nos ensinar.

A caridade é paciente.

Paciente como Deus, porque ela é eterna como ele. Sofre as perseguições e nunca persegue ninguém.

É benevolente e indulgente, chamando para si os pequenos e não rechaçando os grandes.

Não é invejosa. A quem e a que invejaria, não tem a melhor parte que nunca lhe será tirada?

Não é nem inquieta e nem intrigante.

Não tem orgulho, ambição, egoísmo, ira.

Nunca supõe o mal e nunca triunfa pela injustiça, pois põe toda sua alegria na verdade.

Suporta tudo sem jamais tolerar o mal.

Crê em tudo, sua fé é simples, submissa, hierárquica e universal.

Sustenta tudo, e nunca impõe fardos que não carregasse antes.

A religião é paciente, é a religião dos grandes trabalhadores do pensamento: é a religião dos mártires.

É benevolente como o Cristo e os apóstolos, como os Vicentes de Paulo e os Fenelons.

Não deseja nem as dignidades nem os bens da terra. É a religião dos pais do deserto, de São Francisco de Assis e de São Bruno, das irmãs de caridade e dos irmão de São João de Deus.

Não é nem inquieta nem intrigante, ela reza, faz o bem e espera. É humilde, é doce, só inspira a devoção e o sacrifício. Tem, enfim, todas as características da caridade, porque é a própria caridade.

Os homens, ao contrário, são impacientes, perseguidores, invejosos, cruéis, ambiciosos, injustos e mostram-se como tais em nome dessa religião que puderam caluniar, mas que nunca obrigarão a mentir. Os homens passam, e a verdade é eterna.

Filha da caridade e criando por sua vez a caridade, a verdadeira religião é essencialmente realizadora; acredita nos milagres da fé, porque os cumpre todos os dias quando faz a caridade. Uma religião que faz a caridade pode vangloriar-se de realizar todos os sonhos do amor divino. Assim, a fé da Igreja hierárquica transforma o mistério em realismo pela eficácia de seus sacramentos. Não mais signos, não mais figuras que não tenham sua força na graça e que não dêem realmente o que prometem. A fé anima tudo, torna tudo de algum modo visível e palpável; as próprias parábolas de Jesus Cristo tomam um corpo e uma alma. Mostra-se em Jerusalém a casa do mau rico. Os simbolismos esparsos das religiões primitivas, abandonados pela ciência e privados da vida da fé, assemelhavam-se a essas ossadas embranquecidas que cobriam o campo de Ezequiel. O espírito do Salvador, o espírito de fé, o espírito de caridade sopraram esse pó, e tudo o que estava morto recuperou uma vida tão real que não se reconhece mais nesses vivos de hoje os cadáveres de ontem.



Grande Pantáculo tirado da visão de São João

E por que seriam reconhecidos, uma vez que o mundo renovou-se, uma vez que São Paulo queimou no Éfeso os livros dos hierofantes. São Paulo era pois um bárbaro, e não estava cometendo um atentado contra a ciência? Não, mas ele queimava os sudários dos ressuscitados para fazê-los esquecer a morte. Por que então lembramos hoje as origens cabalísticas do dogma? Por que então lembramos hoje as origens cabalísticas do dogma? Por que relacionamos as figuras da Bíblia com as alegorias de Hermes? Será para condenar São Paulo, para trazer a dúvida aos crentes? Certamente não, pois os crentes não necessitam de nosso livro, não o lerão, não o quererão compreender. Mas queremos mostrar à multidão inumerável dos que duvidam que a fé relaciona-se à razão de todos os séculos, à ciência de todos os sábios. Queremos forçar a liberdade humana e respeitar a autoridade divina, a razão a reconhecer as bases da fé, para que a fé e a autoridade, por sua vez, nunca mais proscrevam nem a liberdade nem a razão.
Sendo a fé a aspiração ao desconhecido, o objeto da fé é absoluta e necessariamente o mistério.
Para formular suas aspirações, a fé é forçada a emprestar do conhecido aspirações e imagens.
Mas ela especializa o emprego dessas formas ao reuni-las de uma maneira impossível na ordem conhecida. Tal é a profunda razão do aparente absurdo do simbolismo.
Demos um exemplo:
Se a fé dizia que Deus é impessoal, poder-se-ia concluir daí que Deus é apenas uma palavra ou, no máximo, uma coisa.
Se ela dizia que Deus é uma pessoa, o infinito inteligente seria representado sob a forma necessariamente limitada de um indivíduo.
Ela diz Deus é um em três pessoas para exprimir que se concebe em Deus a unidade e o número.
A fórmula do mistério exclui necessariamente a própria inteligência dessa fórmula, na medida em que empresta do Verbo coisas conhecidas, pois se fosse compreendida exprimiria o conhecido e não o desconhecido.
Pertenceria, então, à ciência e não mais à religião, isto é, à fé.
O objeto da fé é um problema de matemática onde o x escapa aos procedimentos de nossa álgebra.
As matemáticas absolutas provam somente a necessidade e, por conseguinte, a existência desse conhecido representado pelo x intraduzível.
Ora, por mais que a ciência avance em seu progresso indefinido, mas sempre relativamente finito, nunca encontrará na língua do finito a expressão completa do infinito. O mistério é, portanto, eterno.
Fazer entrar na lógica do conhecido os termos de uma profissão de fé é fazê-los sair da fé que tem por bases positivas o ilogismo, isto é, a impossibilidade de explicar logicamente o desconhecido.
Para os israelitas, Deus está separado da humanidade, não vive nas criaturas, é um egoísmo infinito.
Para os muçulmanos, Deus é uma palavra diante da qual nos prosternamos sobre a fé de Maomé.
Para os cristãos, Deus revelou-se na humanidade, prova-se pela caridade, reina pela ordem que constitui a hierarquia.
A hierarquia é guardiã do dogma, cuja letra e cujo espírito quer que respeitemos. Os sectários que, em nome de sua razão, ou melhor, de sua desrazão individual, tocaram o dogma, perderam, por esse mesmo fato, o espírito de caridade, excomungaram a si próprios.
O dogma católico, isto é, universal, merece esse belo nome resumindo todas as aspirações religiosas do mundo; ele afirma a unidade de Deus com Moisés e Maomé, reconhece em si a trindade infinita da geração eterna com Zoroastro, Hermes e Platão, concilia com o Verbo único de São João os números vivos de Pitágoras, eis o que a ciência e a razão podem constatar. É portanto diante da própria razão e diante da ciência o dogma mais perfeito, isto é, o mais perfeito que alguma vez se produziu no mundo. Que a ciência e a razão nos concedam isso, não lhes pediremos mais nada.
Substituir o despotismo legítimo da lei pelo arbitrário humano, pôr, em outras palavras, a tirania no lugar da autoridade é obra de todos os protestantismos e de todas as democracias. O que os homens chamam de liberdade é a sanção da autoridade ilegítima ou, antes, a ficção do poder não sancionado pela autoridade.
João Calvino protestava contra as fogueiras de Roma para se dar o direito de queimar Miguel Servet. Todo povo que se libertou de um Carlos I ou de um Luís XVI submeteu-se a um Robespierre ou a um Cromwel, e existe um antipapa mais ou menos absurdo por trás de todos os protestos contra o papado legítimo.
A divindade de Jesus Cristo só existe na Igreja católica, para a qual ele transmite hierarquicamente sua vida e seus poderes divinos. Essa divindade é sacerdotal e real por comunhão, mas fora dessa comunhão toda afirmação da divindade de Jesus Cristo é idolátrica, porque Jesus Cristo não poderia ser um Deus separado.
Pouco importa à verdade católica o número dos protestantes.
Se todos homens fossem cegos, essa seria uma razão para negar a existência do sol?
A razão, protestando contra o dogma, prova suficientemente que não o inventou, mas é forçada a admirar a moral que resulta desse dogma. Ora, se a moral é uma luz, é preciso que o dogma seja um sol, a claridade não vem das trevas.
Entre os abismos do politeísmo e do deísmo absurdo e limitado, só há um meio possível: o mistério da santíssima trindade.
Entre o ateísmo especulativo e o antropomorfismo só há um meio possível: o mistério da encarnação.
Entre a fatalidade imoral e a responsabilidade draconiana que decidiria pela danação de todos os seres, só há um meio possível: o mistério da redenção.
A trindade é a fé.
A encarnação é a esperança.
A redenção é a caridade.
A trindade é a hierarquia.
A encarnação é a autoridade divina da Igreja.
A redenção é o sacerdócio único, infalível, indefectível e católico.
Somente a Igreja católica possui um dogma invariável e encontra-se por sua própria constituição na impossibilidade de corromper a moral; ela não inova, explica. Assim, por exemplo, o dogma da imaculada concepção não é novo, estava inteiramente contido no Théotokon do concílio de Éfeso, e o Théotokon é uma conseqüência rigorosa do dogma católico da encarnação.
Da mesma forma, a Igreja católica não faz excomunhões, ela as declara e só ela as pode declarar, porque é a única guardiã da unidade.
Fora da barca de Pedro, só há o abismo. Os protestantes assemelham-se às pessoas que, cansadas da arfagem, jogar-se-iam na água para evitar o enjôo.
E da catolicidade, tal qual é constituída na Igreja católica, que é preciso dizer o que Voltaire disse de Deus com tanta ousadia.
Se não existisse, seria preciso inventá-la. Mas, se um homem fosse capaz de inventar o espírito de caridade, teria também inventado Deus. A caridade não se inventa, revela-se por suas obras, e é então que se pode gritar com o Salvador do mundo: Felizes os que têm o coração puro, pois verão a Deus!
Entender o espírito de caridade é ter a inteligência de todos os mistérios
As objeções que se pode fazer contra a religião podem ser feitas seja em nome da razão, seja em nome da fé.
A ciência não pode negar os fatos da existência da religião, de seu estabelecimento e de sua influência sobre os acontecimentos da história. É proibido a ela tocar no dogma, o dogma pertence inteiramente à fé.
A ciência arma-se comumente contra a religião com uma série de fatos que tem o direito de apreciar, que de fato aprecia com severidade, mas que a religião condena mais energicamente ainda do que a ciência.
Assim fazendo, a ciência dá razão à religião e censura a si própria; carece de lógica, acusa a desordem que toda paixão rancorosa introduz no espírito dos homens e a necessidade incessante que ele tem de ser reerguido e dirigido pelo espírito de caridade.
A razão, por sua vez, examina o dogma e considera-o absurdo.
Mas, se não o fosse, a razão compreendê-lo-ia; se ela o compreendesse, não seria mais a fórmula do desconhecido.
Seria uma demonstração matemática do infinito.
Seria o infinito finito, o desconhecido conhecido, o incomensurável medido, o indizível nomeado.
Isso quer dizer que o dogma só deixaria de ser absurdo diante da razão, para se tornar, diante da fé, da ciência, da razão e do bom senso reunidos, o mais monstruoso e o mais impossível de todos os absurdos.
Restam as objeções da fé dissidente.
Os israelitas, nossos pais em religião, censuram-nos por termos atentado contra a unidade de Deus, por termos mudado uma lei imutável e eterna, por adorarmos a criatura no lugar do criador.
Essas censuras são fundamentadas numa noção perfeitamente falsa do cristianismo.
Nosso Deus é o Deus de Moisés, Deus único, imaterial, infinito, o só adorável e sempre o mesmo.
Como os judeus, acreditamo-lo presente em todos os lugares, mas, como eles deveriam fazer, acredítamo-lo vivo, pensante e amante na humanidade e adoramo-lo em suas obras.
Não mudamos sua lei, pois o decálogo dos israelitas é também a lei dos cristãos.
A lei é imutável, porque está fundamentada em princípios eternos da natureza; mas o culto exigido pelas necessidades do homem pode variar e modificar-se com os homens.
O que o culto significa é imutável, mas o culto modifica-se como as línguas.
O culto é um ensinamento, é uma língua, é preciso traduzi-lo quando as nações não o compreendem mais.
Traduzimos e não destruímos o culto de Moisés e dos profetas.
Adorando Deus na criação, não estamos adorando a própria criação.
Adorando Deus em Jesus Cristo, é somente Deus que adoramos, mas Deus unido à humanidade.
Tornando a humanidade divina, o cristianismo revelou a divindade humana.
O Deus dos judeus era inumano, porque eles não o compreendiam em suas obras.
Somos, portanto, mais israelitas que os próprios israelitas. No que acreditam, acreditamos com eles e melhor que eles. Acusam-nos de estarmos separados dele e são eles, ao contrário, que querem estar separados de nós.
Esperamo-los de coração e braços abertos.
Somos, como eles, discípulos de Moisés.
Como eles, viemos do Egito e detestamos sua servidão. Mas nós estamos na terra prometida, e eles obstinam-se em permanecer e morrer no deserto.
Os muçulmanos são os bastardos de Israel, ou melhor, são seus filhos deserdados, como Esaú.
Sua crença é ilógica, pois admitem que Jesus é um grande profeta, e tratam os cristãos como infiéis.
Reconhecem a inspiração divina de Moisés e não vêem os judeus como irmãos.
Acreditam cegamente em seu cego profeta, o fatalista Maomé, o inimigo do progresso e da liberdade.
Não tiremos, no entanto, de Maomé a glória de ter proclamado a unidade de Deus entre os árabes idólatras.
Encontram-se no Alcorão páginas puras e sublimes.
É lendo essas páginas que se pode dizer com os filhos de Ismael: Não existe outro Deus senão Deus, e Maomé é seu profeta.
Há três tronos no céu para os três profetas das nações; mas, no fim dos tempos, Maomé será substituído por Elias.
Os muçulmanos nada censuram nos cristãos, eles injuriam-nos.
Chamam-nos de infiéis e de giaurs, isto é, cães. Não temos nada a lhes responder.
Não se deve refutar os turcos e os árabes, é preciso instruí-los e civilizá-los.
Restam os cristãos dissidentes, isto é, aqueles que, tendo rompido o laço de união, declaram-se estrangeiros à caridade da Igreja.
A ortodoxia grega, irmã gêmea da Igreja romana, que não cresceu desde sua separação, que não tem mais importância nos faustos religiosos, que, desde Fócio, não inspirou uma única eloqüência; Igreja que se tornou inteiramente temporal e cujo sacerdócio não é mais que uma função regulada pela política imperial do czar de todas as Rússias; múmia curiosa da Igreja primitiva, colorida e dourada com todas as suas lendas e com todos os seus ritos que os popes não compreendem mais; sombra de uma Igreja viva, mas que quis parar quando essa Igreja avançava e que não é mais que uma silhueta apagada e sem cabeça.
Depois, os protestantes, esses eternos reguladores da anarquia, que romperam o dogma e tentam sempre preenchê-lo com raciocínios, como o tonel das Danaides; esses fantasistas religiosos cujas inovações em sua totalidade são negativas, que formularam para uso próprio um desconhecido pretensamente mais conhecido, mistérios mais explicados, um infinito mais definido, uma imensidão mais restrita, uma fé mais duvidosa, que quintessenciaram o absurdo, cindiram a caridade e tomaram atos de anarquia pelos princípios de uma hierarquia para sempre impossível; esses homens que querem realizar a salvação somente pela fé, porque a caridade lhes escapa e que nada mais podem realizar, mesmo sobre a terra, pois seus pretensos sacramentos não são mais que farsas alegóricas, não dão mais a graça, não fazem mais ver a Deus nem tocar em Deus, não são mais, em uma palavra, os signos da onipotência da fé, mas as testemunhas forçadas da impotência eterna da dúvida.
Foi, portanto, contra a própria fé que a reforma protestou. Os protestantes tiveram razão contra o zelo inconsiderado e perseguidor que queria forçar as consciências. Exigiram o direito de duvidar, o direito de ter menos religião ou de não a ter absolutamente; derramaram seu sangue por esse triste privilégio; conquistaram-no, possuem-no, mas não nos tirarão o de lastimá-los e de amá-los. Quando sentirem novamente a necessidade de acreditar, quando seu coração revoltar-se por sua vez contra a tirania de uma razão falseada, quando se cansarem das frias abstrações de seu dogma arbitrário, das vãs observâncias de seu culto sem efeito, quando sua comunhão sem presença real, suas igrejas sem divindade e sua moral sem perdão os aterrorizarem enfim, assim que ficarem doentes da nostalgia de Deus, não se levantarão como o filho pródigo e não virão jogar-se aos pés do sucessor de Pedro dizendo-lhe: Pai, pecamos contra o céu e contra vós, já não somos dignos de ser chamados vossos filhos, mas incluí-nos ao menos entre vossos mais humildes servidores.
Não falaremos da crítica de Voltaire. Esse grande espírito estava dominado por um ardente amor pela verdade e pela justiça, mas faltava-lhe esta retidão do coração que dá a inteligência da fé. Voltaire não podia admitir a fé, porque não sabia amar. O espírito de caridade não se revelou a essa alma sem ternura, e ele criticou amargamente um fogo cujo calor não sentia e uma lâmpada cuja luz não via. Se a religião fosse tal qual viu, teria tido mil vezes razão em atacá-la e seria preciso ajoelhar-se diante do heroismo de sua coragem. Voltaire seria o messias do bom senso, o hércules destruidor do fanatismo. Mas este homem ria demais para compreender aquele que disse: Felizes dos que choram, e a filosofia do riso nunca terá nada em comum com a religião das lágrimas.
Voltaire parodiou a Bíblia, o dogma, o culto, depois ridicularizou, achincalhou, vilipendiou sua paródia.
Apenas aqueles que vêem a religião na paródia de Voltaire podem se ofender com isso. Os voltairianos assemelham-se às rãs da fábula que saltam sobre as vigas e, em seguida, zombam da majestade real. São livres para tomar a viga por um rei, são livres para refazer esta caricatura romana de que, outrora, Tertuliano ria, e que representava o Deus dos cristãos na figura de um homem com cabeça de asno. Os cristãos darão de ombros ao ver essa brejeirice e pedirão a Deus pelos pobres ignorantes que pretendiam insultá-los.
O senhor conde Joseph de Maistre, depois de ter representado, num de seus mais eloqüentes paradoxos, o carrasco como um ser sagrado e como uma encarnação permanente de justiça divina na terra, queria que se erguesse para o ancião de Ferney uma estátua pela mão do carrasco. Existe profundidade nesse pensamento. Voltaire, com efeito, foi também, no mundo, um ser ao mesmo tempo providencial e fatal, dotado de insensibilidade para a realização de suas terríveis funções. Foi, no domínio da inteligência, um executor das grandes obras, um executor armado com a própria justiça de Deus.
Deus enviou Voltaire entre o século de Bossuet e o de Napoleão para aniquilar tudo o que separa esses dois gênios e reuni-los num só.
Era o Sansão do espírito, sempre pronto a sacudir as colunas do templo; mas, para fazê-lo girar, a contragosto, a pedra do moinho do progresso religioso, a Providência parecia ter cegado seu coração.
A superstição, da palavra latina superstes, sobrevivente, é o símbolo que sobreviveu à idéia, é a forma preferida à coisa, é o rito sem razão, é a fé tornada insensata, porque se isola. E, por conseguinte, o cadáver da religião, a morte da vida, é a inspiração substituída pelo embrutecimento.
O fanatismo é a superstição apaixonada, seu nome vem da palavra fanum, que significa templo, é o templo colocado no lugar de Deus, é a honra do sacerdote substituída pelo interesse humano e temporal do padre, é a paixão miserável do homem explorando a fé do crente.
Na fábula do asno carregado de relíquias, La Fontaine diz-nos que o animal acreditou ser adorado, não nos diz que algumas pessoas acreditaram de fato adorar o animal. Essas pessoas eram os supersticiosos.
Se alguém tivesse rido de suas tolices, teriam-no talvez assassinado, pois da superstição ao fanatismo há um só passo.
A superstição é a religião interpretada pela tolice; o fanatismo é a religião servindo de pretexto à fúria.
Os que confundem proposital e preconceituosamente a própria religião com a superstição e o fanatismo emprestam à tolice suas prevenções cegas e talvez emprestassem ao fanatismo suas injustiças e seus ódios.
Inquisidores ou participantes dos Massacres de Setembro, que importam os nomes? A religião de Jesus Cristo condena e sempre condenou os assassinos.
A CIÊNCIA - Nunca me fareis acreditar na existência de Deus.
A FÉ - Não tendes o privilégio de acreditar, mas nunca me provareis que Deus não existe.
A CIÊNCIA - Para vo-lo provar, é preciso que, em primeiro lugar, eu saiba o que é Deus.
A FÉ - Não o sabereis nunca. Se soubésseis, poderíeis ensinarmo, e, quando eu o soubesse, não mais acreditaria nele.
A CIÊNCIA - Acreditais, então, sem saber em que estais acreditando?
A FÉ - Ali! não joguemos com as palavras. Sois vós quem não sabeis em que eu acredito, precisamente porque vós não o sabeis. Tendes a pretensão de ser infinita? Não sois interrompida a cada instante pelo mistério? O mistério é para vós uma ignorância que reduziria ao nada o finito de vosso saber, se eu não o iluminasse com minhas ardentes inspirações, e quando dizeis: Eu não sei mais, eu gritaria: Quanto a mim, começo a acreditar.
A CIÊNCIA - Mas vossas aspirações e seu objeto são e só podem ser hipóteses para mim.
A FÉ - Sem dúvida, mas são certezas para mim, uma vez que sem essas hipóteses eu duvidaria até mesmo de vossas certezas.
A CIÊNCIA - Mas, se começais onde eu paro, começais temerariamente muito cedo. Meus progressos atestam que eu ando sempre.
A FÉ - Que importam os vossos progressos, se ando sempre na vossa frente?
A CIÊNCIA - Tu, andar! sonhadora da eternidade, desdenhaste demais a terra, teus pés estão dormentes.
A FÉ - Sou carregada por meus filhos!
A CIÊNCIA - São cegos que carregam um outro, cuidado com os precipícios!
A FÉ - Não, meus filhos não são cegos, muito pelo contrário, desfrutam de dupla visão, vêem por teus olhos o que tu podes demonstrar para eles na terra e contemplam, pelos meus, o que lhes mostro no céu.
A CIÊNCIA - O que a razão pensa disso?
A RAZÃO - Penso, ó caras mestras, que poderíeis realizar um apólogo tocante, o do paralítico e o do cego. A ciência censura a fé por não saber andar na terra, e a fé diz que a ciência não vê nada no céu das aspirações e da eternidade. Ao invés de brigarem, ciência e fé deveriam unir-se: que a ciência carregue a fé e a fé console a ciência, ensinando-lhe esperar e amar.
A CIÊNCIA - Essa idéia é bela, mas é uma utopia. A fé dir-me-á absurdos, e eu quero andar sem ela.
A FÉ - O que é que chamais de absurdos?
A CIÊNCIA - Chamo de absurdos as proposições contrárias às minhas demonstrações, como, por exemplo, que três são um, que um Deus fez-se homem, isto é, que o infinito fez-se finito. Que o Eterno morreu, que Deus puniu seu filho inocente pelo pecado dos homens culpados...
A FÉ - Não digas mais nada. Externadas por ti, essas proposições são, de fato, absurdos. Por acaso sabes o que é o número em Deus, tu que não conheces Deus? És capaz de raciocinar sobre as operações do desconhecido? És capaz de entender os mistérios da caridade? Devo ser sempre absurda para ti, pois se entendesses minhas afirmações, elas seriam absorvidas por teus teoremas; eu seria tu, e tu serias eu, para dizer melhor, eu não existiria mais, e a razão, em presença do infinito, deter-se-ia sempre cegada por tuas dúvidas tão infinitas quanto o espaço.
A CIÊNCIA - Pelo menos, nunca usurpes minha autoridade, não me desmintas em meus domínios.
A FÉ - Nunca o fiz, e não posso nunca o fazer.
A CIÊNCIA - Assim, nunca acreditaste, por exemplo, que uma virgem possa ser mãe sem deixar de ser virgem, e isso na ordem física, natural e positiva, a despeito de todas as leis da natureza; não afirmas que um pedaço de pão é não somente um Deus mas um corpo humano verdadeiro, com ossos e veias, órgãos, sangue, de maneira que fazes de teus filhos que comem esse pão um povinho antropófago.
A FÉ - Não é cristão quem não se revolte com o que acabaste de dizer. Isso prova o suficiente que eles não entendem meus ensinamentos dessa maneira positiva e grosseira. O sobrenatural que afirmo está acima da natureza e não poderia, por conseguinte, opor-se a ela, as palavras de fé só são compreendidas pela fé; nada que, em as repetindo, a ciência desnature. Sirvo-me de tuas palavras, porque não tenho outras; mas uma vez que achas meus discursos absurdos, deves concluir que dou a essas mesmas palavras um significado que te escapa. O Salvador, ao revelar o dogma da presença real, não disse: A carne aqui não tem nenhuma serventia, minhas palavras são espírito e vida? Não te apresento o mistério da encarnação como um fenômeno de anatomia nem o da transubstanciação como uma manifestação química. Com que direito gritarias ao absurdo? Eu não raciocino sobre nada do que conheceis; com que direito dirias que eu disparato?
A CIÊNCIA - Começo a te compreender, ou melhor, vejo que nunca te compreenderei. Nesse caso, continuemos separadas, nunca precisarei de ti.
A FÉ - Sou menos orgulhosa e reconheço que me podes ser útil. Talvez também sem mim estarias bem triste e bem desesperada, e não quero separar-me de ti, a menos que a razão o consinta.
A RAZÃO - Não façais isso. Sou necessária a ambas. E eu, que faria sem vós? Preciso saber e crer para ser justa. Mas nunca devo confundir o que sei com o que acredito. Saber não é mais acreditar, acreditar não é saber ainda. O objeto da ciência é o conhecido, a fé não se ocupa dele e deixa-o inteiramente à ciência. O objeto da fé é o desconhecido, a ciência pode buscá-lo, mas não defini-lo; é portanto forçada, pelo menos provisoriamente, a aceitar as definições da fé que lhe é até mesmo impossível de criticar. Somente se a ciência renuncia à fé, renuncia à esperança e ao amor, cuja existência e necessidade são, no entanto, tão evidentes para a ciência quanto para a fé. A fé, como fato psicológico, pertence ao domínio da ciência, e a ciência, como manifestação da luz de Deus na inteligência humana, pertence ao domínio da fé. A ciência e a fé devem, portanto, aceitar-se, respeitar-se mutuamente, até mesmo sustentar-se e socorrer-se nas necessidades, mas sem nunca usurpar uma à outra. O meio de as unir é nunca as confundir. Mas não deve haver contradição entre elas, pois servindo-se das mesmas palavras não falam a mesma língua.
A FÉ - Pois bem! irmã ciência, o que dizeis disso?
A CIÊNCIA - Digo que estávamos separadas por um deplorável mal-entendido e que, doravante, podemos andar juntas. Mas a qual de seus símbolos vais-me associar? Serei judia, católica, muçulmana ou protestante?
A FÉ - Continuarás sendo a ciência e serás universal.
A CIÊNCIA - Ou seja, católica, se bem compreendo. Mas o que devo pensar das diferentes religiões?
A FÉ - Julga-as por suas obras. Procure a caridade verdadeira e, quando a tiver encontrado, pergunta-lhe a que culto pertence.
A CIÊNCIA - Não será certamente ao dos inquisidores e dos carrascos da Noite de São Bartolomeu.
A FÉ - É ao de São João, o Esmoler, de São Francisco de Sales, de São Vicente de Paulo, de Fenelon e de tantos outros.
A CIÊNCIA - Reconheceis que, se a religião produziu algum bem, fez também muito mal.
A FÉ - Quando se mata em nome do Deus que disse: Não matarás, quando se persegue em nome daquele que quer que se perdoe os inimigos, quando se propaga trevas em nome daquele que não quer que se oculte a luz, será justo atribuir o crime à própria lei que o condena? Dize, se quereis ser justa, que, apesar da religião, muito mal foi feito na terra. Mas, também, quantas virtudes ela fez nascer, quantos devotamentos e sacrifícios ignorados? Contaste estes nobres corações de ambos os sexos que renunciaram a todas as alegrias para se pôr ao serviço de todas as dores? Essas obras devotadas ao trabalho e à oração que passaram fazendo o bem? Quem pois fundou asilos para os órfãos e os idosos, hospícios para os doentes, retiros para o arrependimento? Essas instituições tão gloriosas quanto modestas são obras reais de que os anais da Igreja estão cheios; as guerras de religião e os suplícios dos sectários pertencem à política dos séculos bárbaros. Os sectários, aliás, eram eles próprios assassinos. Esquecestes a fogueira de Miguel Servet e o massacre de nossos padres renovado ainda em nome da humanidade e da razão pelos revolucionários inimigos da inquisição e da Noite de São Bartolomeu? Os homens são sempre cruéis, quando esquecem a religião que os abençoa e perdoa.
A CIÊNCIA - Ó fé, perdoa-me então se não posso acreditar, mas sei agora por que és crente. Respeito tuas esperanças e partilho de teus desejos. Mas é pesquisando que eu encontro e é preciso que eu duvide para pesquisar.
A RAZÃO - Trabalha e procura, então, ó ciência, mas respeita os oráculos da fé. Quando tua dúvida deixar uma lacuna no ensinamento universal, permite à fé preenchê-la. Andai distintas uma da outra, mas apoiadas uma na outra, e nunca vos separeis.
Diz-se que o belo é o esplendor do verdadeiro.
Ora, a beleza moral é a bondade. É belo ser bom.
Para ser bom com inteligência, é preciso ser justo.
Para ser justo, é preciso agir com razão.
Para agir com razão, é preciso ter a ciência da realidade.
Para ter a ciência da realidade, é preciso ter consciência da verdade.
Para ter consciência da verdade, é preciso ter uma noção exata do ser.
O ser, a verdade, a razão e a justiça são os objetos comuns das buscas da ciência e das aspirações da fé. A concepção de um poder supremo, real ou hipotético, transforma a justiça em Providência, e a noção divina, por esse ponto de vista, torna-se acessível à própria ciência.
A ciência estuda o ser em suas manifestações parciais, a fé o supõe, ou melhor, o admite a priori em sua generalidade.
A ciência busca a verdade em todas as coisas, a fé relaciona todas as coisas a uma verdade universal e absoluta.
A ciência verifica realidades no detalhe, a fé explica-as por uma realidade de conjunto que a ciência não pode verificar, mas que a própria existência dos detalhes parece forçá-la a reconhecer e a admitir.
A ciência submete as razões das pessoas e das coisas à razão matemática e universal; a fé procura, ou melhor, supõe nas próprias matemáticas e acima das matemáticas uma razão inteligente e absoluta.
A ciência demonstra a justiça pela justiça; a fé dá justeza absoluta à justiça, subordinando-a à Providência.
Vê-se aqui tudo o que a fé empresta à ciência e tudo o que a ciência, por sua vez, deve à fé.
Sem a fé, a ciência está circunscrita por uma dúvida absoluta e encontra-se eternamente estacionada no empirismo arriscado a um ceticismo raciocinador; sem a ciência, a fé constrói suas hipóteses ao acaso e só pode prejulgar cegamente as causas dos efeitos que ignora.
A grande corrente que reúne ciência e fé é a analogia.
A ciência está forçada a respeitar uma crença cujas hipóteses são análogas às verdades demonstradas. A fé, que atribui tudo a Deus, está forçada a admitir a ciência como uma revelação natural que, pela manifestação parcial das leis da razão eterna, dá uma escala de proporções a todas as aspirações e a todos os ímpetos da alma no domínio do desconhecido.
É somente a fé, portanto, que pode dar uma solução aos mistérios da ciência e é, em contrapartida, somente a ciência que demonstra a razão de ser dos mistérios da fé.
Fora da união e do concurso dessas duas forças vivas da inteligência, não há para a ciência senão ceticismo e desespero, para a fé, temeridade e fanatismo.
Se a fé insulta a ciência, blasfema; se a ciência desconhece a fé, abdica.
Agora, escutemo-las falar de comum acordo.
- O Ser está em todos os lugares, diz a ciência. É múltiplo e variável em suas formas, único em sua essência e imutável em suas leis. O relativo demonstra a existência do absoluto. A inteligência existe no ser. A inteligência anima e modifica a matéria.
- A inteligência está em todos os lugares, diz a fé. Em nenhum lugar a vida é fatal, uma vez que está regulada. A regra é a expressão de uma sabedoria suprema. O absoluto em inteligência, o regulador supremo das formas, o ideal vivo dos espíritos é Deus.
- Em sua identidade com a idéia, o ser é a verdade, diz a ciência.
- Em sua identidade com o ideal, a verdade é Deus, retorque a fé.
- Em sua identidade com minhas demonstrações, o ser é a realidade, diz a ciência.
- Em sua identidade com minhas legítimas aspirações, a realidade é meu dogma, diz a fé.
- Na sua identidade com o verbo, o ser é a razão, diz a ciência.
- Na sua identidade com o espírito de caridade, a mais elevada razão é minha obediência, diz a fé
- Em sua identidade com o motivo dos atos racionais, o ser é a justiça, diz a ciência.
- Em sua identidade com o princípio de caridade, a justiça é a Providência, responde a fé.
Acordo sublime de todas as certezas com todas as esperanças, do absoluto em inteligência e do absoluto em amor. O Espírito Santo, o espírito de caridade deve assim tudo conciliar e tudo transformar em sua própria luz. Não é ele o espírito de inteligência, o espírito de ciência, o espírito de conselho, o espírito de força? Ele deve vir, diz a liturgia católica, e isso será como uma criação nova, e ele mudará a face da terra.
"Rir da filosofia já é filosofar", disse Pascal ao fazer alusão a esta filosofia cética e duvidosa que não reconhece a fé. E, se existisse uma fé que pisoteasse a ciência, não diríamos que rir de semelhante fé seria dar provas de verdadeira religião, que é toda caridade, que não tolera o riso, mas ter-se-ia razão em censurar esse amor pela ignorância e em dizer a essa fé temerária: Já que desconheces tua irmã, não és a filha de Deus!
Verdade, realidade, razão, justiça, providência, tais são os cinco raios da estrela flamejante no centro da qual a ciência escreverá a palavra Ser, a que a fé acrescentará o nome inefável de Deus.
Pergunta - O que é a verdade?
Resposta - É a idéia idêntica ao ser.
P - O que é a realidade?
R - É a ciência idêntica ao ser.
P - O que é a razão?
R - É o verbo idêntico ao ser.
P - O que é a justiça?
R - É o motivo dos atos idênticos ao ser.
P - O que é o absoluto?
R - É o ser.
P - Concebe-se algo acima do ser?
R - Não, mas concebe-se no próprio ser algo de supereminente e de transcendental.
P - O que é?
R - A razão suprema do ser.
P - Conheceis e podeis defini-la?
R - Somente a fé afirma-a e nomeia-a Deus.
P - Existe algo acima da verdade?
R - Acima da verdade conhecida existe a verdade desconhecida.
P - Como se pode racionalmente supor essa verdade?
R - Pela analogia e pela proporção.
P - Como se pode defini-la?
R - Pelos símbolos da fé.
P - Pode-se dizer da realidade a mesma coisa que da verdade?
R - Exatamente a mesma coisa.
P - Existe algo acima da razão?
R - Acima da razão finita existe a razão infinita.
P - O que é a razão infinita?
R - É esta razão suprema do ser a que a fé chama de Deus.
P - Existe algo acima da justiça?
R - Sim, de acordo com a fé, existe a providência em Deus e, no homem, o sacrifício.
P - O que é o sacrifício?
R - É o abandono benévolo e espontâneo do direito.
P - O sacrifício é racional?
R - Não, é uma espécie de loucura maior que a razão, pois a razão é forçada a admirá-lo.
P - Como chamar um homem que age de acordo com a verdade, a realidade, a razão e a justiça?
R - É um homem moral.
P - E se pela justiça ele sacrifica seus atrativos?
R - É um homem de honra.
P - E se, para imitar a grandeza e a bondade da Providência, ele faz mais do que seu dever e sacrifica seu direito pelo bem dos outros?
R - É um herói.
P - Qual é o princípio verdadeiro do heroismo?
R - É a fé.
P - Qual é o seu sustento?
R - A esperança.
P - E sua regra?
R - A caridade.
P - O que é o bem?
R - É a ordem.
P - O que é o mal?
R - É a desordem.
P - Que prazer é permitido?
R - O gozo da ordem.
P - Que prazer é proibido?
R - O gozo da desordem.
P - Quais são as conseqüências de um e de outro?
R - A vida e a morte na ordem moral.
P - O inferno, com todos os seus horrores, tem, pois, razão de ser no dogma religioso?
R - Sim, é a conseqüência rigorosa de um princípio.
P - E que princípio é esse?
R - A liberdade.
P - O que é a liberdade?
R - É o direito de fazer o dever com a possibilidade de não o fazer.
P - O que é faltar com o dever?
R - É perder o direito. Ora, sendo o direito eterno, perdê-lo significa perda eterna.
P - Não se pode reparar uma falta?
R - Sim, pela expiação.
P - O que é a expiação?
R - É uma sobrecarga de trabalho. Assim, porque fui preguiçoso ontem, devo realizar, hoje, uma dupla tarefa.
P - Que pensar dos que se impõem sofrimentos voluntários?
R - Se é para remediar a atração brutal do prazer, são sábios; se é para sofrer no lugar dos outros, são generosos; mas, se o fazem sem conselho e sem medida, são imprudentes.
P - Assim, diante da verdadeira filosofia, a religião é sábia em tudo o que ordena?
R - Vós o vedes.
P - Mas se enfim estivermos errados em nossas esperanças eternas?
R - A fé não admite essa dúvida. Mas a própria filosofia deve responder que todos os prazeres da terra não valem um dia de sabedoria, e que todos os triunfos da ambição não valem um só instante de heroismo e de caridade.
P - O que é o homem?
R - O homem é um ser inteligente e corporal feito à imagem de Deus e do mundo, uno em essência, triplo em substância, imortal e mortal.
P - Dizeis triplo em substância. Teria o homem duas almas ou dois corpos?
R - Não. Tem em si uma alma espiritual, um corpo material e um mediador plástico.
P - Qual é a substância desse mediador?
R - É a luz em parte volátil e em parte fixada.
P - O que é a parte volátil dessa luz?
R - É o fluido magnético.
P - E a parte fixada?
R - É o corpo fluídico ou arornal.
P - A existência desse corpo é demonstrada?
R - Sim, pelas experiências mais curiosas e mais conclusivas. Falaremos disso na terceira parte deste livro.
P - Essas experiências são artigos de fé?
R - Não, pertencem à ciência.
P - Mas a ciência preocupar-se-ia com isso?
R - Ela já se preocupa, uma vez que escrevemos este livro e uma vez que o ledes.
P - Dai-nos algumas noções sobre esse mediador plástico.
R - Ele é formado por uma luz astral ou terrestre e transmite ao corpo humano a dupla imantação. Ao agir sobre essa luz, a alma, por suas volições, pode dissolvê-la ou coagulá-la, projetá-la ou atraí-la. Ela é o espelho da imaginação e dos sonhos. Reage sobre o sistema nervoso e produz, assim, os movimentos do corpo. Essa luz pode dilatar-se indefinidamente e comunicar suas imagens a distâncias consideráveis, ela imanta os corpos submetidos à ação do homem e pode, fechando-se, atraí-los para si. Pode assumir todas as formas evocadas pelo pensamento e, nas coagulações passageiras de sua parte resplandecente, aparecer aos olhos e até mesmo oferecer uma espécie de resistência ao contato. Se essas manifestações e esses usos do mediador plástico são anormais, o instrumento luminoso não pode produzi-las sem ser falseado e causam necessariamente ou alucinação ou loucura.
P - O que é o magnetismo animal?
R - É a ação de um mediador plástico sobre um outro para dissolver ou coagular. Aumentando a elasticidade da luz vital e sua força de projeção, ela é enviada tão longe quanto se deseje e é retirada totalmente carregada de imagens, mas é preciso que essa operação seja favorecida pelo sono do sujeito, que se produz com maior coagulação da parte fixa de seu mediador.
P - O magnetismo é contrário à moral e à religião?
R - Sim, quando dele se abusa.
P - O que é abusar dele?
R - É servir-se dele de maneira desordenada ou para um fim desordenado.
P - O que é um magnetismo desordenado?
R - É uma emissão fluídica malsã e feita com más intenções, por exemplo, para saber os segredos dos outros ou para chegar a fins injustos.
P - Qual é, então, seu resultado?
R - Falseia no magnetizador e no magnetizado o instrumento fluídico de precisão. E é a essa causa que se devem atribuir as imoralidades e as loucuras reprovadas num grande número de pessoas que lidam com o magnetismo.
P - Quais as condições necessárias para se magnetizar convenientemente?
R - A saúde do espírito e do corpo; a intenção reta e a prática discreta.
P - Que vantagens pode-se obter pelo magnetismo bem dirigido?
R - A cura das doenças nervosas, a análise dos pressentimentos, o restabelecimento das harmonias fluídicas, a descoberta de alguns segredos da natureza.
P - Explicai-nos tudo isso de uma maneira mais completa.
R - Nós o faremos na terceira parte desta obra que tratará especialmente dos mistérios da natureza.

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