DEUS GOVERNA O MUNDO, respeitando sua ordem e
suas leis; isto é, a normalidade, a simplicidade, o usual das coisas; tudo
aquilo que sai desta linha e que parece maravilhoso, prodigioso, milagroso é
excepcional, muito raro. Deus nos criou livres e espera de nós um livre
consentimento à fé, sem que nisto sejamos influenciados por uma manifestação
habitual do preternatural e do sobrenatural. Entretanto, para provar-nos,
para que mereçamos a bem-aventurança eterna, como também, muitas vezes, para
castigo nosso, permite Deus que o demônio nos atormente.
A inclinação para o mal nos provém de três
causas: de nossa natureza, ferida pelo pecado original; do mundo e do
demônio. Entretanto Satanás desperta em nós, continuamente, a tríplice
concupiscência com insistentes tentações de soberba e orgulho, de luxúria, de
avidez em todos os níveis.
Essa é a ação ordinária, comum, corrente do
demônio — ou seja, a tentação. Além dela, pode o Maligno exercer uma ação
extraordinária.
A ação ou atividade demoníaca extraordinária pode
ser assim qualificada por duas razões: em primeiro lugar, pelo seu caráter
surpreendente, sensacional, espetacular; em segundo, pela sua relativa
raridade (se comparada com a ação ordinária). Estamos nos referindo à
infestação e à possessão diabólica. Trataremos em primeiro lugar da tentação;
a seguir, das duas formas de infestação - a local e a pessoal; no capítulo seguinte, da possessão.
Capitulo 1: A
tentação
“Bem-aventurado
o homem que sofre (com paciência) a tentação.
porque depois
que tiver sido provado, receberá a coroa da
vida, que Deus
promete aos que o amam".
(Tiag 1,12)
A AÇÃO MAIS COMUM e constante do demônio, em
relação ao homem, é a tentação. Por esse seu aspecto comum e também por ser a
mais freqüente, pode-se chamá-la de ação ordinária do demônio.
Natureza da
tentação
Em seu sentido etimológico, tentar alguém significa
pô-lo à prova para que se conheçam suas disposições ou qualidades.
Tentação
probatória e tentação enganadora ou sedutora
Santo Agostinho estabeleceu uma distinção, que se
tomou clássica, entre a tentação probatória (tentatio probationis) e a tentação
enganadora ou sedutora (tentatio decepcionis vel seducionis).
A tentação probatória não visa levar ao pecado, e
sim tornar patente a virtude de alguém ou fortalecê-la por meio da
provação. Nesse sentido é que se pode
falar de tentação de Deus, como, por exemplo, as provações que o Criador,
servindo-se do demônio, enviou a Jó para provar sua fidelidade (cf. Jó 14, 1
ss).
Pode-se falar também de tentar a Deus quando se
pretende pôr Deus à prova, exigindo dele um milagre ou uma ação
extraordinária, com o fim de satisfazer nossa curiosidade, nossos caprichos,
ou livrar-nos das conseqüências de nossas irreflexões ou imprudências.
“Tentar a Deus — escreve D. Duarte Leopoldo e Silva - é expor-se ao perigo, a
grandes tentações, sem necessidade, e depois pedir um milagre para não
sucumbir. Deus protege no perigo, mas nem por isso devemos expor-nos
temerariamente, porque, diz o Espírito Santo, quem ama o perigo nele
perecerá” . (Con. Duarte LEOPOLDO E SILVA, Concordancia dos Sanctos
Evangelhos, Escola Typographica Salesiana, São Paulo, I edição, 1903.)
A tentação enganadora ou sedutora visa levar o
homem à ruína espiritual; ela propõe-lhe um mal sob a aparência de um bem,
procurando arrastá-lo ao desejo desse mal, isto é, ao pecado. Pode, então,
ser definida como uma incitação ao pecado. Consiste em um estímulo, uma
solicitação da vontade para o mal.
Quando procede de nós mesmos (tentação interna),
pode ser indicada mais bem como inclinação, arrebatamento, estímulo; se
provém de outros inclusive do demônio podemos referir-nos a ela como convite,
solicitação, incitação.
Causas naturais
da tentação: o mundo e a carne
Nem todas as tentações que o homem padece provém
do demônio; também o mundo e a carne têm nelas uma grande parte: "Nem
todos os pecados são cometidos por instigação do demônio, mas alguns são
cometidos pela livre vontade e corrupção da carne” - ensina São Tomás. (Suma
Teológica, 1,q.114,a.3.)
A raiz mesma da tentação está na própria natureza
humana, livre porém demasiado frágil, sobretudo depois que decaiu de sua
integridade, em conseqüência do pecado original. “Cada um é tentado pela sua
própria concupiscência, que o atrai e o alicia” - escreve o Apóstolo São
Tiago (Tiag 1, 14), que repete a mesma idéia pouco à frente: “De onde vêm as
guerras e as contendas entre vós? Não vêm elas das vossas concupiscências que
combatem em vossos membros?” (Tiag 4, 1).
São Paulo descreve em termos dramáticos essa
terrível realidade: "Sinto imperar em mim unia lei: querendo fazer o
bem, eis que o mal se apresenta a mim. Segundo o homem interior, acho
satisfação na lei de Deus; mas em meus membros experimento outra lei que se
opõe à lei do meu espírito e me encadeia à lei do pecado que reina em meus
membros” (Rom 7, 21-24)*
*“São Paulo descreve a luta que se trava no
interior do homem entre a carne e o e espírito. O homem reconhece a justiça e
a bondade da lei, mas a concupiscência excita-o fortemente a desobedecer-lhe”
(Pe. MATOS SOARES). A carne, aqui, significa a natureza humana decaída em
conseqüência do pecado original, que a tornou desregrada. De si, a carne ou
seja, a natureza humana é boa, pois criada por Deus.
Essa a lei da
carne
Também o mundo procura arrastar-nos ao pecado,
pois "está sob o jugo do maligno”
(1 Jo 5, 19), e “a amizade deste mundo é inimiga de Deus” (Tiag 4, 4). Se
rompermos com o mundo ele nos perseguirá, adverte o Salvador, pois não somos
do mundo (Jo 15, 19). Por isso, Jesus disse expressamente que não rezava pelo
mundo (Jo 17, 9). Um homem pode ser tentador de outro homem, segundo o
espírito do mundo. Foi o que fez São Pedro, procurando desviar o Senhor do
caminho da Cruz: “A partir daquele momento, começou Jesus a revelar a seus
discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém, padecesse muito da parte
dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos escribas, e fosse condenado à morte,
e ao terceiro dia ressuscitasse. Pedro, tomando-o à parte, começou a
admoestá-lo, dizendo: ´Deus te livre, Senhor! Isto não te pode
acontecer!´Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: 'Retira-te de mim,
Satanás! Pois és para mim obstáculo (isto é, tentação); os teus pensamentos
não são de Deus, mas dos homens!' “ (Mt 16, 21-23). Somos, pois, tentados
pela nossa própria fragilidade, pelo nosso temperamento, nossa índole, formação,
ambiente, familiares, amigos, situações e ocasiões; em uma palavra: pela
carne e pelo mundo.
A tentação demoníaca
Porém, conforme ensina o Apóstolo, “não temos que
lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e as
potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos
malignos espalhados pelos ares.. “(Ef 6, 10-11). É fora de dúvida que
muitíssimas tentações são obra direta do demônio, cujo oficio próprio — diz
São Tomás — é tentar. (Suma Teológica, 1,q. 114,a.2.) A maior parte da
atividade demoníaca se concretiza na tentação. Por isso o demônio, no
Evangelho, é chamado tentador (cf. Mt 4, 3). As demais causas da tentação — o
mundo e a carne — podem atuar dependentemente umas das outras; entretanto, é
comum que, nas tentações, a atração do mundo se una à revolta da
sensualidade, e a ambas se some a ação aliciante do demônio.
De tal modo que, embora os teólogos aceitem no
plano teórico a possilidade de a tentação poder ter uma causa apenas natural
o mundo ou a carne sem entrar necessariamente a ação do demônio, no plano
prático, em geral, admitem que o Maligno, sempre à espreita, se aproveita de
todas as circunstâncias para cavalgar a tentação e aumentar a sua intensidade
ou malícia. De onde a advertência de São Paulo: “Se sentirdes raiva, seja sem
pecar: não se ponha o sol sobre vossa ira, para não dardes oportunidade ao
demônio” (Ef 4, 26-27).
O homem diante
da tentação
A tentação não
é pecado
A tentação, de si mesma, obviamente não é pecado.
Pois o próprio salvador permitiu ser tentado pelo demônio (Mt 4, 1-11; Mc 1,
12-13; Lc 4, 1-13). Como dissemos, o demônio não pode agir diretamente sobre
a inteligência ou a vontade humanas e por isso procura influenciá-las por
meios indiretos, em seu escopo de fazer-nos pecar. Mesmo podendo resistir ao
tentador, o homem freqüentemente se deixa seduzir. Para nos tentar, o demônio
pode excitar a imaginação de modo a formar nela imagens e representações
lúbricas ou perturbadoras; interferir em movimentos corporais que favoreçam
os maus atos ou maus pensamentos, intensificar as paixões, procurar
enredar-nos em sofismas, em erros, etc. Entretanto, o homem não é culpado das
tentações que sofre, a não ser quando elas são conseqüência de imprudências,
permitidas ou procuradas voluntariamente, por exemplo, com olhares indevidos,
freqüência a lugares perigosos, más companhias, etc. Do contrário, ele só
será culpado nos casos em que der um consentimento pleno e deliberado ás
solicitações das tentações.*
*“Três coisas devemos distinguir na tentação: a
sugestão, a deleitação e o consentimento. A sugestão não é um pecado, porque
não depende da nossa vontade, A simples deleitação, quando involuntária,
também não é pecado. Só o consentimento é sempre criminoso, porque depende exclusivamente
de nós o aceitar ou não a sugestão do pecado" (Con. Duarte LEOPOLDO E
SILVA, op. cit., p. 34, n. 5).
Por mais intensa que seja uma tentação, se o
homem lutou contra ela o tempo todo, não cometeu a menor falta; pelo contrário
adquiriu méritos para sua santificação, segundo escreve São Tiago Apóstolo:
“Bem-aventurado o homem que sofre (com paciência) a tentação, porque, depois
que tiver sido provado, receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o
amam” (Tiag 1, 12).
Necessidade da
vigilância e da oração
Devemos estar sempre alertas para enfrentar as
provocações, como nos recomendou Nosso Senhor na hora de sua Paixão:
"Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade
está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). O mesmo aconselha São Pedro:
“Sêde sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso adversário, anda ao redor
como um leão que ruge, buscando a quem devorar” (1 Ped 5,8). Vigiar, porém,
não basta. É preciso resistir ao demônio: "Resisti ao demônio, e ele
fugirá de vós” (Tiag 4, 7) — nos assegura São Tiago. “Resisti-lhe [ao
demônio] fortes na fé” — manda São Pedro (1 Ped 5,9). E São Paulo exorta:
“Revesti-vos da armadura de Deus para que possais resistir às ciladas do
demônio. ... tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau,
e ficar de pé depois de ter vencido tudo. Estai, pois, firmes tendo cingido
os vossos rins com a verdade, e vestindo a couraça da justiça... tomai o
escudo da fé com que possais apagar todos os dardos inflamados do maligno,
tomai também o elmo da salvação e a espada do espírito ( que é a palavra de
Deus)” (Ef 6, 11-17).
Deus não
permite que sejamos tentados além de nossas forças
A infestação
"Não
temos que lutar somente
contra a carne
e o sangue, mas sim
contra os
principados e as potestades,
contra os
dominadores deste mundo de
trevas, contra
os espíritos malignos
espalhados
pelos ares.. "
(Ef 6, 10-11)
A TERMINOLOGIA a respeito da ação extraordinária
do demônio sobre os homens, as coisas e os locais, não é uniforme: alguns
autores falam em obsessão, para designar essa atuação demônio, quer se trate
de sua simples presença local, quer de atuação sobre o homem, mas sem
possuí-lo, quer da possessão. Adotamos aqui a terminologia utilizada por
Mons. Corrado Balducci, por parecer-nos
simples e direta: infestação local, infestação pessoal e possessão
diabólica. (Cf Mons. C. BALDIJCcI, Gli indemoniati, p. 3; El diablo, pp.
156-158.)
Trataremos em primeiro lugar das duas formas de
infestação — a local e a pessoal; no capítulo seguinte, da possessão.
Infestação
local
A infestação local consiste em uma atividade
perturbara que o demônio exerce diretamente sobre a natureza inanimada (reino
mineral, elementos atmosféricos, etc.) e animada inferior (reino vegetal e
reino animal), e também sobre lugares, procurando desse modo atingir
indiretamente o homem, sempre em modo maléfico. Com efeito, todas as
criaturas, mesmo as irracionais, por maldição do pecado, ficaram sob o poder
do demônio (cf. Rom 8, 21ss). Assim, os lugares e as coisas, do mesmo modo
que as pessoas, estão sujeitas à infestação demoníaca. E preciso não esquecer
a atuação dos demônios dos ares, a respeito das quais nos adverte o Apóstolo:
“Não temos que lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim contra os
principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas,
contra os espíritos malignos espalhados pelos ares...” (Ef 6, 10-11).
Entram nessa categoria as casas e lugares
infestados: objetos que voam ou se deslocam de lugar, sons estranhos ou
perturbadores (passos, pedradas nas vidraças ou no telhado, uivos, gritos,
gargalhadas); impressão de presenças invisíveis, sensação de perigos
inexistentes, etc.; distúrbios visíveis, estranhos e repentinos que se
verificam no mundo vegetal e no mundo animal (árvores ou plantações que secam
repentinamente, doenças desconhecidas nos animais, pragas, etc.).
Certos fenômenos ou calamidades de aparência e
estruturas naturais (tempestades, terremotos e outros cataclismos, incêndios,
desastres, etc.) podem ter igualmente o demônio como autor, senão único
direto (como na possessão), ao menos parcial e dirigente. Por exemplo, o raio
que caiu do céu e consumiu os pastores e as ovelhas de Jó, do mesmo modo que
o vento do deserto que fez cair a casa dos filhos do Patriarca, esmagando-os
sob as ruínas, foram suscitados por Satanás (Jó 2, 16-19). Nesse caso, podem
ser incluídos essas manifestações demoníacas extraordinárias. Muitas vezes,
tais manifestações ocorrem em concomitância com casos de infestação pessoal
ou de possessão diabólica.
Infestação
pessoal (obsessão)
A infestação pessoal é uma perturbação que o
demônio exerce, já não mais sobre o mundo material e as criaturas
irracionais, mas sobre uma pessoa, diretamente, sem contudo impedir-lhe o uso
da inteligência e da livre vontade. Apesar de ser excepcional, é talvez o
mais freqüente dos três tipos de atividade maléfica extraordinária - isto é,
infestação local, infestação pessoal, possessão. Como a infestação local, a
pessoal também comporta graus de intensidade, e diversa modalidade.
A infestação pessoal pode ser externa ou física e
interna ou psicológica, conforme se exerça sobre os sentidos externos ou
internos e sobre as paixões do homem. Com freqüência, a infestação é
simultaneamente externa e interna.
Na infestação externa ou física, demônio age
sobre nossos sentidos externos: a vista, provocando aparições sedutoras ou,
contrário, apavorantes; a audição, fazendo ouvir rumores, palavras ou canções
obscenas, blasfêmias, convites, agrados ou ameaças; o tacto, com sensações
provocantes, abraços, movimentos carnais; então dores, doenças, etc. Mas o
demônio pode atuar também sobre os sentidos internos (fantasia e memória) e
sobre as paixões. A infestação interna ou psicológica consiste em sugestões
violentas e tenazes: idéias fixas, imagens expressivas e absorventes,
movimentos profundos de emotividade e de paixão - por exemplo, desgostos,
amargura, ressentimentos, ódio, angústias, desespero; ou, ao contrário,
inclinação para algum objeto ilícito, ou inclinação, de si lícita, mas
desregrada quanto ao modo e à intensidade. Comenta o Pe. Tanquerey: “A pessoa
se sente, embora com desgosto, invadida por fantasias importunas, tediosas,
que persistem não obstante os esforços vigorosos para afastá-las; ou então
por frêmitos de ira, angústia, desespero, ímpetos instintivos de antipatia;
ou pelo contrário, por perigosas ternuras sem razão alguma que as
justifiquem” . (Adolphe TANQUEREY, Precis de Théotogie Ascétique ei Mystique.
p. 958.)
Os acessos de melancolia e os transportes de
furor que afligiam Saul, por obra de um demônio e por permissão divina ( cf.
1 Reis 16, 14-23), são característicos da infestação pessoal interna,
infestação psicológica. Diferentemente do possesso, o infestado guarda a
disposição de seus atos exteriores, embora em muitos casos tenha sua
liberdade diminuída. Ele conserva o poder de reagir contra as sugestões do
interior (por exemplo, sugestões de blasfêmias), de julgar sobre o valor
moral destas sugestões, achando-as abomináveis. Uma das modalidades de
infestação pessoal, talvez das mais freqüentes são as doenças, muitas vezes
desconhecidas e incuráveis, que chegam a levar à morte, se Deus o permitir. É
o que, aliás, lemos no livro de Já: “Disse, pois, o Senhor a Satanás: Eis que
ele (Jó) está na tua mão; conserva, porém, a sua vida” (Jó 2, 6). As
escrituras apresentam vários casos de tais enfermidades de origem de
diabólica. Exemplo clássico, é a lepra que cobre de chagas o justo Jó, da
planta dos pés até o alto da cabeça (Jó 2, 7-8). Seriam igualmente vítimas de
infestação diabólica a mulher encurvada, atormentada pelo demônio havia
dezoito anos, de tal sorte que não se podia endireitar, e que foi curada por
Nosso Senhor (Luc 13, 11); o menino epilético (Mt 17, 14; Mc 9, 17; Luc 9,
38); o mudo (Mt 9,32); e o cego mudo (Mt 12, 22).
Mons. Balduecci se refere a doenças de origem
demoníaca, por efeito de malefícios, observando que nestes casos os
distúrbios são com freqüência de ordem física, sendo dificilmente
diagnosticados pelos médicos; outras vezes se trata de inconvenientes que
atacam a vida psíquica, a própria personalidade do indivíduo, tomando-o
difícil, raivoso e até incapaz de atuar no âmbito de sua vida familiar e
social. (Cf. Mons. C.BALDUCCI, El diablo, p. 184.) Convém precisar que muitas
das manifestações acima descritas, embora próprias às infestações locais ou
pessoais, não são exclusivas delas e nem sempre são de origem demoníaca;
várias anomalias de ordem psíquica (ilusões, alucinações, delírios) podem se
externar pelos mesmos fenômenos; um cuidadoso exame do indivíduo e das
circunstâncias que acompanham os fatos poderá revelar a origem natural
patológica ou demoníaca dos distúrbios.
Vítimas
prediletas da infestação
Se bem que qualquer pessoa possa ser vítima desse
tipo de tormento diabólico, Mons. Balducci indica três categorias de pessoas
que estariam mais sujeitas a ele: os santos, os exorcistas e demonólogos, e
os maleficiados (vítimas de malefício). Os santos, por causa do ódio que o demônio
tem daqueles que de modo especial amam a Deus e procuram a perfeição; isto,
do lado da intenção do demônio; do lado da permissão divina, esta é dada como
provação especial a almas muito eleitas. Vários santos a experimentaram.
Entre os antigos, basta lembrar Santo Antão; do mesmo modo Santa Catarina de
Siena (1347-1380); São Francisco Xavier (1506-1552); Santa Teresa de Jesus
(1515-1582); Santa Maria Madalena de Pazzi (1566-1607); São João Batista
Vianney, o Cura d’Ars (1786-1859) São João Bosco (1815-1888); Santa Gemma
Galgani (1878-1903)*.
Os exorcistas e demonólogos: a razão é tão óbvia
que quase não é preciso dá-la; os primeiros, com seu ministério, fazem
diminuir a presença do demônio no mundo e libertam suas vítimas; os segundos,
com seus estudos, esclarecem os fiéis com relação à existência e atividade
demoníacas.
Os maleficiados (vítimas de malefício), por
permissão de Deus, para seu castigo, ou provação, ou para manifestar o poder
divino. (Cf. Mons. C. BALDUCCI, El diablo, p. 179.)
* Esta Santa leiga, grande mística, recebeu os
estigmas da Paixão, tinha freqüentes visões de Nosso Senhor e de Nossa
Senhora, e um comércio quase contínuo com seu Anjo da Guarda. Foi muito
atormentada pelo demônio que a
espancava com uma vara durante horas e horas, às vezes a noite inteira,
causando-lhe profundas esquimozes no corpo, que duravam vários dias, até que
Nosso Senhor as curasse. Perseguia-a por toda a parte, em casa, na rua, na
igreja, com aparições, assumindo o aspecto de um cachorro, de um gato, de um
macaco, de pessoas conhecidas, ou de homens ferozes e espantosos. Várias
vezes um desses homens horríveis a jogou na lama quando saia de casa para ir
comungar. O demônio lhe aparecia também sob a figura de seu confessor, Mons. Volpi
e outras debaixo da aparência do Anjo da Guarda, chegando a confundi-la; de
certa feita o Maligno assumiu a figura de Jesus flagelado, com o coração
aberto e todo ensangüentado, para pedir-lhe maiores penitências, com a dupla
finalidade de fazer deteriorar sua já delicada saúde e incitá-la a
desobedecer o confessor que as havia proibido (Mons. C. BALDUCCI, El diablo
PP. 179-181).
A possessão
“E pela tarde
apresentaram-Lhe
muitos
possessos do demônio".
(Mt 8, 16)
A POSSESSÃO é a mais espetacular das
manifestações diabólicas e a que mais impressiona as imaginações; a tal
ponto, que deixa na penumbra o trabalho constante do demônio que, por meio da
tentação, procura seduzir os homens ao pecado.
Realidade da possessão diabólica
No que se refere à possessão diabólica, há duas
posições erradas que é preciso evitar: a primeira, consiste em acreditar com
facilidade que uma pessoa está possessa, sem maior exame, pela impressão
causada por sintomas que podem bem corresponder a outros estados, não sendo
de si suficientes para caracterizar a possessão; a segunda posição está em
negar que hoje ocorram casos de possessão; chega mesmo a negar que alguma vez
se tenham dado. Esta posição extremada se choca com uma verdade claramente
ensinada pela Sagrada Escritura, pela Tradição e pela prática da Igreja. Os
racionalistas pretendem que os casos de possessão diabólica relatados na
Escritura não passam de casos patológicos — mania, loucura, histeria e
epilepsia. Dizem que Jesus não pretendia que esses infelizes enfermos,
chamados endemoniados, estivessem realmente possessos, mas tratava-os de
acordo com as convicções dos seus contemporâneos, os quais acreditavam na
ação demoníaca.
Nada mais falso, e os Evangelistas distinguem bem
entre a doença e a possessão.
Assim, São Marcos escreve: “E de tarde, sendo já
posto o sol, traziam-lhe (a Jesus) todos os que estavam doentes e os
possessos do demônio E curou muitos que se achavam oprimidos com varias
doenças e expeliu muitos demônios” (Mc 1, 32-34). E em São Mateus
está escrito: “E pela tarde apresentaram-lhe muitos possessos do demônio, e
ele com a (sua) palavra expelia os espíritos maus, e curou todos os enfermos”
(Mt 8, 16). Do mesmo modo São Lucas: “E quando foi sol posto, todos os que
tinham enfermos de diversas moléstias, traziam-lhos. E ele impondo as mãos
sobre cada um, sarava-os. E de muitos saíam demônios gritando” (Lc 4,40-41).
É evidente nestas passagens que os Evangelistas se
referem à cura de doentes e à expulsão de demônios como dois casos
diferentes. De resto, o próprio Salvador afirma que expulsava os demônios dos
possessos. Por exemplo, aos judeus incrédulos disse Jesus: “Se eu, porém
lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a vós o
reino de Deus” (Mt 12, 28). “Se eu, pelo dedo de Deus lanço fora os demônios,
certamente chegou a vós reino de Deus”(Lc 11,20).
E Ele mesmo distingue bem os casos de doença dos
de possessão, ao dizer: “Eis que eu expulso os demônios e opero curas” (Lc
13, 32). A Liturgia e a prática da Igreja, com a instituição dos exorcismos,
bem como o ensinamento dos teólogos, indicam que Ela crê na possessão
diabólica. Ao mesmo tempo, estabelecendo que os exorcismos sobre possessos
não sejam feitos senão depois de maduro exame e mediante especial
autorização, a Igreja indica que não se deve crer levianamente nos casos de
possessão.
Em resumo, que se tenham dado alguns casos, pelo
menos de verdadeira possessão diabólica, como os relatados nos Evangelhos, é
verdade de fé; que depois se tenham dado outros, é doutrina comum dos
teólogos, que não pode ser negada sem temeridade.
Natureza da
possessão
A possessão consiste em um domínio que o demônio
exerce diretamente sobre o corpo e indiretamente sobre a alma de uma pessoa.
Esta se converte em um instrumento cego, dócil, fatalmente obediente ao poder
perverso e despótico do demônio.
O indivíduo em tal estado é chamado justamente
possesso, endemoniado, enquanto instrumento, vitima do poder demoníaco, ou
energúmeno, porque mostra uma agitação insólita.
Características
A possessão se caracteriza por dois elementos: a)
presença do demônio no corpo do homem; b) exercício de um poder por parte
demônio sobre o mesmo.
Quanto â presença demoníaca, ela não significa
uma presença física, como anjo (decaído), o demônio é puro espírito; sua
presença se dá pelo contacto operativo, isto é, o demônio está onde atua
desse modo, o demônio pode desenvolver sua atividade por toda a parte, tanto
fora como dentro dos corpos humanos. Sendo assim, um indivíduo pode estar possuído por vários demônios (os
quais operam simultaneamente sobre ele, embora sob aspectos diversos), como
um só demônio pode possuir várias pessoas (atuando sucessivamente sobre cada
uma delas).
O modo como se opera a possessão é explicado por
São Tomás de Aquino:
"Os anjos bons e os maus têm o poder, em
virtude de sua natureza, de modificar nossos corpos, como qualquer outro
objeto material. E como eles estão presentes num lugar na medida em que
operam nele, assim eles penetram em nossos corpos. Do mesmo modo, ainda, eles
impressionam as faculdades ligadas a nossos órgãos: às modificações dos
órgãos respondem as modificações das faculdades. Mas a impressão não chega
até à vontade, porque a vontade, nem seu exercício, nem em seu objeto,
depende de um órgão corporal; ela recebe seu objeto da inteligência, na
medida em que esta desentranha, do que ela percebe, a noção de bondade do
ser”. (In 2dum Sent., Dist. VIII, q. un. a. 5, sol.
apud L. ROURE, Possession Diabolique, col.)
Em outro lugar o Santo Doutor explica que o diabo
não pode penetrar diretamente na alma do homem, pois isto somente a
Santíssima Trindade pode fazer. (Suma Teológica, 3,q. 8,a.8)
Isto quer dizer que, na possessão, embora o
demônio domine o corpo, sobretudo o sistema nervoso, e possa impedir o uso
das potências da alma, ele não pode penetrar nela e obrigar sua vítima a
cometer um pecado, ou aceitar as doutrinas diabólicas. O possesso não é
moralmente responsável por seus atos, por piores que sejam, uma vez que não
tem plena consciência deles, nem
existe colaboração da vontade.
Efeitos da ação
do demônio sobre o possesso
A presença operante do demônio no endemoniado não
é contínua, mas se manifesta por períodos de crise. Não falta ao demônio
poder nem vontade de atormentar
ininterruptamente sua vítima, tal o ódio ao homem; Deus é que não o permite,
pois a pessoa não resistiria. A influência do demônio sobre os possessos não
é simplesmente indireta ou moral, como, por exemplo, nas tentações, mesmo as
mais fortes; ela é uma ação direta e física, exercida pelos espíritos das
trevas sobre os órgãos corporais do infeliz submetido ao seu império. De onde
resulta para este último um estado doentio, estranho, que sai das leis
ordinárias das afecções mórbidas, embora freqüentemente acompanhado de
fenômenos de ordem puramente natural, que o demônio determina nele,
simultaneamente com aqueles que ultrapassam a esfera própria aos agentes
físicos. Esses fenômenos são habitualmente uma super-excitação geral e
profunda de todo o sistema nervoso. Outras vezes, ao contrário, o demônio
comunica à sua vítima um crescimento extraordinário da força muscular. O
infeliz entra em fúria a ponto de espumar de raiva, ranger os dentes, soltar
gritos espantosos, precipitar-se na água ou no fogo. Ele se torna então
perigoso para aqueles que se aproximam dele; destrói, como simples pedaço de
palha, as cadeias de feno com as quais o querem prender; e, se ele não puder
atingir os outros, volta conta si mesmo o seu furor, arranhando-se com as
unhas, machucando-se com as pedras do caminho.
Essa ação perturbadora e nociva do demônio sobre
os órgãos corporais expande-se sobre as faculdades mistas, como a imaginação,
a memória, a sensibilidade. Estende-se mesmo mais longe e mais alto no ser
humano, porque ela tem sua repercussão até na inteligência. As operações
intelectuais apresentam, às vezes, um tal caráter de incoerência, que os
demoníacos parecem atingidos de alienação mental. Não é raro também ver-se
produzir, no domínio do espírito, um fenômeno análogo àquele que se passa no
seus órgãos. Assim como o demônio, em lugar de paralisar as energias
corporais do demoníaco, aumenta seu poder, do mesmo modo, em vez de diminuir
suas luzes naturais, ele comunica à sua inteligência conhecimentos que
ultrapassam de muito seu poder.
Possessão e
infestação: fenômenos da mesma espécie
A infestação pessoal (ou obsessão) e a possessão
constituem fenômenos da mesma espécie, variando apenas em grau, e são
classificadas pelos teólogos como ações extraordinárias e diretas do demônio,
enquanto a tentação é indicada como ordinária e indireta. Observa o Cardeal
Lepicier que a diferença entre a infestação pessoal e a possessão não é um
diferença de espécie, mas somente de grau, visto que estas formas diferem
mais ou menos, conforme for maior ou menor o grau do poder exercido pelo
demônio sobre o corpo do indivíduo a quem ele resolveu atormentar. Os
fenômenos de infestação pessoal não são, por vezes, menos graves do que os de
possessão. De fato, o Ritual Romano não estabelece diferença alguma entre
eles, e as línguas latina e italiana têm apenas uma palavra clássica para
designar ambas as formas, isto é, obsessão diabólica. (Cf. Card. A. LEPICIER,
O Mundo Invisível, p. 277.)
É verdade — explica o Pe. Roure — que a possessão
não penetra até o íntimo da alma; conseqüentemente ela não pode ditar, impor
ao possesso um ato pessoal de inteligência ou de vontade; mas a ação
diabólica chega a neutralizar, a impedir o exercício da inteligência e da
vontade, de modo que o possesso torna-se incapaz de conhecer, de julgar e de
querer tudo o que se passa e se agita nele. Na infestação tal não se dá; a
vítima conserva o domínio de suas faculdades superiores (a inteligência e a
vontade), e pode mesmo servir-se delas para enfrentar os assaltos do Maligno.
Dessa forma acontece que a efervescência diabólica pode deixar o fundo da
alma em paz. (Cf. L. ROURE, Possession Diabolique, cols. 2645-2646.)
Causas da possessão
Punição,
provação...
A permissão dada por Deus ao demônio de, na
possessão apoderar-se assim dos órgãos corporais e das faculdades espirituais
de uma criatura humana, é, às vezes, punição de certos pecados graves
cometidos pelos possessos, em particular os pecados da carne. Entretanto não
é sempre assim. Um endemoniado não é necessariamente culpado. Algumas vezes,
Deus permite esse estado para ressaltar sua glória pela intervenção ostensiva
de seu poder absoluto (cf. Jo 9, 1-8), ou para provar os possessos. São
Boaventura explica que Deus permite a possessão “seja em vista de manifestar
sua glória, obrigando o demônio pela boca possesso a confessar, por exemplo,
a divindade de Cristo, seja para punição do pecado, seja para nossa
instrução. Mas, por qual dessas causas precisamente ele deixa o demônio
possuir um homem, é o que escapa à
sagacidade humana: os julgamentos de Deus são escodidos aos homens. O que é
certo, é que eles são sempre justos” (In 2dum Sent. dist. VIII. part II. q. 1
art único apud L. ROURE, Possession Diabolique., col. 2644.)
O caráter espetacular da possessão acaba por
apresentar um efeito apologético e ascético benéfico, pois torna patente e
quase visível a existência do Espírito das trevas. Esta é uma das razões
pelas quais Deus permite a possessão diabólica, pois obriga o Maligno a agir
como que a descoberto, dando mostras públicas da sua maldade, do seu ódio
contra o homem e a criação.
Práticas
supersticiosas, espiritismo, macumba
Não devemos esquecer, entre as causas das
infestações e da possessão, as práticas supersticiosas, o recurso a magos,
pais-de-santo, cartomantes, adivinhos, etc.
"O demônio, quando um homem colabora com ele
em práticas superticiosas, facilmente exerce sobre esse indivíduo a mais
cruel e implacável tirania” — observa o Cardeal Lepicier. Ele chama a atenção
para as práticas espíritas: “Não pode haver dúvida de que atuar como médium é
o mesmo que expor-se aos perigos da obsessão diabólica... Recorrer a um médium
é, pois, equivalente a cooperar na obsessão de uma pessoa”. (Card. A.
LEPICIER, O Mundo Invisível, pp. 222-223.)
Uma das causas muito comuns da ação
extraordinária do demônio sobre pessoas é o malefício, a respeito do qual
falaremos adiante. O Pe. Gabriele Amorth, exorcista da Diocese de Roma,
afirma que os casos mais difíceis de infestação e de possessão diabólica que
ele tem encontrado são os resultantes de macumbas realizadas no Brasil e na
África. (Cf. G. AMORTH, Un esorcista
racconta, pp. 116 e 157.)
Existem ainda casos de possessão voluntária, em
que a pessoa que recorreu ao diabo e fez um pacto com ele pode agir como um
instrumento do Maligno para levar avante os desígnios dele. A figura típica
do médium de Satanás, foi Hitler, segundo julga o teólogo e demonólogo
beneditino austríaco Dom Aloïs Mager.("Não há nenhuma outra definição
mais breve, mais precisa, mais adaptada à natureza de Hitler que esta tão
absolutamente expressiva: Medium de Satã” (D. Aloïs MAGER O.S.B., Satan de
nos jours, p. 639).) Poderiam ser
mencionadas igualmente as figuras sinistras de Lenin, Stalin, e tantos
outros...
Freqüência da
possessão
Após o estabelecimento da Igreja, o número dos
endemoniados diminuiu, de muito, nas nações tomadas cristãs. E que, pelo
Batismo e demais Sacramentos, os fiéis são preservados desses ataques
sensíveis do demônio. Este perdeu seu império, mesmo sobre aqueles que,
embora batizados, vivem de maneira pouco conforme com à Fé de seu Batismo.
Membros da Igreja, embora membros mortos, eles encontram nessa união,
entretanto imperfeita, ao Corpo Místico de Cristo, um socorro em geral
suficiente para que o demônio não possa apoderar-se deles, como faria, se se
tratasse de pagãos. “Entretanto — observa o Pe. Ortolan — não somente nas
regiões que não receberam o Evangelho, mas também naqueles em que a Igreja
está estabelecida, encontram-se ainda demoníacos. Seu número aumenta na
proporção do grau de apostasia das nações que, outrora católicas, abandonam
pouco a pouco a Fé, e retornam ao paganismo teórico e prático” (T. ORTOLAN, Demoniaque, col.410.)
Para avaliarmos corretamente a presença e atuação
do demônio no mundo atual é preciso considerar que o estado de apostasia a
que se referia o Pe. Ortolan há mais de quarenta anos — chegou em nossos dias
a um grau inimaginável. E que, mais ainda do que os casos de possessão, o
número dos infestados é sem conta.
A possessão
“E pela tarde
apresentaram-Lhe
muitos
possessos do demônio".
(Mt 8, 16)
A POSSESSÃO é a mais espetacular das
manifestações diabólicas e a que mais impressiona as imaginações; a tal
ponto, que deixa na penumbra o trabalho constante do demônio que, por meio da
tentação, procura seduzir os homens ao pecado.
Realidade da possessão diabólica
No que se refere à possessão diabólica, há duas
posições erradas que é preciso evitar: a primeira, consiste em acreditar com
facilidade que uma pessoa está possessa, sem maior exame, pela impressão
causada por sintomas que podem bem corresponder a outros estados, não sendo
de si suficientes para caracterizar a possessão; a segunda posição está em
negar que hoje ocorram casos de possessão; chega mesmo a negar que alguma vez
se tenham dado. Esta posição extremada se choca com uma verdade claramente
ensinada pela Sagrada Escritura, pela Tradição e pela prática da Igreja. Os
racionalistas pretendem que os casos de possessão diabólica relatados na
Escritura não passam de casos patológicos — mania, loucura, histeria e
epilepsia. Dizem que Jesus não pretendia que esses infelizes enfermos,
chamados endemoniados, estivessem realmente possessos, mas tratava-os de
acordo com as convicções dos seus contemporâneos, os quais acreditavam na
ação demoníaca.
Nada mais falso, e os Evangelistas distinguem bem
entre a doença e a possessão.
Assim, São Marcos escreve: “E de tarde, sendo já
posto o sol, traziam-lhe (a Jesus) todos os que estavam doentes e os
possessos do demônio E curou muitos que se achavam oprimidos com varias
doenças e expeliu muitos demônios” (Mc 1, 32-34). E em São Mateus
está escrito: “E pela tarde apresentaram-lhe muitos possessos do demônio, e
ele com a (sua) palavra expelia os espíritos maus, e curou todos os enfermos”
(Mt 8, 16). Do mesmo modo São Lucas: “E quando foi sol posto, todos os que
tinham enfermos de diversas moléstias, traziam-lhos. E ele impondo as mãos
sobre cada um, sarava-os. E de muitos saíam demônios gritando” (Lc 4,40-41).
É evidente nestas passagens que os Evangelistas se
referem à cura de doentes e à expulsão de demônios como dois casos
diferentes. De resto, o próprio Salvador afirma que expulsava os demônios dos
possessos. Por exemplo, aos judeus incrédulos disse Jesus: “Se eu, porém
lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a vós o
reino de Deus” (Mt 12, 28). “Se eu, pelo dedo de Deus lanço fora os demônios,
certamente chegou a vós reino de Deus”(Lc 11,20).
E Ele mesmo distingue bem os casos de doença dos
de possessão, ao dizer: “Eis que eu expulso os demônios e opero curas” (Lc
13, 32). A Liturgia e a prática da Igreja, com a instituição dos exorcismos,
bem como o ensinamento dos teólogos, indicam que Ela crê na possessão
diabólica. Ao mesmo tempo, estabelecendo que os exorcismos sobre possessos
não sejam feitos senão depois de maduro exame e mediante especial
autorização, a Igreja indica que não se deve crer levianamente nos casos de
possessão.
Em resumo, que se tenham dado alguns casos, pelo
menos de verdadeira possessão diabólica, como os relatados nos Evangelhos, é
verdade de fé; que depois se tenham dado outros, é doutrina comum dos
teólogos, que não pode ser negada sem temeridade.
Natureza da
possessão
A possessão consiste em um domínio que o demônio
exerce diretamente sobre o corpo e indiretamente sobre a alma de uma pessoa.
Esta se converte em um instrumento cego, dócil, fatalmente obediente ao poder
perverso e despótico do demônio.
O indivíduo em tal estado é chamado justamente
possesso, endemoniado, enquanto instrumento, vitima do poder demoníaco, ou
energúmeno, porque mostra uma agitação insólita.
Características
A possessão se caracteriza por dois elementos: a)
presença do demônio no corpo do homem; b) exercício de um poder por parte
demônio sobre o mesmo.
Quanto â presença demoníaca, ela não significa
uma presença física, como anjo (decaído), o demônio é puro espírito; sua
presença se dá pelo contacto operativo, isto é, o demônio está onde atua
desse modo, o demônio pode desenvolver sua atividade por toda a parte, tanto
fora como dentro dos corpos humanos. Sendo assim, um indivíduo pode estar possuído por vários demônios (os
quais operam simultaneamente sobre ele, embora sob aspectos diversos), como
um só demônio pode possuir várias pessoas (atuando sucessivamente sobre cada
uma delas).
O modo como se opera a possessão é explicado por
São Tomás de Aquino:
"Os anjos bons e os maus têm o poder, em
virtude de sua natureza, de modificar nossos corpos, como qualquer outro
objeto material. E como eles estão presentes num lugar na medida em que
operam nele, assim eles penetram em nossos corpos. Do mesmo modo, ainda, eles
impressionam as faculdades ligadas a nossos órgãos: às modificações dos
órgãos respondem as modificações das faculdades. Mas a impressão não chega
até à vontade, porque a vontade, nem seu exercício, nem em seu objeto,
depende de um órgão corporal; ela recebe seu objeto da inteligência, na
medida em que esta desentranha, do que ela percebe, a noção de bondade do
ser”. (In 2dum Sent., Dist. VIII, q. un. a. 5, sol.
apud L. ROURE, Possession Diabolique, col.)
Em outro lugar o Santo Doutor explica que o diabo
não pode penetrar diretamente na alma do homem, pois isto somente a
Santíssima Trindade pode fazer. (Suma Teológica, 3,q. 8,a.8)
Isto quer dizer que, na possessão, embora o
demônio domine o corpo, sobretudo o sistema nervoso, e possa impedir o uso
das potências da alma, ele não pode penetrar nela e obrigar sua vítima a
cometer um pecado, ou aceitar as doutrinas diabólicas. O possesso não é
moralmente responsável por seus atos, por piores que sejam, uma vez que não
tem plena consciência deles, nem
existe colaboração da vontade.
Efeitos da ação
do demônio sobre o possesso
A presença operante do demônio no endemoniado não
é contínua, mas se manifesta por períodos de crise. Não falta ao demônio
poder nem vontade de atormentar
ininterruptamente sua vítima, tal o ódio ao homem; Deus é que não o permite,
pois a pessoa não resistiria. A influência do demônio sobre os possessos não
é simplesmente indireta ou moral, como, por exemplo, nas tentações, mesmo as
mais fortes; ela é uma ação direta e física, exercida pelos espíritos das
trevas sobre os órgãos corporais do infeliz submetido ao seu império. De onde
resulta para este último um estado doentio, estranho, que sai das leis
ordinárias das afecções mórbidas, embora freqüentemente acompanhado de
fenômenos de ordem puramente natural, que o demônio determina nele,
simultaneamente com aqueles que ultrapassam a esfera própria aos agentes
físicos. Esses fenômenos são habitualmente uma super-excitação geral e
profunda de todo o sistema nervoso. Outras vezes, ao contrário, o demônio
comunica à sua vítima um crescimento extraordinário da força muscular. O
infeliz entra em fúria a ponto de espumar de raiva, ranger os dentes, soltar
gritos espantosos, precipitar-se na água ou no fogo. Ele se torna então
perigoso para aqueles que se aproximam dele; destrói, como simples pedaço de
palha, as cadeias de feno com as quais o querem prender; e, se ele não puder
atingir os outros, volta conta si mesmo o seu furor, arranhando-se com as
unhas, machucando-se com as pedras do caminho.
Essa ação perturbadora e nociva do demônio sobre
os órgãos corporais expande-se sobre as faculdades mistas, como a imaginação,
a memória, a sensibilidade. Estende-se mesmo mais longe e mais alto no ser
humano, porque ela tem sua repercussão até na inteligência. As operações
intelectuais apresentam, às vezes, um tal caráter de incoerência, que os
demoníacos parecem atingidos de alienação mental. Não é raro também ver-se
produzir, no domínio do espírito, um fenômeno análogo àquele que se passa no
seus órgãos. Assim como o demônio, em lugar de paralisar as energias
corporais do demoníaco, aumenta seu poder, do mesmo modo, em vez de diminuir
suas luzes naturais, ele comunica à sua inteligência conhecimentos que
ultrapassam de muito seu poder.
Possessão e
infestação: fenômenos da mesma espécie
A infestação pessoal (ou obsessão) e a possessão
constituem fenômenos da mesma espécie, variando apenas em grau, e são
classificadas pelos teólogos como ações extraordinárias e diretas do demônio,
enquanto a tentação é indicada como ordinária e indireta. Observa o Cardeal
Lepicier que a diferença entre a infestação pessoal e a possessão não é um
diferença de espécie, mas somente de grau, visto que estas formas diferem
mais ou menos, conforme for maior ou menor o grau do poder exercido pelo
demônio sobre o corpo do indivíduo a quem ele resolveu atormentar. Os
fenômenos de infestação pessoal não são, por vezes, menos graves do que os de
possessão. De fato, o Ritual Romano não estabelece diferença alguma entre
eles, e as línguas latina e italiana têm apenas uma palavra clássica para
designar ambas as formas, isto é, obsessão diabólica. (Cf. Card. A. LEPICIER,
O Mundo Invisível, p. 277.)
É verdade — explica o Pe. Roure — que a possessão
não penetra até o íntimo da alma; conseqüentemente ela não pode ditar, impor
ao possesso um ato pessoal de inteligência ou de vontade; mas a ação
diabólica chega a neutralizar, a impedir o exercício da inteligência e da
vontade, de modo que o possesso torna-se incapaz de conhecer, de julgar e de
querer tudo o que se passa e se agita nele. Na infestação tal não se dá; a
vítima conserva o domínio de suas faculdades superiores (a inteligência e a
vontade), e pode mesmo servir-se delas para enfrentar os assaltos do Maligno.
Dessa forma acontece que a efervescência diabólica pode deixar o fundo da
alma em paz. (Cf. L. ROURE, Possession Diabolique, cols. 2645-2646.)
Causas da possessão
Punição,
provação...
A permissão dada por Deus ao demônio de, na
possessão apoderar-se assim dos órgãos corporais e das faculdades espirituais
de uma criatura humana, é, às vezes, punição de certos pecados graves
cometidos pelos possessos, em particular os pecados da carne. Entretanto não
é sempre assim. Um endemoniado não é necessariamente culpado. Algumas vezes,
Deus permite esse estado para ressaltar sua glória pela intervenção ostensiva
de seu poder absoluto (cf. Jo 9, 1-8), ou para provar os possessos. São
Boaventura explica que Deus permite a possessão “seja em vista de manifestar
sua glória, obrigando o demônio pela boca possesso a confessar, por exemplo,
a divindade de Cristo, seja para punição do pecado, seja para nossa
instrução. Mas, por qual dessas causas precisamente ele deixa o demônio
possuir um homem, é o que escapa à
sagacidade humana: os julgamentos de Deus são escodidos aos homens. O que é
certo, é que eles são sempre justos” (In 2dum Sent. dist. VIII. part II. q. 1
art único apud L. ROURE, Possession Diabolique., col. 2644.)
O caráter espetacular da possessão acaba por
apresentar um efeito apologético e ascético benéfico, pois torna patente e
quase visível a existência do Espírito das trevas. Esta é uma das razões
pelas quais Deus permite a possessão diabólica, pois obriga o Maligno a agir
como que a descoberto, dando mostras públicas da sua maldade, do seu ódio
contra o homem e a criação.
Práticas
supersticiosas, espiritismo, macumba
Não devemos esquecer, entre as causas das
infestações e da possessão, as práticas supersticiosas, o recurso a magos,
pais-de-santo, cartomantes, adivinhos, etc.
"O demônio, quando um homem colabora com ele
em práticas superticiosas, facilmente exerce sobre esse indivíduo a mais
cruel e implacável tirania” — observa o Cardeal Lepicier. Ele chama a atenção
para as práticas espíritas: “Não pode haver dúvida de que atuar como médium é
o mesmo que expor-se aos perigos da obsessão diabólica... Recorrer a um médium
é, pois, equivalente a cooperar na obsessão de uma pessoa”. (Card. A.
LEPICIER, O Mundo Invisível, pp. 222-223.)
Uma das causas muito comuns da ação
extraordinária do demônio sobre pessoas é o malefício, a respeito do qual
falaremos adiante. O Pe. Gabriele Amorth, exorcista da Diocese de Roma,
afirma que os casos mais difíceis de infestação e de possessão diabólica que
ele tem encontrado são os resultantes de macumbas realizadas no Brasil e na
África. (Cf. G. AMORTH, Un esorcista
racconta, pp. 116 e 157.)
Existem ainda casos de possessão voluntária, em
que a pessoa que recorreu ao diabo e fez um pacto com ele pode agir como um
instrumento do Maligno para levar avante os desígnios dele. A figura típica
do médium de Satanás, foi Hitler, segundo julga o teólogo e demonólogo
beneditino austríaco Dom Aloïs Mager.("Não há nenhuma outra definição
mais breve, mais precisa, mais adaptada à natureza de Hitler que esta tão
absolutamente expressiva: Medium de Satã” (D. Aloïs MAGER O.S.B., Satan de
nos jours, p. 639).) Poderiam ser
mencionadas igualmente as figuras sinistras de Lenin, Stalin, e tantos
outros...
Freqüência da
possessão
Após o estabelecimento da Igreja, o número dos
endemoniados diminuiu, de muito, nas nações tomadas cristãs. E que, pelo
Batismo e demais Sacramentos, os fiéis são preservados desses ataques
sensíveis do demônio. Este perdeu seu império, mesmo sobre aqueles que,
embora batizados, vivem de maneira pouco conforme com à Fé de seu Batismo.
Membros da Igreja, embora membros mortos, eles encontram nessa união,
entretanto imperfeita, ao Corpo Místico de Cristo, um socorro em geral
suficiente para que o demônio não possa apoderar-se deles, como faria, se se
tratasse de pagãos. “Entretanto — observa o Pe. Ortolan — não somente nas
regiões que não receberam o Evangelho, mas também naqueles em que a Igreja
está estabelecida, encontram-se ainda demoníacos. Seu número aumenta na
proporção do grau de apostasia das nações que, outrora católicas, abandonam
pouco a pouco a Fé, e retornam ao paganismo teórico e prático” (T. ORTOLAN, Demoniaque, col.410.)
Para avaliarmos corretamente a presença e atuação
do demônio no mundo atual é preciso considerar que o estado de apostasia a
que se referia o Pe. Ortolan há mais de quarenta anos — chegou em nossos dias
a um grau inimaginável. E que, mais ainda do que os casos de possessão, o
número dos infestados é sem conta.
Possessão diabólica: o
diagnóstico
"Para
estabelecer a realidade
de uma
possessão, um único método
é válido:
provar a presença dos sinais
indicados no
Ritual Romano”.
(Dom Louis de
Cooman,
Bispo-missionário
e exorcista)
Estados
patológicos e possessão diabólica
Problema
complexo
Um dos problemas mais complexos colocados pela
ação diabólica extraordinária sobre o homem é o seu diagnóstico. A questão
consiste em saber quando estamos realmente em presença de uma ação
preternatural (isto é, provocada por anjos ou demônios) ou diante meras
manifestações de morbidez, ou de outro gênero, por certo incomuns, mas que
não escapam ao âmbito dos fenômenos naturais da alçada da Medicina e outras
ciências.
Nem sempre é fácil distinguir entre as
infestações e possessões demoníacas e certos fenômenos de natureza mórbida,
pois é sabido que inúmeros distúrbios patológicos, especialmente de caráter
neuro-psiquiátrico, provocam estados de extrema agitação, decuplicam as
forças físicas, provocam fobias em relação às coisas sacras, etc. Em resumo,
fazem o pobre doente parecer um possesso.
É o que faz notar o Cardeal Alexis Henri Marie
Lépicier, O.SM.:
Sabemos que em algumas pessoas a imaginação,
estando fora do normal, pode ultrapassar os seus naturais limites e ser a
origem de manifestações estranhas que, à primeira vista, apresentam uma certa
afinidade com ocorrências preternaturais [isto é, produzidas por anjos ou
demônios]. ... Todos nós sabemos quantas perturbações pode causar uma doença
nervosa em certas criaturas, como, por exemplo, nas que sofrem de histeria.
Há, de fato, nas ações destes indivíduos muitas coisas que causam admiração.
... Mas é principalmente nos períodos de paroxismo que a histeria está mais
apta a exibir muitos e curiosos fenômenos, o principal dos quais é a
alucinação.
“Toda gente vê, portanto, a necessidade imperiosa
de estabelecer a distinção entre estes fenômenos e os que são devidos a
causas preternaturais” (Card. A. LEPICIER, O Mundo invisível, p. 201.)
Outras vezes, são fenômenos da natureza,
insuficientemente explicados pelos cientistas, ou simplesmente fora de
alcance de pessoas sem formação especializada: luminosidades, movimentos de
massas de ar, variações térmicas, etc., os quais podem parecer fenômenos
maravilhosos provocados por ação diabólica.
Objetividade e
rigor científico
Mons. F. X. Maquart — renomado estudioso da
matéria - compara o diagnóstico do exorcista ao diagnóstico médico.
O exorcista deve proceder com a mesma
objetividade, o mesmo rigor que o exame do médico, de modo a não deixar fora
do exame nenhuma das manifestações apresentadas pelo comportamento do
paciente, evitando com isso deixar-se levar pela impressão, que pode ser
enganosa. Esse exame crítico tem por finalidade eliminar alguma possível
explicação natural observável na presumida manifestação diabólica. Mons.
Maquart explica que um certo número de sintomas da possessão são comuns com
os de algumas doenças como a psicastenia, a histeria, algumas formas de
epilepsia, etc. Como fazer para discernir então entre um simples doente
mental e um possesso pelo demônio? Entram em jogo os outros sinais da
possessão, que não têm explicação natural: falar línguas estrangeiras não
aprendidas, conhecer fatos à distância, revelar ciência ou força física muito
em desproporção com a idade, etc. (Cf. F. X. MAQUART. L´Exorciste devant les
manifestations diaboliques, pp. 338-339.)
Essa
posição exige, ao mesmo tempo, muita objetividade e bom senso, ao lado de
muita fé. Pois, como é evidente, não se pode, sob pretexto de que o
extranatural é uma exceção, negar em princípio toda a ação demoníaca, ou
proceder de tal forma como se sempre se tivesse que encontrar, a qualquer
preço, uma explicação natural.
Perigos de um
diagnóstico errado
Um diagnóstico errado não é isento de perigos,
tanto de ordem moral e espiritual, como até mesmo física. Em primeiro lugar,
a prática de exorcismos em simples doentes mentais, sem que estes,
obviamente, experimentem qualquer melhora, pode conduzir ao descrédito em
relação aos mesmos exorcismo e às coisas sagradas de modo geral. Pode ainda
oferecer argumentos aos céticos, que se aproveitarão para tachar a prática
dos exorcismos como puramente supersticiosa. Além do mais, a prática dos
exorcismos solenes representa para o exorcista um desgaste muito grande, o
qual seria sem fruto em caso de erro de diagnóstico. Por fim, o exorcizar
doentes mentais oferece o perigo de agravar seus males, seja pela grande
tensão e esforço mental e até físico que o exorcismo comporta, seja pelo
caráter impressionante deste.
É o que afirma Mons. Maquart, experimentado
demonólogo francês: “Não seria sem
inconvenientes graves exorcizar, sob simples aparências de possessão, doentes
mentais. Em vez de os curar, o exorcismo teria o risco de agravar seu mal”.
(Mgr F. X. MAQUART, L ‘Exorciste devam les manjfestations diaboliques, p.
328.)
O mesmo assegura Dom Gustavo Waffelaert (Bispo de
Bruges): "Há inconveniente real em exorcizar uma pessoa não possessa.
Por ela, antes de tudo; pois o exorcismo, pela forte impressão que produz,
pode afetar desfavoravelmente um sistema nervoso já perturbado e acabar de o
arruinar; ele é também um poderoso meio de sugestão e arrisca desenvolver,
num indivíduo fraco, hábitos mórbidos. Além do que, não se tem o direito de
empregar, sem motivo grave, as orações sagradas do Ritual: é preciso que elas
tenham um objeto. Dessa forma, a Igreja, para pemitir o exorcismo, requer a
prudência e um julgamento moralmente certo ou ao menos provável da
possessão”. (Mgr G. 3. WAFFELAERT, Possession Diabolique. col. 55.)
Em muitos lugares — como nas dioceses de Roma e
Veneza - os exorcistas trabalham sempre em estreita união com psiquiatras
católicos, os quais os ajudam a distinguir meros doentes de eventuais
possessos; por seu lado, esses profissionais, muitas vezes, recorrem aos
serviços dos exorcistas, quando percebem em seus clientes sinais que
ultrapassam os limites da Medicina.
Na realidade, certas manifestações, à primeira
vista patológicas, podem esconder a ação do Maligno. Por isso o médico
católico não deve excluir sem mais a possibilidade dessa ação, conforme
observa Mons. Catherinet: “O médico que quiser manter-se um homem completo,
sobretudo se ele possuir as luzes da fé, não excluirá, a priori, a presença
do demônio, podendo, em certos casos, suspeitar, por trás da doença, a
presença e a ação de alguma força oculta (cujo estudo ele pedirá ao filósofo
ou ao teólogo, os quais se guiam segundo seus próprios métodos). (Mgr F. M.
CATHERJNET. Les Demoniaques dons l Évangile, pp. 324-32.)
Critérios seguros
A Igreja nunca negou essa dificuldade de
diagnóstico da possessão; ao contrário, sempre foi muito cautelosa no
pronunciar-se sobre os casos concretos, recomendando que na avaliação de cada
um deles se examine com muito cuidado se o fenômeno pode ter uma origem
natural. Só depois de diligente e acurado exame, e de descartadas todas as
possibilidades de explicação natural, é que a Igreja autoriza a proceder aos
exorcismos solenes sobre os possessos. Para garantir tal rigor de
procedimento, a Igreja estabeleceu que esses exorcismos só podem ser
praticados por sacerdotes devidamente autorizados pelo Ordinário do lugar
para cada caso concreto; bispo não pode dar essa autorização senão a um padre
de conhecida ciência, prudência, piedade e integridade de vida. (Cf. Código
de Direita Canônico, cânon 1172 § § 1 e 2.)
Dom Louis de Cooman, antigo Vigário Apostólico no
Vietnã ( ele próprio exorcista em um caso famoso de possessão coletiva, que
será relatado adiante), dá o único critério que considera seguro para se
determinar se há ou não possessão: “Para estabelecer a realidade de uma
possessão, um único método é válido: provar a presença dos sinais clássicos
indicados pela Igreja no Ritual Romano” (Mgr Louis de COOMAN, Le Diable au
Couvent, p. 12.)
O Ritual Romano (que data do século XVI)
estabeleceu, para orientar exorcistas, os seguintes indícios por parte do
suposto possesso:
1. Falar ou compreender línguas estrangeiras sem
tê-las antes aprendido;
2. Revelar coisas secretas ou distantes;
3. Manifestar força física acima de sua idade e
condição;
4. E outras manifestações do mesmo gênero, que
quanto mais numerosas forem, mais constituem indícios. (Rituale Romanum, Tit.
XI, Cap. 1, n. 3.)
Se certas manifestações (como, por exemplo,
demonstrar uma força extraordinária, dar uivos animalescos, gritar blasfêmias
ou palavrões) podem ser causadas por uma doença, a revelação de pensamentos
ocultos ou o conhecimento de coisas que se passam à distância já não podem
ter a mesma explicação. Hoje em dia muitas pessoas (infelizmente até
sacerdotes) pretendem negar, senão doutrinariamente, ao menos na prática,
toda possibilidade de possessão ou infestação diabólica, apresentando
explicações pseudo-cientificas em nome da Parapsicologia.
A esse respeito observa Mons. Louis Cristiani:
querer dar uma explicação natural às manifestações demoníacas pela
Parapsicologia é explicar o obscuro pelo mais obscuro ainda...