O Papa Francisco terá alegadamente realizado um exorcismo num mexicano. O porta-voz do Vaticano apressou-se a desmentir. Mas o célebre exorcista Gabriele Amorth, a caminho dos 90 anos e que diz já ter feito mais de 70 mil exorcismos, não duvida de que "o Papa fez mesmo um exorcismo". Por mim, confesso que estou plenamente convencido de que Francisco não o fez: apenas tentou ajudar aquela pessoa doente, impondo-lhe as mãos e rezando.
Diabo é, etimologicamente, o contrário de símbolo: enquanto diabállo, em grego, significa desunir, enganar, symboléo quer dizer encontrar-se com, reunir. O simbólico une; o diabólico desune.
O diabo é uma figura com muitos nomes, embora o seu sentido não seja exactamente idêntico: satã, demónio, satanás, belzebu, lúcifer, mafarrico, maligno... Aqui, serão usados indistintamente.
Seja como for, o decisivo é que o diabo aparece no contexto do sofrimento, da maldade, enfim, do mal. Como se explica tanto mal e sofrimento no mundo? Uma vez que Deus não pode ser a causa do mal, pois é infinitamente bom, supõe-se que o diabo poderia ser uma boa explicação. Ele tentou e tenta o ser humano, que cai na tentação e provoca o mal. Mas já o filósofo Kant colocou na boca de um catequizando iroquês esta pergunta: Por que é que Deus não acabou com o diabo? E sobretudo: quem é que tentou os anjos, para que, de bons, se transformassem em anjos caídos e maus, demónios?
Para explicar o mal, contrapor o diabo a Deus, como se fosse uma espécie de anti-Deus, no quadro de um dualismo maniqueu, não passa de uma explicação aparente e, sobretudo, é uma contradição.
Se é certo que Jesus, nos Evangelhos, aparece expulsando demónios, isso deve ser compreendido no contexto das crenças da altura. Hoje, sabemos que se tratava de doenças do foro psiquiátrico ou de pessoas com ataques epilépticos ou sofrendo de histeria. De qualquer forma, Jesus anunciou Deus e não satanás, e, felizmente, o diabo não faz parte do Credo cristão. O núcleo da mensagem de Jesus foi o Reino de Deus, e o Reino de Deus consiste na salvação total e plena do ser humano. Neste contexto, o diabo pode aparecer apenas como um símbolo personificado de todo o mal que ainda aflige o homem, mas a que Deus há-de pôr termo, segundo a promessa de Jesus. O diabo é a expressão personificada do que não é o Reino de Deus. Precisamente para realçar mais e melhor o que constitui o centro da mensagem de Jesus enquanto notícia boa e felicitante: o futuro do Reino de Deus.
O diabo não pode, pois, ser apresentado como uma espécie de concorrente de Deus. E não tem sentido continuar a pensar e a pregar que ele se mete nas pessoas, para tomar conta delas através das possessões diabólicas. Não há possessos demoníacos. Apenas há doenças e doentes de muitas espécies e com múltiplas origens e com imenso sofrimento, a que é preciso pôr fim, na medida do possível e, pelo menos, aliviar. Os rituais de exorcismos não têm justificação.
Se Jesus não pregou satanás, mas Deus, então a fé do cristão dirige-se a Deus e não ao diabo, o que inclui na prática a urgência de expulsar da vida pessoal e pública tudo o que é demoníaco e diabólico.
Já em 1969, Herbert Haag, um dos maiores exegetas do século XX, que conheci bem, se despedia da crença na existência pessoal do diabo, na obra Abschied vom Teufel (Adeus ao diabo). H. Bietenhard também escreveu: "A pregação cristã não deve especular sobre a origem e a essência ou o ser de Satanás - a Bíblia também não o faz: as pregações sobre o diabo e sobre o inferno, quando não fomentam a necessidade de emoções de pessoas pseudopiedosas e a excitação dos seus nervos, só servem para difundir a insegurança, a angústia e o medo. Essas pregações, em vez de libertar, colocam fardos aos ombros das pessoas."
Como diz o teólogo José M. Castillo, a Igreja, em vez da preocupação com o número de exorcistas para os demónios inexistentes, deve preocupar-se com os outros demónios, os que na realidade existem, que andam por aí à solta e são responsáveis por imensos sofrimentos de milhões de pessoas.
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