O admirável mundo angélico
AS NOÇÕES que correm entre os fiéis, mesmo dentre
os mais fervorosos, a respeito dos santos anjos são muito vagas e
superficiais. Meras reminiscências e imagens da infância, na maioria dos
casos, não muito diferentes de entidades fictícias e de algum modo
mitológicas, como as fadas e os duendes.
A iconografia corrente, infelizmente, não ajuda a
dar a conhecer a verdadeira fisionomia dos anjos, apresentando-nos seres
alados, com vestes e aspecto feminino; ou, então, anjinhos bochechudos, com
cara infantil e tola, brincando despreocupadamente sobre nuvens que mais
parecem flocos de algodão doce...
Esses anjos não existem, nem é deles que tratamos
aqui.
A partir dos dados da Sagrada Escritura e da
Tradição, dos escritos dos Santos Padres, do ensinamento do Magistério
eclesiástico, da lição dos Doutores e teólogos, queremos apresentar a
verdadeira natureza dos santos anjos: seres puramente espirituais, dotados de
uma inteligência agudíssima e de uma possante vontade livre dominando abaixo
de Deus sobre todas as demais criaturas, racionais e irracionais, bem como as
forças da natureza, os elementos da atmosfera e subjugando para sempre os
espíritos infernais.
Eis os santos anjos, príncipes dos exércitos do
Senhor, mas também nossos amigos e protetores.
O admirável
mundo angélico
"E ouvi a
voz de muitos anjos
em volta do
trono...
e era o número
deles
milhares de
milhares".
( Ap 5,11)
ALÉM DO MUNDO VISÍVEL e material, criou Deus
também o mundo invisível e espiritual, o admirável mundo angélico.
A existência dos anjos foi negada na Antiguidade,
entre judeus, pela seita dos saduceus (cf. At 23, 8). Mais tarde, por certas
seitas protestantes, como os anabatistas. Em nossos dias ela tem por
adversários os ateus, materialistas e positivistas, que não crêem senão
naquilo que seus olhos vêem e seus sentidos apalpam. Os racionalistas, para
encontrar uma excusa aparentemente racional à sua incredulidade, alegam que
os anjos foram inventados pelos judeus no tempo do cativeiro da Babilônia,
por imitação das entidades ali cultuadas; ou, então, consideram os anjos como
simples modo poético e simbólico de referir-se às virtudes divinas e aos
vícios humanos...
Contra todos esses, falam os dados da razão, a
crença comum dos povos e a revelação divina.
Os anjos
existem
Pela simples razão, independentemente da
revelação, o homem pode chegar de algum modo ao conhecimento da existência
dos anjos. Com efeito, a existência de seres puramente espirituais não
repugna à razão. E um exame da criação, à mera luz do intelecto pode
levar-nos à conclusão de que a existência de criaturas puramente espirituais
convém à harmonia do Universo, pois assim estariam representados os três
gêneros possíveis de seres: os puramente espirituais, acima do homem; outros,
puramente materiais, abaixo do homem; por fim, seres compostos, dotados de
matéria e espírito — os homens. E a
crença comum dos povos, constante em todos os lugares e em todas as épocas,
sempre afirmou a existência desses seres de natureza superior aos homens e
inferior à divindade.
Uma coisa, porém, é a mera possibilidade da
existência de seres puramente espirituais, e outra é a sua realidade
objetiva. A existência dos anjos (e dos demônios, anjos decaídos) seria para
nós um problema insolúvel, não houvesse a tal respeito especial revelação
divina por meio da Escritura e da Tradição,* que nos garantem a certeza da existência
dos anjos.
* Tradição, em sentido amplo, é o conjunto de
idéias, sentimentos e costumes, como também de fatos que, numa sociedade, se
transmitem de maneira viva de geração a geração.
Em sentido
estrito teológico, chama-se Tradição o conjunto de verdades reveladas que os
apóstolos receberam de Cristo ou do Espírito santo, e transmitiram,
independentemente Sagradas Escrituras, à Igreja, que as conserva e transmite
sem alteração. Essa revelação foi feita a nossos primeiros pais, e se
conservou na Humanidade, por via de
transmissão oral pelos Patriarcas. Com o tempo (e também por obra do demônio,
sem dúvida), essa revelação primitiva foi-se corrompendo, restando dela meros
vestígios no paganismo antigo e no atual. Nas brumas desse paganismo
encontramos seres incorpóreos, ora malfazejos ora benignos, quase sempre
cultuados como divindades ou quase-divindades. Para preservar o povo judeu da
contaminação por essa deformação politeísta pagã, os Autores sagrados,
durante largo período, evitaram mencionar nominalmente o espírito das trevas.
E, pela mesma razão, não se encontram muitos pormenores no Antigo Testamento
sobre a natureza dos anjos e dos demônios, embora sejam mencionados a cada
passo. A revelação definitiva só se verifica Nosso Senhor Jesus Cristo.
Porém, a Bíblia não traz toda a revelação sobre o mundo angélico, sendo
necessário recorrer à Tradição, Esta, como se sabe, encontra-se recolhida nos
documentos dos Santos Padres* e escritores eclesiásticos dos primeiros tempos,
assim como nos documentos do Magistério - Papas e Concílio - na Liturgia e
nos monumentos da Antiguidade cristã (catacumbas cemitérios, etc.).
*Chamam-se Santos Padres ou Padres da Igreja
certos escritores eclesiásticos antigos, que se distinguiram pela doutrina
ortodoxa e santidade de vida e são reconhecido Igreja como testemunhas da
tradição divina.
A existência dos anjos é uma verdade de fé,*
provada pela Escritura e pela Tradição. A Sagrada Escritura refere-se
inúmeras vezes a seres racionais, inferiores a Deus e superiores aos homens;
logo, segundo ela, esses seres, que nós denominamos anjos, existem.
* Verdade de fé é aquela que se encontra na
Revelação e é proposta pela Igreja aos fiéis como verdade que se deve crer. A
negação pertinaz de uma verdade de fé constitui a heresia.
Essa verdade foi definida solenemente como dogma
pelo concílio IV de Latrão (1215): “Deus.., desde o princípio do tempo criou
do nada duas espécies de seres — os espirituais e os corporais, isto é, os
anjos e o mundo”. De forma igual se expressa o I Concílio do Vaticano (1870).
Os nove coros
angélicos
Existem diferenças entre os anjos, mas não consta
na Revelação qual sua origem nem seu modo preciso. É questão de livre
discussão se os anjos são todos da mesma espécie, ou se existem tantas
espécies quantos são os coros, ou se cada indivíduo constitui uma espécie por
si (opinião de São Tomás).
De acordo com uma tradição que remonta ao
Pseudo-Dionísio Areopagita,* os teólogos costumam agrupá-los em nove ordens
ou coros angèlicos, distribuídos em três hierarquias ( os nomes são tomados
da Sagrada Escritura):**
*Renomado escritor eclesiástico dos primeiros
séculos, cuja identidade não se estabeleceu ainda ao certo, durante muito
tempo confundido com o sábio convertido por São Paulo no Areópago de Atenas
(cf. At 17, 34). Uma de suas obras mais célebres é De coelesti hierarquia — Sobre a hierarquia celeste, na qual
estabelece a ordem dos Anjos, deteminada pelo seu grau de assimilação a Deus,
de união com Deus, do dom de luz divina que recebem e transmitem aos Anjos
inferiores.
** Por exemplo: Serafins ( Is 6,2); Querubins (
Gen 3,24; Ex 25, 18; 3 Reis 6,23; Sl 17, 11; Ez 10,3; Dan 3,55); Arcanjos ( 1
Tes 4,15; Jud 9); Anjos, Potestades, Virtudes (1 Ped 3,22); Principados, Dominações
( Ef 1,20-21); Tronos (Col 1,16).
Primeira hierarquia - Serafins, Querubins,
Tronos;
Segunda hierarquia - Dominações, Potestades,
Virtudes;
Terceira hierarquia - Principados, Arcanjos e
Anjos.
Os anjos dos três primeiros coros ou primeira
hierarquia - Serafins, Querubins e Tronos contemplam e glorificam
continuamente a Deus: " Vi o Senhor sentado sobre um alto e elevado
trono... Os Serafins estavam por cima do trono ... E clamavam um para o outro
e diziam: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos" (Is 6, 1-3
). " O Senhor reina ... está sentado sobre querubins" (Sl 98,1); os
três coros seguintes - Dominações, Virtudes
e Potestades - ocupam-se do governo do mundo; finalmente, os três últimos
- Principados, Arcanjos e Anjos - executam as órdens de Deus: "Bendizei ao Senhor, vós todos os seus
anjos, fortes e poderosos, que executais as suas ordens e obedeceis as suas
palavras" (Sl 102, 20).
Todos eles podem entretanto ser chamados genericamente
anjos, estando à disposição de Deus para executar suas vontades. Embora o Evangelho, na Anunciação a Maria,
se refira ao anjo Gabriel ( Lc 1,26), isto não quer dizer que ele pertença à
última das hierarquias angélicas, pois a sublimidade dessa embaixada leva a
supor que se trate de um dos primeiros espíritos que assistem diante de Deus.
Os três arcanjos - como são conhecidos comumente
São Miguel, São Gabriel e São Rafael - pertencem, provavelmente, à mais alta
hierarquia angélica. Falaremos deles
mais adiante.
Embora não conheçamos, o número exato dos anjos,
sabemos, pelas Escrituras e pela Tradição, que são muitíssimos,. É o que lemos no livro do Apocalipse:
"E ouvi a voz de muitos anjos em volta do trono ... e era o número deles
milhares e milhares"
(Apoc 5, 11). E no livro de Daniel: “Eram
milhares de milhares de milhares (os anjos) que o serviam, e mil milhões os
que assistiam diante dele” (Dan 7, 10).
A natureza angélica
“Então
o anjo do Senhor tornou-o pelo
alto
da cabeça e, tendo-o pelos cabelos,
levou-o
com a impetuosidade do seu espírito até Babilônia,
sobre
a cova"
(Dan
14, 32-35)
É TAL O ESPLENDOR de um anjo, que as pessoas às
quais eles aparecem muitas vezes se prostram por terra por temor e reverência
para adorá-los, pensando que se trata do próprio Deus — conforme relato das
Escrituras e da vida dos santos. E assim que São João conta no Apocalipse:
“Prostrei-me aos pés do anjo para o adorar; porém ele disse-me: Vê, não faças
tal; porque eu sou servo de Deus como tu .... Adora a Deus” (Apoc 22,9).
É essa natureza maravilhosa que vamos estudar
agora.
Seres racionais
e livres
Os anjos são seres intelectuais ou racionais,
inferiores a Deus e mais perfeitos que os homens. Eles são puros espíritos,
não estando ligados a um corpo como nós; são dotados de uma inteligência
luminosa e de vontade livre e possante. Tendo sido criados por Deus do nada,
como tudo o mais, os pelo próprio fato de serem puramente espirituais, são
imortais, pois não têm nenhuma ligação com a matéria corruptível, como os
homens. Ao contrário da natureza do homem, que é composta (isto é, formada de
dois elementos distintos, o corpo e a alma) os anjos têm natureza simples,
puramente espiritual. Embora a alma humana seja igualmente espiritual, ela
foi criada por Deus para viver em união substancial com o corpo; quando se dá
a morte e a alma se separa do corpo, ela permanece em um estado de violência,
enquanto não se dá a ressurreição dos corpos. Já os anjos não têm necessidade
de um corpo como o homem. Desse modo,
é um ser muito mais perfeito, sendo inferior, quanto à natureza, apenas ao
próprio Deus. Não se pode pois, ao pensar nos anjos, concebê-los à maneira de
uma alma humana separada de seu corpo. Esta última não é capaz daquilo que o
anjo pode fazer sua simples natureza.
Tal como o homem, os anjos existem realmente
enquanto pessoas; ou seja, eles são substâncias individuais, dotadas de
inteligência e livre arbítrio*. Em outros termos, eles têm uma existência
real, distinta da de outros seres, sendo capazes de conhecer, de amar, de
servir, de escolher entre uma coisa e outra. Eles não são portanto, seres
imaginários, fictícios, concebidos pelo homem como mero modo poético de
exprimir-se, ou como personificações das virtudes e dos vícios humanos ou das
forças da natureza,nem tampouco emanações do poder de Deus.
* É clássica a definição de pessoa dada por
Boécio: “Rationalis naturae individua
substantia “— " Substância individual de natureza racional”.
Os anjos foram elevados à ordem sobrenatural,
isto é chamados a participar da vida da graça, cujo fim é a visão beatífica
de Deus. Esta elevação é gratuita, mas discute-se em que momento se deu (para
São Tomás, foi no momento mesmo de sua criação); é de fé que os anjos deveram
sofrer uma prova, porém não se sabe qual teria sido. Depois da prova cessou
para eles o tempo de merecer; é também de fé que os anjos bons gozaram e
gozam para sempre visão beatífica e que os maus foram condenados a uma pena
eterna.
Conhecimento e
comunicação angélica
É questão de livre discussão tudo quanto se
refere ao conhecimento angélico, à comunicação de uns com os outros, bem como
o que se refere ao seu ato de vontade; é certo que sua capacidade de conhecer
— embora incomparavelmente superior à do homem — é limitada: eles não conhecem
naturalmente os mistérios divinos, nem o futuro livre ou contingente;* também
é certo que têm pleno livre arbítrio.
*Os anjos (e também os demônios, que são anjos
pervertidos), pela sua própria natureza, não têm capacidade de conhecer o
futuro que depende de um ato livre de Deus ou do homem; porém, dada sua
inteligência agudíssíma e seu conhecimento da natureza e de suas leis, eles
podem prever qual o desenrolar dos acontecimentos, postas cenas causas.
Também podem, em razão de sua profunda penetração psicológica e do
conhecimento da alma humana, fazer conjeturas mais ou menos prováveis de como
os homens reagirão diante de determinada circunstância, e assim prever o que
decorrerá daí.
Para dar uma idéia da perfeição do conhecimento
angélico, parece oportuno transcrever a explicação do Cardeal Lepicier,
grande especialista na matéria. Comparando o modo de conhecimento humano com
o angélico, ressalta o Cardeal que Deus infundiu no intelecto dos anjos, logo
que os criou, representações de todas as coisas naturais. Estas imagens “são
não somente representativas de princípios gerais que regulam cada ciência
particular, mas encerram também, distintamente, todos os pormenores
virtualmente contidos nesses princípios, de maneira que uma e a mesma imagem
informa a mente angélica das particularidades de cada ciência. Não poderá
pois haver confusão na mente angélica, quando ela passa da observação de um
para a observação de outro...
"Um anjo, com um simples olhar à imagem que
representa — digamos — o reino animal, conhece não só as várias espécies de
animais existentes, mas também cada indivíduo que exista ou tenha existido
dentro de cada espécie, assim como as suas propriedades particulares e os
seus meios de ação. E o mesmo sucede com o conhecimento de qualquer objeto,
seja ele qual for, que se encontre no reino da natureza, seja orgânico ou
inorgânico, material ou espiritual visível ou invisível. Chama-se futuro
livre ou contingente aquele que depende, seja da vontade divina, seja da
humana. Distingue-se do futuro necessário, o qual não depende do livre
arbítrio, mas decorre de causas que, uma vez postas, levam necessariamente a
um determinado efeito. Assim, à noite
sucede o dia; a semente, lançada à terra, germinará dentro de determinado
tempo, se se verificarem todas as condições necessárias a isso,
independentemente da vontade divina (que já está manifestada no ato da
criação da espécie) ou da natureza humana.
“Por aqui se pode ver que a ciência humana é
muito excedida pela ciência da mente angélica, tanto em extensão com
precisão”.*
* (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível pp.
42-43.)
São Tomás explica do seguinte modo a comunicação
dos anjos entre si: como nós homens, os anjos têm o verbo interior ou verbo
mental, com o qual falamos a nós mesmos ou formulamos os conceitos
interiormente. Mas, enquanto nós só podemos comunicar esse pensamento a
outros por meio da palavra oral, ou de outro meio externo, pois entre nós e
os demais existe a barreira do nosso corpo, que vela o pensamento, os anjos
não têm essa barreira corpórea; assim, basta a eles, por um ato de vontade,
se dirigirem a outros anjos, para que seu pensamento — ou seja, esse verbo
interior ou verbo mental — se manifeste a eles. Como os anjos são diferentes
entre si, e uns são mais perfeitos que outros, os mais perfeitos iluminam os
menos perfeitos cor comunicando-lhes aquilo que eles vêem mais em Deus. Do mesmo modo,
eles podem iluminar os homens, comunicando-lhes bons pensamentos, embora de
forma diferente daquela pela qual um anjo se comunica com outro. Como a mente
humana necessita do concurso da fantasia para entender as coisas, os anjos
comunicam as verdades ao homem por meio de imagens sensíveis. Quanto à
vontade humana, só Deus ou o próprio homem são capazes de movê-la
eficazmente; o anjo, ou outro homem. só podem movê-la por meio da persuasão.
Poder dos anjos
sobre a matéria
É um tanto misterioso a nós o modo como os anjos,
seres espirituais, possam mover a matéria. No entanto tal poder está formalmente
revelado, como se pode ver, por exemplo, no livro de Daniel. O profeta fora
jogado na cova dos leões para que perecesse; por ação divina, os animais não
fizeram mal: “O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou a boca dos leões e estes
não me fizeram mal algum” (Dan 6, 21). No entanto, para alimentá-lo, Deus
quis servir-se do profeta Habacuc, conduzido até a cova por um anjo. Narra a
Escritura: “Estava então o Profeta Habacuc na Judéia, e tinha cozido um
caldo, e esfarelado uns pães dentro duma vasilha, e ia levá-los ao campo aos
ceifeiros que lá estavam. E o anjo do Senhor disse a Habacuc: Leva a
Babilônia essa refeição que tens, para a dares a Daniel que está na cova dos
leões. E Habacuc respondeu: Senhor eu nunca vi a Babilônia e não sei onde é a
cova. Então o anjo do Senhor tomou-o
pelo alto da cabeça e, tendo-o pelos cabelos, levou-o com a impetuosidade do
seu espírito até Babilônia, sobre a cova” (Dan 14, 32-35). O próprio Salvador
deixou-se carregar pelo demônio até o alto monte para ser tentado (cf. Mt 4,
5-8). Em São
Mateus, sobre a Ressurreição de Nosso Senhor, está escrito:
“Um anjo do Senhor desceu do céu, e, aproximando-se, revolveu a pedra, e estava sentado sobre ela” (Mt 28,
2).*
* Cf. Suma Teológica, 1,qq. 52, 107,110-112.
Embora a questão, como dissemos, seja algo
misteriosa, procuraremos sintetizar aqui a doutrina de São Tomás de Aquino a
respeito. Antes de tudo, convém lembrar o que ensina o santo Doutor a
respeito do modo como os anjos encontram-se em um lugar: enquanto os seres corpóreos
manifestam sua presença num lugar circunscrevendo-o pelo contato físico de
seu corpo com o lugar ocupado, as criaturas incorpóreas delimitam o lugar por
meio de um contato operativo. Quer dizer: elas estão no lugar onde agem.
Quanto ao modo como os anjos movem a matéria, é a seguinte explicação
tomista:
O ser superior pode mover os inferiores porque
tem em si, de um modo mais eminente, as virtualidades desses seres
inferiores. Assim, o corpo humano é
movido por algo superior a ele, a alma, que é espiritual, a qual, através da
vontade, que também é imaterial, move os membros corpóreos a seu bel-prazer;
logo, não repugna à razão que uma substância espiritual possa mover a
matéria. Entretanto, no caso da alma humana, ela só pode mover diretamente aquele
corpo com o qual está substancialmente unida; as demais coisas, ela só pode
mover por meio desse corpo;* ora, como os anjos são seres espirituais, não
estando substancialmente unidos a nenhum corpo material, sua força de ação
sobre a matéria não está delimitada por nenhum corpo determinado; dai se
segue que eles podem mover livremente qualquer matéria.
* Por exemplo, para mover uma caneta sobre o
papel no escrever, nós precisamos segurá-la com a mão e através desta
imprimir o impulso que fará a caneta deslizar no papel e traçar as letras que
desejamos; eu não posso mover diretamente a caneta, por um simples ato de
vontade: pelo ato de vontade eu agarro a caneta e movo minha mão segundo meus
intentos.
Esse movimento se produz pelo contato operativo
do anjo a matéria, impulsionando um primeiro movimento local; por meio desse
primeiro movimento local o anjo pode produzir outros movimentos na matéria
utilizando-se dos próprios recursos dela, com o ferreiro se utiliza do fogo
para dobrar o ferro.
O Cardeal Lepicier observa que, como os anjos
possuem conhecimento das leis físicas e químicas que ultrapassa tudo quanto a
Ciência possa ter descoberto ou venha a descobrir, e, além do mais, têm um
poder imenso sobre a matéria, podemos dizer que dificilmente se encontrarão
no Universo fenômenos que os anjos não possam produzir, de um modo ou de
outro. Esses fenômenos são por vezes tão surpreendentes, que chegam a parecer
verdadeiros milagres. Porém, não são milagres, pois embora ultrapassem de
longe a capacidade dos homens, não estão acima do poder angélico. Ele
exemplifica:
“Um rápido exame dos fenômenos que ocorrem no
mundo físico bastará para nos dar uma idéia dos maravilhosos efeitos a que os
seres angélicos podem dar causa. Em primeiro lugar, assim como, devido às
forças da natureza, massas enormes se podem deslocar, ou, sob a ação de
agentes físicos, os elementos da matérias dissolvem ou trabalham em conjunto,
como quando provocam as tempestades, furacões e procelas — assim também um
anjo, sem a cooperação de quaisquer agentes intermediários, transfere de um
lugar para outro os corpos mais pesados, levanta-os e conserva-os suspensos
durante determinado tempo, agita as mais pesadas substâncias e provoca
colisões entre elas. Pode o mesmo anjo revolver cidades e vilas, provocar
terremotos e encapelar as ondas do mar, originar tempestades e furacões,
parar a corrente dos rios e, se assim o entender, dividir as águas do mar.
"Além de tudo isso, pode também um anjo,
usando das próprias forças, produzir os mais surpreendentes efeitos óticos,
não só obrigando substâncias desconhecidas para nós espargir jorros de luz,
mas também projetando sombras que se assemelham a representações
fantasmagóricas. Pode ainda, sem a ajuda de qualquer instrumento, pôr em
movimento os elementos da matéria, fazer ouvir a música mais harmoniosa ou
produzir os mais estranhos ruídos, tais como pancadas repetidas ou explosões
súbitas. São ainda os anjos capazes de aglomerar nuvens, provocar relâmpagos
e trovões, arrancar árvores gigantescas, arrasar edifícios, rasgar tecidos e
quebrar as rochas mais duras. É-lhes também possível fazer com que um lápis
escreva, por assim dizer automaticamente, certas frases com um sentido
inteligível, assim como dar aos objetos formas diferentes das que são peculiares
à sua natureza. Podem, até certo
ponto, suspender as funções da vida, parar a respiração dum corpo, acelerar a
circulação do sangue e fazer com sementes lançadas à terra cresçam dentro de
pouco tempo, até atingirem a altura duma árvore, com folhas, botões e até com
frutos.
"A um anjo é possível fazer todas estas
coisas no mais breve espaço de tempo por causa do seu poder sobre os
elementos da matéria, e sem a menor dificuldade, imitando perfeitamente as
obras da natureza e dando em tudo a impressão de que se trata de efeitos s a
causas naturais” .*
* (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível. pp.
74-75.)
Poder dos anjos
sobre o homem
O anjo pode produzir efeitos corpóreos
maravilhosos. Ele pode, através do movimento que imprime à matéria, produzir mudanças
nos corpos, mas de tal forma que apenas se sirva da natureza, desdobrando as
potencialidades dela. Assim ele pode, nos homens, favorecer ou impedir a
nutrição ou provocar doenças. Mas ele não pode fazer qualquer coisa que
esteja completamente acima da natureza, como, por exemplo, ressuscitar
pessoas mortas. O anjo tem ainda o poder de favorecer ou impedir os
movimentos da sensualidade, a delectação, a dor, a ira, a memória e afetar de
vários modos os sentidos externos e internos, isto é, os cinco sentidos, a
memória e a imaginação. Do mesmo, modo o anjo pode aguçar a força da
inteligência e, de um modo indireto, mover quer o intelecto — excitando
imagens na fantasia ou propondo questões — quer a vontade, solicitando-a para
que escolha algo. O anjo pode formar para si um corpo com o qual aparece aos
homens como, por exemplo, o arcanjo São Rafael fez com Tobias. Santo Agostinho diz que os anjos aparecem
aos homens com um corpo que eles não somente podem ver, mas também tocar,
como é provado pela Escritura (Gen 18, 2ss; Lc 1, 26ss; At 12, 7ss; o livro
de Tobias).
O anjo move o corpo que assume, como nós
poderíamos mover um boneco, dando a impressão de que ele está vivo,
fazendo-os imitar os movimentos do homem. Quando São Rafael parecia comer na
companhia de Tobias, ele apenas fazia o corpo do qual estava se servindo
mover-se como faz um homem nessa circunstância, mas sem consumir o alimento.
Os espíritos angélicos não podem fazer milagres propriamente ditos, mas sim
coisas maravilhosas, que ultrapassam o poder humano, não porém o angélico.
Por exemplo, graças ao seu poder e conhecimento extraordinário, podem curar
doenças, restituir a vista a cegos (Tob 11, 15); fazer prodígios como elevar
uma pessoa e carregá-la pelos ares (Dan 14, 15), fazer falar serpente (Gen.
3, Iss), etc.
Ministérios dos anjos
"Anjos
do Senhor, bendizei ao Senhor...
Exércitos
do Senhor, bendizei ao Senhor".
(Dan
3, 58-61)
OS MINISTÉRIOS dos anjos são: em relação a Deus,
adorá-lo, louvá-Lo, servi-Lo, executando todos os Seus decretos em relação
aos demais anjos, quer aos homens, como também a toda a natureza material,
animada e inanimada; em relação aos demais anjos, os de natureza superior
iluminam os inferiores, dando-lhes a conhecer aquilo que vêm em Deus; em
relação aos homens, eles são ministros de Deus para encaminhá-los à pátria
celeste, protegendo-os, corrigindo-os, instruindo-os, animando-os; em relação
ao mundo material, eles são agentes de Deus para o governo do Universo.
Ministros da
liturgia celeste
O principal ministério dos anjos consiste em
adorar, louvar e servir a Deus: “Anjos do Senhor, bendizei ao Senhor...
Exércitos do Senhor, bendizei ao Senhor; louvai-O e exaltai-O por todos os
séculos” (Dan 3, 58-61). “Bendizei ao Senhor, vós todos os seus anjos, fortes
e poderosos, que executais as suas ordens e obedeceis as suas palavras” (Si
102, 20). “Os Serafins estavam por cima do trono... E clamavam um para o
outro e diziam: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos” (Is
6,2-3).
Os santos anjos desempenham assim a
liturgia celeste:
"E vi os sete anjos que estavam de pé diante
de Deus ... E veio outro anjo, e parou diante do altar, tendo um turíbulo de
ouro; e foram-lhe dados muitos perfumes, a fim de que oferecesse as orações
de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono de Deus. E
o aroma dos perfumes das orações dos santos subiu da mão do anjo até à
presença de Deus” (Apoc 8,2-4).
Esses puros espíritos são, pois, ministros do
altar e ministros do trono de Deus: eles cantam os louvores de Deus na
presença do Altíssimo, e apresentam-Lhe as nossas preces e as nossas boas
obras; ao mesmo tempo, descem até nós e nos trazem as graças e bênçãos
divinas, verdade belamente expressa na visão da escada de Jacó: “(Jacó) teve
um sonho: Uma escada se erguia da terra e chegava até o céu, e anjos de Deus
subiam desciam por ela” (Gen 28, 12).
Essa verdade, em termos práticos, significa que eles
são intercessores poderosíssimos diante de Deus. A eficácia da intercessão
angélica é testemunhada, entre muitas outras passagens da Escritura, por esta
do livro do Profeta Zacarias: “E o anjo do senhor replicou e disse: Senhor
dos exércitos, até quando diferirás tu o compadecer-te de Jerusalém e das
cidades de Judá, contra as quais te iraste? Este é já o ano septuagésimo. ...
Isto diz o Senhor dos exércitos: Eu sinto um grande zelo por Jerusalém e por
Sião... Portanto isto diz o Senhor: Voltarei para Jerusalém com entranhas de
misericórdia” (Zac 1,12-16). Isto nos deve mover a recorrer sempre com fervor
e cada mais a eles.
Guerreiros dos
exércitos do Senhor
As Sagradas Escrituras nos apresentam os anjos
numa guerreira, como a milícia dos exércitos do Senhor. Assim, o profeta
Miquéias exclama: “Eu vi o Senhor sentado sobre seu trono, e todo o exército
do céu ao redor dele, à direita e à esquerda” (3 Reis 22, 19). E o livro de
Josué, ao narrar a luta dos judeus para conquistar a Palestina, após saírem do
Egito, diz: "Ora, estando Josué nos arredores da cidade de Jericó,
levantou os olhos e viu diante de si um homem em pé, que tinha uma espada
desembainhada. Foi ter com ele e disse-lhe: Tu és dos nossos, ou dos
inimigos? E ele respondeu: Não; mas sou o príncipe do to do Senhor” (Jos 5,
13-14).*
* No Antigo Testamento os anjos são
designados das mais diversas formas:
"príncipes"; "filhos de Deus"; "santos";
"anjos santos"; "sentidos vigilantes"; "espíritos";
"homem".
O próprio Deus, a quem servem esses anjos
guerreiros, é apresentado como o Deus dos exércitos. O profeta Oséias,
descrevendo a fidelidade de Jacó, registra: “E o Senhor Deus dos exércitos,
este Senhor ficou sempre na sua memória” (Os 12, 4-5). Amós profetiza a
prevaricação de Israel em nome do Senhor Deus dos exércitos: "Ouvi isto,
e declarai-o à casa de Jacó, diz o Senhor dos exércitos”. E adiante: “Pois
sabe, casa de Israel, diz o Senhor Deus dos exércitos, que eu vou suscitar
contra vós uma nação vos oprimirá” (Am 3, 13; 6, 15). Na visão do profeta
Isaías: "Os serafins .. clamavam um para o outro e diziam: Santo, Santo,
Santo é o Senhor Deus dos exércitos” (Is 6, 2-3). A mesma expressão é
utilizada nos Salmos de Davi: “Quem é esse Rei da Glória? O Senhor dos
exércitos; esse é o Rei da glória “. “O Senhor dos exércitos está conosco; o
Deus de Jacó é a nossa cidadela"
( Sl 23,10; 45, 8). O Senhor Deus dos exércitos, após a desobediência
de nossos primeiros pais, “pôs diante do paraíso de delícias Querubins
brandindo uma espada de fogo, para guardar o caminho da árvore da vida"
(Gen 3,24). As hostes celestes combateram no Céu uma “grande
batalha" (Apoc 12, 7), derrotando
e expulsando Satanás e os anjos rebeldes. E na noite sublime do Natal, esses
guerreiros celestes apareceram aos pastores: “E subitamente apareceu com o
anjo uma multidão da milícia celeste louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus
no mais alto dos Céus e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 8-14).
Deus confia à milícia celeste a defesa daqueles que O amam. Segundo os
intérpretes, um anjo exterminador matou em meio à noite todos os primogênitos
do Egito (Ex 12, 29); e ao serem os judeus perseguidos pelo exército do
Faraó, o anjo do Senhor, que ia diante deles, se interpôs entre os egípcios e
o povo escolhido (Ex 14, 19). Quando Senaquerib ameaçava o povo eleito, Deus
enviou um de seus terríveis guerreiros angélicos: "Naquela mesma noite
saiu o anjo de Iavé e exterminou no acampamento assírio cento e oitenta e cinco mil homens” (4 Reis 19,
35).
Às vezes os combatentes celestes se juntam aos
combatentes terrestres para dar-lhes a vitória, como se deu numa batalha
decisiva de Judas Macabeu:
“Mas, no mais forte do combate, apareceram do céu
aos inimigos cinco homens em cavalos adornados de freios de ouro, que serviam
de guia aos judeus. Dois deles, tendo no meio de si Macabeu, cobrindo-o com
suas armas, guardavam-no para que andasse sem risco da sua pessoa; e lançavam
dardos e raios contra os inimigos, que iam caindo feridos de cegueira, e
cheios de turbação. Foram pois mortos vinte mil e quinhentos homens, e
seiscentos cavalos” (2 Mac 10, 28-32).
O Senhor Deus dos exércitos envia igualmente seus
guerreiros para livrar seus amigos das mãos dos ímpios:
“Deitaram (os judeus) as mãos sobre os Apóstolos
e meteram-nos na cadeia pública. Mas um anjo do Senhor, abrindo de noite as
portas do cárcere, e, tirando-os para fora, disse: Ide, e , apresentando-vos
no templo, pregai ao povo toda as palavras desta vida” (At 5, 18-20).
“Herodes ... mandou também prender Pedro ... E eis que sobreveio um anjo do Senhor, e
resplandeceu de luz no aposento; e, tocando no lado de Pedro, o despertou,
dizendo: Levanta-te depressa. E caíram as cadeias das suas mãos. E o anjo
disse-lhe: Toma a tua cinta, e calça as tuas sandálias. E ele fez assim. E o
anjo disse-lhe: Põe sobre ti a tua capa e segue-me. E ele, saindo, seguia-o,
e não sabia que era realidade o que por intervenção do anjo, mas julgava ter
uma visão. E, depois de passarem a primeira e a segunda guarda, chegaram à
porta de ferro que dá para a cidade, a
qual se lhes abriu por si mesma. E saindo, passaram uma rua e, imediatamente,
o anjo afastou-se dele: Então Pedro, voltando a si, disse: Agora sei
verdadeiramente que o Senhor mandou o seu anjo, e me livrou da mão de Herodes
e de tudo o que esperava o povo dos judeus” (At 12, 1-11).
O próprio Salvador, para deixar claro aos
Apóstolos que Ele sofria a Paixão por espontânea vontade, disse a São Pedro,
que O queria defender por meio da espada: “Julgaste por ventura que eu não
posso rogar a meu Pai, e que ele não me porá imediatamente aqui de doze
legiões de anjos?” (Mt 26, 53).
Executores das
vinganças de Deus
Esses guerreiros executam igualmente as vinganças
de Deus:
Diante dos pecados dos sodomitas, Deus enviou
seus anjos:
"Quanto aos homens que estavam à porta (da
casa de Lot e queriam abusar dos jovens que lá estavam), eles (os anjos) os
feriram com cegueira, do menor ao maior, de modo que não conseguiram achar a
entrada “. “Os anjos disseram a Lot ... nós vamos destruir este lugar pois é
grande o clamor que se ergueu contra eles diante do Senhor. E o Senhor nos
enviou para exterminá-los (Gen 19, 10-13).
"Quando os mensageiros do rei Senaquerib
blasfemaram contra ti, teu anjo interveio e feriu cento e oitenta e cinco mil
dos seus homens". (1 Mac 7,41).
Herodes Agripa, que perseguira São Pedro e matara
São Tiago, foi "ferido pelo anjo do Senhor e comido de vermes” (At 12,
23).
No fim do mundo:
"O Filho do homem enviará os seus anjos, e
tirarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade. E
lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt13,
41-42).
"Quando aparecer o Senhor Jesus (descendo)
do céu com os anjos do seu poder, em uma chama de fogo, para tomar vingança
daqueles que não conheceram a Deus e que não obedecem ao Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo; os quais serão punidos com a perdição eterna longe da
face do Senhor e da glória do seu poder" (2 Tess 1, 7-9).
Mensageiros
celestes
O próprio nome de anjos indica já sua função:
enviados ou mensageiros de Deus. Com efeito, o original hebraico do Antigo
Testamento se refere a esses puros espíritos como mal´âk yahweh, isto é,
emissários de Deus. A versão grega utilizou a expressão angelos, a qual foi
por sua vez traduzida em latim por angelus,
palavra que serviu de base para as línguas ocidentais.
O Novo Testamento nos mostra a ação desses
emissários de Deus, comunicando aos
homens as mais importantes mensagens divinas. Assim, o arcanjo São Gabriel
anuncia a Zacarias o nascimento do Precursor, São João Batista: “Eu sou
Gabriel, que assisto diante do trono de Deus e fui enviado para falar-te e
comunicar-te esta boa nova” (Lc 1,19). O mesmo anjo anuncia à Santíssima
Virgem o mistério da Encarnação: “Foi enviado o anjo Gabriel da parte de Deus
a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão
de nome José, da casa de David; e o nome da Virgem era Maria” (Lc 1,26-27).
Um anjo aparece a São José em sonhos dando-lhe a conhecer também esse
mistério: “Eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo: José,
filho de David, não temas receber Maria como tua esposa, porque o que nela
foi concebido é (obra) Espírito Santo” (Mt 1,20).
A alegria do nascimento do Salvador foi anunciada
pela aos pastores: “Ora naquela mesma região havia uns pastores que velavam e
faziam de noite a guarda ao seu rebanho. E eis que apareceu junto deles um
anjo do Senhor, e a claridade de Deus os cercou,, e tiveram grande temor.
Porém o anjo disse-lhes: Não temais; porque eis que vos anuncio uma grande
alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos na cidade de David o Salvador, que
é Cristo Senhor. E eis o sinal: Encontrareis um menino envolto em panos
deitado numa manjedoura. E subitamente apareceu com o anjo uma multidão da
milícia celeste louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus no mais alto dos
Céus e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2,8-14). Um anjo aconselha
à Sagrada Família fugir para o Egito por causa da perseguição de Herodes:
“Eis que um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te,
torna o menino e sua mãe e foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise;
porque Herodes vai procurara menino para o matar” (Mt 2, 13). Depois da morte
de Herodes, o anjo torna a aparecer a São José: "Morto Herodes, eis que
o anjo do Senhor apareceu em sonho a José no Egito, dizendo: Levanta-te, toma
o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel, porque morreram os que
procuravam tirar a vida ao menino” (Mt 2, 19-20).
Consoladores e
confortadores
Em diversos episódios, a Sagrada Escritura nos
mostra os anjos no seu ministério de consoladores e confortadores dos homens em dificuldades. O
profeta Elias, sendo perseguido pela ímpia rainha Jezabel (a qual introduzido
em Israel o culto idolátrico de Baal), fugiu para o deserto; ali, prostrado
de desânimo e fadiga, adormeceu. “E um anjo do Senhor o tocou, e lhe disse:
Levanta-te e come". Elias abriu os olhos e viu junto de sua cabeça um
pão e um vaso de água; comeu e bebeu e tornou a adormecer. “E voltou segunda
vez o anjo do Senhor, e o tocou e lhe disse: Levanta-te e come, porque te
resta um longo caminho “. O Profeta levantou-se, e bebeu e, revigorado,
caminhou durante quarenta dias e quarenta noites até o Monte Horeb, onde Deus
iria manifestar-se a ele (3 Reis 19, 1-8).
Em sua vida terrena o próprio Salvador foi
servido e confortado anjos.
Assim se deu após o prolongado jejum no deserto e
a tentação do demônio: “Então o demônio deixou-o; e eis que os anjos se
aproximam e o serviam” (Mt 4, 11). Na terrível agonia do Horto das Oliveiras,
depois de Jesus exclamar: “Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice
“, o Padre enviou um anjo para confortá-Lo: “Então apareceu-lhe um anjo do
céu que o confortava” (Lc 22, 42-43). Na Ressurreição “um anjo do Senhor desceu
do céu e, aproximando-se, revolveu a pedra, e estava sentado sobre ela; e o
seu aspecto era como um relâmpago e as suas vestes brancas como a neve”. E o
mesmo anjo consolou as Santas Mulheres que haviam ido ao Sepulcro: “Não
temais, porque sei que procurais a Jesus que foi crucificado; ele já não está
aqui, porque ressuscitou como tinha dito” (Mt 28, 2-8).
Agentes de Deus
para o governo do Universo
É por meio dos santos anjos que Deus exerce o
governo do Universo.
Os Padres e Doutores da Igreja reconhecem nos
anjos um grande poder, não só sobre as plantas e animais, mas até sobre o
próprio homem. A Sagrada Escritura fala-nos também do anjo que tem poder
sobre o fogo (Apoc 14, 18), e daquele que manda nas águas (Apoc 16, 5).
Santo Agostinho diz que cada espécie distinta,
nos diferentes reinos da natureza, é governada pelo poder angélico. Segundo
São Tomás, Deus mesmo estabeleceu, até os mínimos detalhes, seu plano de
governo do mundo. Mas ele confia a execução desse plano, em graus variados,
primeiro aos anjos, depois aos homens, segundo suas funções diversas, e por
fim às outras criaturas.
Os anjos são os agentes da execução de Deus em
todos domínios. Como Deus governa tudo, os anjos O ajudam e obedecem em tudo. Ele exerce seus
desígnios no Cosmos pelo ministério dos anjos. “E claro que as galáxias do
céu, assim como as feras das florestas e os pássaros que cantam para nós, e o
trigo de nossos campos, os minerais e os gases, os prótons e os nêutrons
sofrem a ação dos anjos” comenta Mons. Cristiani. (Mgr L. CRISTIANI, Les
Anges, ces inconus, p. 651.)
São Tomás é categórico a esse respeito: “Todas as
corporais são governadas pelos anjos. E este é não somente o ensinamento dos
Doutores da Igreja, mas também de todos os filósofos" (Suma contra
Gentiles, lib. III, c. 1.)
E o Cardeal Daniélou explica: “Trata-se pois de
uma doutrina estabelecida pela tradição e pela razão. E nós, de nossa parte,
pensamos que o governo inteligente e forte do qual dá testemunho a ordem do
cosmos pode bem ter por ministros os espíritos celestes, em que pese o
racionalismo de alguns de nossos contemporâneos”. (Apud Mgr L. CRISTIANI,
art. cit., p.651.)
Guias e
protetores dos homens
Os anjos, apesar de sua excelsitude, por desígnio
de Deus, são nossos amigos e companheiros. Eles nos protegem nas
necessidades, nos guiam nos perigos, nos sugerem continuamente bons
propósitos, atos de amor e submissão a Deus. Pela sua importância, a doutrina
sobre os Anjos da Guarda merece maior desenvolvimento. É o que faremos em
capítulo à parte. Se o próprio Deus se serve continuamente dos anjos, não
devemos nós também recorrer sempre aos príncipes dos exércitos do Senhor, aos
mensageiros de Deus, invocando-os em todas as nossas necessidades?
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