Há algum tempo atrás, falei sobre um caso real de vampirismo que deu origem a uma série de lendas, a Bloody Mary. Sabiam que tivemos um caso bastante parecido aqui mesmo no Brasil?
A história que lhes trago aconteceu no Rio de Janeiro, num passado
recente. Nossa protagonista nasceu em Portugal e, aos 18 anos, veio para
o Brasil, acompanhada pelo marido, lá pelos idos de 1788.
A Bárbara era uma mulher muito bonita e chamava a atenção de todos que a
fitavam. Um deles, em especial, um mulato, cujo nome se perdeu nos
ventos da história, acabou roubando seu coração e iniciando uma relação
de adultério.
Há quem diga que ela se cansou do marido. Outros, ainda, que ela foi
pega no flagra. O fato é que o seu esposo sucumbiu a golpes de faca da
nossa bela portuguesa, que conseguiu se livrar do crime e passou a viver
com seu amante.
Seria uma vida relativamente confortável com os espólios do antigo
matrimônio, se o tal mulato não passasse a explorar financeiramente a
Bárbara. Aos poucos, o patrimônio foi se dilapidando até que, numa
briga, que já era costumeira, a portuguesa lançou à mão algo que lhe já
era familiar e a faca ceifou outra vida.
Marcada pelos crimes e já sem dinheiro ou esperança de iniciar nova
relação com quem lhe sustentasse, Bárbara resolveu usar sua melhor arma
para sobreviver. Não... Não estou falando da faca e sim da beleza.
Num lugar chamado Arco do Telles que, num passado ainda mais remoto,
havia sido uma galeria com lojas de todos os tipos e passagem de gente
de bem, mas se tornou um antro de prostituição após um incêndio, fez
ponto a nossa portuguesa, agora sob a alcunha de Bárbara dos Prazeres.
Um codinome dúbio, que fazia referência à sua nova profissão e, também,
pelo fato de se posicionar nas proximidades onde antes havia uma imagem
da Nossa Senhora dos Prazeres, devidamente removida pelos fiéis quando o
local tomou os rumos da devassidão.
E, nesse local, Bárbara dos Prazeres fez a sua vida por quase 20 anos.
Sua fama de boa profissional suplantou a de viúva negra e ela conseguiu
se manter com certa dignidade, se isso é possível dentro do meretrício,
por um tempo considerável.
Mas o problema, que acomete todas as mulheres que dependem da beleza,
foram as marcas do tempo. Com quase 40 anos, viu sua clientela sumir
lentamente à medida que as rugas esculpiam seu rosto. Tomada por
desespero, passou a frequentar todo o tipo de casa de feitiçaria em
busca de uma poção que a rejuvenescesse. Alguns dizem que uma bruxa
velha e inconsequente lhe ensinou o segredo vindo de um dos tomos mais
proibidos. Outros, ainda, que ela fez um pacto com o próprio Demo. O
fato é que ela aprendeu uma forma de recuperar a juventude há muito
perdida. Dentre outros ingredientes básicos, como ervas e fluidos
naturais, havia um tão macabro e repugnante, que faria qualquer um
desistir da contenda. Sangue fresco de crianças.
Movida pelo desespero, Bárbara dos Prazeres não titubeou e passou a
sequestrar pequenos infantes, que pouca faltam fariam à sociedade.
Meninos de rua, filhos de escravos ou mendigos eram sua presa principal.
Atraídos por promessas de doces ou pequenos brinquedos, caíam na faca,
há tempos aposentada, da agora feiticeira, lusitana.
As ervas eram ingeridas pelas crianças sob a ameaça da faca e, depois
de entorpecidas, eram penduradas de ponta cabeça e sangradas, até a
morte. O conteúdo vertido pelas veias era recolhido num balde, que
serviria de material para um banho ritualístico de rejuvenescimento.
Se funcionava? Para efeitos da história, vamos dizer que sim. Ou assim
ela acreditava, pois repetiu o ritual um sem número de vezes, até que o
desaparecimento das crianças se tornou evidente e os corpos começaram a
aparecer. Quando os filhos dos esquecíveis se tornaram raros, a bruxa
Bárbara passou a sequestrar crianças de um nível acima e a coisa tomou
rumos já previsíveis. Investigações policiais, medo e pavor daqueles que
presavam por suas crias, relatos nos jornais. Todos temendo novos
desaparecimentos e especulando sobre o real assassino. No entanto, a
imaginação humana sempre tenta buscar um culpado do sexo masculino,
deixando Bárbara livre de suspeitas por um bom tempo.
Já fazia um bom tempo que a bruxa não encontrava seu ingrediente
principal, pois ele se tonou raro nas ruas. Mães trancavam seus filhos
em casa e até os meninos do mundo passaram a andar em bando com medo de
se tornarem a próxima vitima.
Restou à Bárbara dos Prazeres uma opção, a "Roda dos Inocentes"! Na
Santa Casa da cidade, havia uma espécie de bandeja giratória num dos
muros, onde mães sem condições de criar seus recém-nascidos, os
abandonavam, na esperança deles serem acolhidos e levados para um
orfanato. As enfermeiras, ao ouvirem o choro das crianças, giravam a
roda e tratavam do assunto.
Bárbara passou a frequentar o local e surrupiar os bebês antes que
fossem recolhidos. E assim, ela passou a manter seu ritual de beleza por
mais um tempo sem que ninguém a descobrisse, pois o descarte dos corpos
era mais fácil devido ao tamanho reduzido.
Como ela foi descoberta é motivo de discussão. Alguns acreditam que, num
momento de bebedeira, a bruxa contou, se gabando, seus feitos para uma
meretriz qualquer, que, prontamente, horrorizada, acionou as
autoridades. Outros dizem que, em um dos seus assaltos costumeiros, seu
braço ficou preso na Roda dos Inocentes, quando a enfermeira girava em
momento oportuno e suas maledicências contra a profissional, a
denunciaram.
O fato é que a bruxa Bárbara dos Prazeres tornou-se a meliante mais
procurada da cidade. Nessa altura, com quase 60 anos, fugida e
devidamente escondida sabe-se lá o diabo onde, nunca foi encontrada. Em
1830, o corpo de uma mulher apareceu boiando próximo ao Lago do Paço.
Apesar do rosto estar irreconhecível, as descrições batiam com a
feiticeira, mas nada foi comprovado.
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