Capital viveu noite agitada em 26 de julho de 1972, quando objetos luminosos foram vistos no céu. Vergonha e medo da ditadura teriam calado todo mundo e não se falou mais no assunto
BH à noite.
“Os ‘marcianos’ estiveram em muitos lugares, até se esconderem atrás da Serra do Curral. As bolas pareciam uma esquadrilha bem organizada, mantendo sempre a mesma formação. Eram guiadas pela bola maior e mais luminosa.” BH amanheceu a quinta-feira de 27 de julho de 1972 com essa notícia estampada no Diário da Tarde. As “aparições”, testemunhadas na noite anterior, haviam tomado conta também dos telejornais da TV Itacolomi.
O espetáculo de bolas e luzes deixou o comando de controle de voos do aeroporto da Pampulha em alerta. Pilotos, de cabelo em pé, relatavam à torre trânsito intenso sobre a cidade e pediam explicações. Um experiente aviador garantiu: “Não é avião nem meteoro”. A Aeronáutica recolheu testemunhos e recortes dos jornais. Prometeu investigar, mas até hoje nenhum ufólogo registra qualquer conclusão sobre o fenômeno.
“Estranhas bolas de fogo cruzam o céu da cidade”, insistiu a edição de 28 de julho. Seria o nosso Independence Day, para rechear ainda mais a imaginação do cineasta Steven Spielberg”? Naquele 1972 ele comemorava o primeiro sucesso com Encurralado (Duel), filmado em 1971 para a TV e levado aos cinemas em seguida por causa dos prêmios e elogios em festivais.
Mas nunca mais se falou no assunto. As pessoas ouvidas pelos jornalistas esconderam o sobrenome. Talvez porque o fenômeno ocorreu no início da década de 1970. A ditadura militar, sob o bastão do general Emílio Garrastazu Médici, presidente da República, era demasiadamente severa. Médici censurou tudo: teatro, cinema, jornal, revista, TV… As pessoas falavam baixinho, baixinho. Sussurrava-se até para discutir Buñuel, Fellini e Godard no Maletta, principalmente nos dias em que o comunista e lendário seu Olímpio, garçom da Cantina do Lucas, não servia o filé à cubana. A ausência do prato era para denunciar a presença de perdigueiros da ditadura na casa, de olho em uma ínfima pista para levar um cidadão aos porões do Dops (Delegacia de Ordem Política e Social).
E alguém ia sair por aí gritando “eu vi, eu vi, eu vi as bolas de fogo”? Não. Poderia ser algemado e levado à tortura para revelar qual célula guerrilheira ensaiava um bombardeio à cidade. Não acredita nisso, não é? Pois era assim. Agentes da repressão agiam movidos pela ideia fixa de que todos eram inimigos do regime. Por isso, a censura, a tortura, enfim, a repressão política e social. Talvez, por isso, nosso quase Independence Day caiu na clandestinidade.
Mas pode ter sido também pelo medo de as testemunhas não serem interpretadas como testemunhas por quem sempre rejeitou a existência dos objetos voadores não identificados (Ovnis). “Disco voador, ah, ah, ah o sujeito é louco!” Isso mata de vergonha um abduzido ou quase abduzido. Mas havia muita coisa em 1972 indigna de credibilidade naquele ano em que nasceu Rubens Barrichello. Alguém apertou a bochechinha rosada dele no berço e sacramentou: “Vai ser um grande piloto de corridas!” E é? Médici assinou decreto criando medidas para levar cultura e educação ao trabalhador. Cadê? Por que não crer em disco voador?
Dava para acreditar até no Galo. Em julho de 1972 o time disputou o Torneio de León, no México. Empatou por 1 a 1 com o Colônia, da Alemanha, gol de Dario, e se classificou para a decisão com a Seleção Mexicana. Ganhou por 4 a 2. Dadá marcou dois. E um doce para quem adivinhar se o técnico era Telê Santana.
E agora, 39 anos depois, alguém levanta o braço e grita: “Meninos, eu vi!” É o Joaquim Américo do Brasil, um cidadão de BH radicado em Uberlândia. Assim mesmo porque contou a história para os amigos e filhos e, certamente, ouviu aquela frase cortante: “Disco voador, ah, ah, ah!” Ele pede recorte de jornais da época para provar que quase foi abduzido na quadra de esportes do Colégio Arnaldinum São José, hoje Colégio Arnaldo, na Rua Vitório Marçola, Bairro Anchieta, Região Centro-Sul da capital.
SUSTO GRANDE Passava das 19h da quarta-feira, 26 de julho de 1972, em BH. Naquele tempo o inverno era inverno. Um leve bruma ocorria, ocasionalmente, na Região Centro-Sul. Joaquim Américo e amigos estavam na quadra de esportes do então Colégio Arnaldinum São José, no Bairro Anchieta. “De repente, apareceu em cima de nós um objeto muito grande, redondo. Fazia um barulho de papel celofane e jogava um feixe de luz forte. Pensei que se seria sugado. Olhei para trás e vi que plantas, postes e outros não tinham sombras. Por alguns segundos fiquei sob o feixe de luz e, repentinamente, o objeto se deslocou deixando bolinhas de fogo no ar. A luz apagou em BH e poucos instantes depois a TV Itacolomi anunciava que havia objetos estranhos no céu da cidade. Estariam sendo vistos também em São Paulo e outros lugares.”
Ao mesmo tempo, uma mensagem cruzava o espaço: “Atenção, torre. Atenção, torre. Aqui fala o comandante Veloso, do PP-VJC, da Varig. Há objetos estranhos voando a horizonte no setor Este de BH. São muitos e luminosos. Parece festa de São João. Acho que é invasão de Marte.” O alerta, como noticiou o EM em 28 de julho de 1972, partiu de um avião que havia decolado no Espírito Santo rumo a BH e estava a 60km da aterrissagem, foi captado pelo sargento Morais, de plantão na torre de comando do aeroporto da Pampulha na noite do dia 26.
O militar pegou um binóculo e começou a vasculhar a área indicada e logo chegou outra mensagem: “Atenção, torre, objetos não identificados voando em formação sobre BH. Parecem fogos de artifício”. Era do comandante do Boeing SC 1107, da antiga companhia área Cruzeiro do Sul, que voava a 10,4 mil metros de altitude. O sargento Morais voltou ao binóculo e, como relatou ao EM, ainda conseguiu ver a esteira de luz da esquadrilha desaparecendo por trás da Serra do Curral.
Os objetos voavam a mais de 5 mil metros de altitude, a mesma do avião do comandante Veloso. E não foram os pilotos e o sargento Morais os únicos a vê-los. Chegou ao jornal informação de que a Polícia Rodoviária levaria à Aeronáutica, na Pampulha, boletins com registros de aparições em Congonhas, Betim e outras cidades. Os repórteres colheram ainda depoimento de Tarcísio Vieira, que era funcionário da Cruzeiro do Sul. Ela estava no quintal de casa quando viu a esquadrilha extraterrestre: “Vi que não podia ser meteoro, porque a velocidade era menor, nem avião. Voavam em formação. Não havia som e quando passaram diante da Lua as luzes se multiplicaram”.
Tudo foi reunido num relatório e enviado ao Rio de Janeiro, ao Centro de Investigações de Objetos Aéreos não Identificados, do Ministério da Aeronáutica para investigação. Esta semana, a assessoria de imprensa da Aeronáutica informou desconhecer apuração de ocorrências desse tipo no céu do país. Ou, simplesmente, desconversou. A base aérea, em Lagoa Santa, e a torre de controle do aeroporto da Pampulha não conseguem localizar o sargento Morais, pois os jornais não revelaram o primeiro nome.
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