sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Padres brasileiros se dedicam ao ritual do exorcismo Fantástico fala de padres brasileiros que se dedicam a um ritual que parecia perdido na história da igreja: o exorcismo.

O Fantástico fala de padres brasileiros que se dedicam a um ritual que parecia perdido na história da igreja: o exorcismo. Como explicar esses supostos casos de possessão demoníaca? O que a ciência tem a dizer sobre esse assunto? A reportagem é de Marcelo Canellas e Luiz Quilião.
Que mal acomete a mulher que se contorce, aos gritos, numa sala fechada? “Espíritos e demônios, vão embora!!”, diz um padre.
Crucifixos, terços, bíblias em punho.
Fantástico: O senhor é um padre exorcista?
Padre Vanilson: Hoje eu tenho autorização da Arquidiocese.
Fantástico: Para fazer exorcismo?
Padre Vanilson: Para fazer exorcismo.

Ainda existem mesmo padres especializados em enxotar o demônio?
Fantástico: O senhor lida com possessão demoníaca?
Padre Lauro Freire Alves Filho: Sim!

Padre Lauro, de Fortaleza, está sempre em alerta.
Fantástico: O senhor já foi tentado pelo demônio?
Padre Lauro: Sim. Todos nós somos tentados pelo demônio, né? Isso a fé da Igreja nos ensina. Jesus foi tentado pelo demônio.

Padre Vanilson, de Brasília, nunca se descuida: "Como a gente mexe com essas questões, a gente acaba também despertando a fúria do mal", diz Padre Vanilson.
Padre Vanilson e Padre Lauro fazem parte de um pequeno grupo de sacerdotes. Eles se dedicam, em tempo integral, ao que a Igreja Católica chama de combate espiritual ao demônio.
Igreja do Perpétuo Socorro, no Lago Sul, o bairro mais chique de Brasília. No estacionamento, lotado de carros importados, não há vagas. Lá dentro, diante do altar, empresários, altos funcionários, profissionais liberais. “Sai, em nome de Jesus”, disse Padre Vanilson.
Na Zona rural de Planaltina, no Distrito Federal, em um galpão improvisado, operários, camponeses, empregadas domésticas. “Eu ordeno, que venha para fora. Sai! Sai! Sai! Em nome de Jesus!”, disse.
Seja na igreja abastada, ou no lugarejo pobre, quando a imagem de São Miguel Arcanjo subjugando Satanás aparece, as pessoas começam a tossir e a gritar. Parecendo em transe, vão se jogando ao chão e permanecem deitadas umas ao lado das outras.
“Tem muito exorcismo? Eu digo: não. Na verdade, nós trabalhamos com oração de libertação”, diz Padre Vanilson.
A diferença é que a oração de libertação é para pessoas supostamente oprimidas pelo mal diabólico, mas que não estão possuídas pelo demônio.
Padre Vanilson: Alguém já me disse assim que eu que provoco as pessoas vomitarem, tossirem, enfim, a gente ouve tanta coisa.
Fantástico: E o senhor responde o que a essas pessoas?
Padre Vanilson: A minha resposta é sempre isto: eu mostro os efeitos.

Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, esse é um comportamento descrito pela medicina.
“É o que nós chamamos de estado dissociativo, que antigamente era chamado de histeria coletiva. As características são exatamente as das pessoas repetirem ações ou comportarem-se de forma idêntica àquele que está comportando ao seu lado, na sua frente, junto daquele contexto vivencial que se tem naquele momento", explica o presidente da associação, Antônio Geraldo da Silva.
É como se todos, sugestionados pelo padre, passassem a agir da mesma forma. “Em todas essas situações há um comandante, há uma pessoa em que as pessoas acreditam piamente que podem ajudar e que vai fazer e que algo está acontecendo”, disse o presidente da associação.
“Eu não trabalho com teoria. Eu trabalho com ser humano, que está doente, sofrido, oprimido”, destaca Padre Vanilson. 
O Fantástico acompanhou dois atendimentos individuais feitos pelo Padre Vanilson, no subsolo da Igreja do Perpétuo Socorro. Uma mulher de 42 anos, e um homem de 35, que não querem se identificar.
“Nos dois casos não foi exorcismo, mas nos dois casos são ação do demônio”, disse o padre Vanilson.

O repórter cinematográfico Luiz Quilião foi autorizado a filmar de dentro da sala. A equipe ficou do lado de fora. O padre entrevista a mulher antes de rezar. Ela diz que o mal aparece num redemoinho, no quarto dela, sempre na hora de dormir.

“Saiu de dentro do colchão, aquela coisa. E enfiou um negócio na minha cabeça. E falou assim: eu gosto muito de você”, conta.
“Tudo indica que ela foi consagrada ao mundo espiritual diabólico”, disse Padre Vanilson.
“Toda ação maligna e toda a opressão, pesadelos, visões, tudo isso, Jesus, agora seja cancelado pelo poder e a autoridade do teu reino”, diz o padre.
Fantástico: O senhor estava falando uma outra língura?
Padre Vanilson: Ali seria uma linguagem impulsionada pelo Espírito Santo, uma oração suscitada pelo espírito.

Enquanto invoca ajuda divina, os auxiliares rezam com ele. A moça põe as mãos no estômago, onde estaria concentrado todo o mal. Logo ela se agita.
“Em nome de Jesus, que seja desfeito. Em nome de Jesus, vai obedecer agora”, diz o padre.
Se joga no chão. Depois tenta atacar o padre e é contida pelos auxiliares. Borrifa água benta. “Eu cancelo toda a bruxaria que foi feita. Eu sou a tua salvação! Eu sou a tua salvação!”, diz o padre.
Ela se debate. Solta o último grito e se contorce. Depois fica em silêncio, ao comando do padre. Ela se acalma, e recebe a última benção. O outro atendimento foi muito parecido. Um rapaz se dizendo atormentado.
Nos dois casos, os atendimentos vão continuar. O padre diz que será preciso fazer mais orações para afastar o mal.
Para a psiquiatra Elisabete Possidente, mestre em neuropsiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, esse comportamento nada tem a ver com o diabo. Trata-se de uma doença psíquica com manifestações físicas. “O nosso psíquico, ela pode mimetizar qualquer doença física ou mental”, destaca a psiquiatra.
Fantástico: Quer dizer, a pessoa sente fisicamente esse transtorno psicológico?
Psiquiatra: Sente. Ela sofre com isso, não é um fingimento, não é uma simulação. Elas realmente sofrem.

A suposta cura, ou expulsão do demônio, seria apenas um alívio oferecido pelo exorcista. “A vida dela está sendo em função dessas manifestações, desses sinais e sintomas. Então quando tem uma pessoa externa que fala: 'eu vou te ajudar, eu vou te dar o apoio para você sair disso'. Isso é fundamental. O padre cumpre esse papel", disse a psiquiatra.

O antropólogo Carlos Alberto Steil, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diz que o pastor também cumpre esse papel, porque há exorcismo em outras igrejas. “O exorcismo está mais identificado como uma prática cristã. Todo exorcismo na Igreja Católica, Evangélica, Protestante, está associado à ideia da autoridade da palavra”, destaca o antropólogo.

O Papa Francisco começou o seu pontificado reafirmando a existência do diabo. Um dia depois de ser eleito, ele citou o escritor e pensador católico Leon Bloy para dizer que quem não se confessa está sujeito ao demônio. "Quem não reza para Deus, reza para o diabo. Quando não se confessa para Cristo, se confessa à mundanidade do diabo”, disse o Papa.
Não é o Papa quem escolhe os exorcistas. Embora o padre só vire exorcista depois de fazer um curso no Vaticano, cada bispo tem autonomia para nomeá-los, caso ache necessário. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil nunca fez um levantamento completo, mas o Fantástico apurou que existem pelo menos 30 padres exorcistas atuando no país, sem contar os que combatem o demônio fora do rito oficial da Igreja.
Padre Lauro, até pensou em fazer o curso do Vaticano. Mas um exorcista europeu o desaconselhou. "Você vai fazer o que lá? Vai ouvir o que já sabe? Só se for para treinar o italiano”, conta Padre Lauro Freire Alves Filho.
Ele recebeu autorização do arcebispo de Fortaleza para fazer atendimentos informais. "Formalmente, assim, nomeação de exorcistas na Arquidiocese de Fortaleza não há. Do ponto de vista prático é um verdadeiro exorcismo", ele afirma.
Para ele, o importante é separar o que é ação do demônio e o que é superstição ou distúrbio. “Uma xícara caiu no chão é o demônio, né? A menina não arranja namorado porque é feia demais acha que é o demônio. Mas o demônio existe, ele tenta, é uma possibilidade e isso acontece”, destaca o padre Lauro.
Para ele, não são só pessoas que são possuídas. Objetos também, como no caso do piano da casa de um fiel. “Quando eu olhei, o piano estava tocando sozinho, né? Uma peça de Beethoven ou de Bach, não me lembro bem. E eu pensei comigo: 'Nossa! Que demônio culto, né?'  Bem educado, né? Toca até piano, né?”, conta o padre.

O padre Geovane é pároco na favela Nova Holanda, no Rio de Janeiro. Fez curso em Roma, e é exorcista nomeado pelo arcebispo. Segue o rito romano e utiliza os objetos da liturgia oficial. “Ritual, a cruz, óleo, água benta e a estola”, explica Padre Giovane Ferreira.

Em um ano e meio de atividade, exorcizou uma única pessoa, que deixou, por escrito, o relato de seu drama. “Ofereci a Lúcifer a minha vida. Eu via como que um bicho de pele preta, chifres, olhos brancos envermelhados com rabos enormes. Eu invoquei as legiões do mal. E, aos poucos, fui me libertando”, diz o relato.
A Igreja considera muito raros os casos de exorcismo. O próprio padre Vanilson atendeu apenas dois casos.
Fantástico: Nesses dois o senhor foi bem sucedido? Conseguiu expulsar?
Padre Vanilson: Um eu digo que 100%.
Fantástico: Que é a dona Dercília?
Padre Vanilson: Dercília.

Foram 34 anos de sofrimento. “A força monstruosa que tinha. Os olhos virados”, conta o representante comercial Eurípedes Guedes dos Santos.
O marido acreditava que o demônio falava por Dercília, uma dona de casa de Goiânia. “E falava com uma voz muito estranha: 'Ela é minha. Eu queria era a filha dela, mas não foi possível. Então ela é minha. Ela foi consagrada pra mim, ela foi consagrada pra mim'”, conta o marido de Dercília.
A filha, que seria o verdadeiro alvo do demônio, assiste à entrevista da mãe. “'Mãe! A voz diferente, no corpo dela, falava: não sou sua mãe. Não encosta em mim'”, conta a filha Luciana Guedes da Silva.
Fantástico: Quantos episódios desses você testemunhou?
Luciana: Quando criança, vários. Muitos. Eu não tenho contas, não. Mas foram muitos quando criança.
Fantástico: Dez? Vinte?
Luciana: Uns vinte, talvez.
Fantástico: Você lembra de quê?
Dercília Maria Guedes: Eu lembro só quando eles começavam a oração e ia me dando um mal estar, uma coisa ruim, assim, aí eu não lembro mais nada. Aí, no outro dia, quando eu chegava em casa, eu estava toda machucada, todinha. Boca, braço, tudo. Aí que eles me contavam.

O Padre Vanilson resolveu o caso em um único dia.
Fantástico: Isso de fato não aconteceu mais?
Eurípedes: Em novembro, fez um ano e um mês que acabou tudo.
Fantástico: Desde aquela vez, nunca mais aconteceu nada?
Eurípedes: Nunca mais aconteceu nada.

Eurípedes vai até o quarto para mostrar o kit exorcismo que montou por precaução. “É o sal exorcizado. Esse aqui é o azeite, também exorcizado”, disse Eurípedes.
E água benta, para borrifar na casa inteira.
Ronaldo Pilati, da Sociedade Brasileira de Psicologia, diz que a ciência explica o comportamento das pessoas supostamente possessas. “Na literatura de psicologia clínica, por exemplo, o que as pessoas muitas vezes atribuem a possessões são distúrbios dissociativos e distúrbios psicóticos que são muito frequentemente confundidos com possessões”, destaca.
“Os psiquiatras e psicólogos, e não só os psiquiatras e psicólogos, até mesmo certos sacerdotes que criticam veementemente o exorcismo, é porque nunca estiveram presente numa sessão de exorcismo”, avalia Padre Lauro.

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