Algumas pessoas talvez se espantem com o fato de a tradição dos manuscritos do Antigo e Novo Testamentos resistir a um exame rigoroso. Há uma crença largamente difundida de que grande parte da Bíblia foi escrita vários séculos após os eventos ali registrados e que muitos deles foram alterados e manipulados para atender aos interesses de diferentes escribas ou facções.
A amplitude e a antiguidade dos manuscritos existentes apresentam uma história bem diferente. Mesmo assim, muitos argumentam que o fato dos manuscritos serem confiáveis não determina que o conteúdo também seja. Naturalmente ninguém contesta a historicidade da mitologia de Homero. Os manuscritos de seus textos podem estar razoavelmente intactos, mas isso não torna o conteúdo de seus escritos confiável nem garante sua historicidade.
Isto não acontece também com os evangelhos?
Não seriam apenas fatos mitológicos, com valores morais verdadeiros, mas sem consistência histórica?
Certamente os relatos envolvendo pessoas andando sobre as águas e água transformando-se em vinho não devem ser considerados historicamente verdadeiros. Afinal, são apenas mitos, ou não são?
Todas estas perguntas são muito importantes. De fato, o cristão não deve esperar que o não cristão aceite o conteúdo do texto bíblico como verdade simplesmente porque ficou provado que os manuscritos são confiáveis. Existem muitas dúvidas envolvidas aqui.
A primeira questão tem a ver com a maneira como lidamos com o sobrenatural. Podemos dizer que nossa sociedade pós-moderna é muito mais aberta à possibilidade de um reino sobrenatural do que as gerações passadas, com sua cosmovisão modernista decorrente do Iluminismo. Contudo, muitos ainda estão céticos a respeito destas coisas, e precisamos lidar com as razões deste ceticismo.
Ceticismo sobre o mundo sobrenatural.
Uma possível razão para a descrença em relação ao conteúdo dos evangelhos e do restante da Bíblia pode ser encontrada no registro que ela faz de eventos miraculosos. Qual seria a causa desta incredulidade? Na concepção de mundo de algumas pessoas os milagres seriam uma impossibilidade lógica. Estes indivíduos teriam fechado suas mentes para a possibilidade de milagres e ocorrências sobrenaturais, acreditando apenas naquilo que pode ser visto e cientificamente comprovado. Esse ceticismo se baseia nas idéias do filósofo David Hume (1711-1776). Ele argumentou que todos os objetos da investigação humana são ou “relações de idéias” (isto é, declarações e definições matemáticas) ou “trivialidades” (isto é, tudo que pode ser conhecido e testado empiricaMente). Hume escreveu:
Quando examinamos. uma biblioteca convencidos destes princípios, podemos fazer uma destruição. Ao pegarmos qualquer volume — de teologia ou metafísica, por exemplo — devemos perguntar: ele contém algum raciocínio abstrato relacionado à quantidade ou números? Não. Ele contém algum raciocínio experimental relacionado aos fatos triviais e à existência? Não. Submeta-o então às chamas, pois ele nada contém a não ser sofisma e ilusão.’
Entretanto existem sérios problemas com esta posição. O principal é que a filosofia de Hume falha em seu próprio teste, porque sua própria declaração não se adapta a nenhuma de suas categorias. Norman Geisler faz o seguinte comentário:
A declaração de que “apenas afirmações analíticas ou empíricas são significativas” não é em si mesma, uma declaração analítica (verdadeira por definição) ou empírica. Desta forma, é uma declaração sem sentido, de acordo com seu próprio critério.
C. S. Lewis lida com este tipo de abordagem materialista com sua lucidez costumeira, mostrando que um compromisso dogmático com essa filosofia é por si só problemático: Conclui-se que nenhuma explicação do universo pode ser verdadeira, a não ser que a explicação permita que seja aceitável imaginar que se trata de uma percepção real. Uma teoria que explica tudo que acontece no universo, mas não deixa a possibilidade de acreditar na validade de nosso raciocínio estaria completamente em desacordo. Pois seria possível chegar a esta teoria através do raciocínio Assim, um materialismo rigoroso refuta a si mesmo pelas razões apresentadas tempos atrás pelo Professor Haldane:
“Se meus processos mentais são determinados apenas pelo deslocamento dos átomos em meu cérebro, não tenho motivo para supor que minhas crenças sejam verdadeiras […] e assim não tenho motivo para supor que meu cérebro seja composto de átomos”?
Materialismo: Conteúdo… sem conteúdo.
Este apego exagerado a uma visão de mundo totalmente materialista e à impossibilidade de intervenções miraculosas vindas de fora é problemático. Para o materialista, o próprio raciocínio torna-se um processo desvinculado da apreciação que conduz ao significado. A motivação para negar a possível existência de um reino sobrenatural muitas vezes é bastante forte, a ponto de demonstrar preconceito. Um escritor que aderiu ao ponto de vista materialista analisa esse fenômeno:
Não são os métodos e instituições da ciência que nos impelem a aceitar uma explicação material para o mundo objetivo. Ao contrário, nosso apego a causas materiais nos impele a criar um aparato de investigação e um conjunto de conceitos capazes de produzir explicações materiais, mesmo que esses conceitos pareçam um contrasenso ou possam confundir os inexperientes. Além disso, esse materialismo é um absoluto, pois não podemos permitir qualquer possibilidade de interferência divina.
O apego a uma cosmovisão modernista, segundo a qual nada existe além de um mundo que só pode ser analisado empiricamente, implica uma visão através de lentes materialistas (embora essas lentes não sejam reconhecidas nem passem em seu próprio teste). Este tipo de compromisso a priori à falsidade dos evangelhos e à impossibilidade de qualquer ocorrência miraculosa é uma forma de intransigência. A base para esse ponto de vista — a filosofia materialista — não é logicamente consistente e merece ser contestada. Os materialistas precisam ser encorajados a, pelo menos, considerar a possibilidade do sobrenatural, mesmo que permaneçam extremamente céticos. Manter-se fechado a essa possibilidade é afirmar um conhecimento absoluto do universo, que surpreendentemente é uma prerrogativa “divina”.
A amplitude e a antiguidade dos manuscritos existentes apresentam uma história bem diferente. Mesmo assim, muitos argumentam que o fato dos manuscritos serem confiáveis não determina que o conteúdo também seja. Naturalmente ninguém contesta a historicidade da mitologia de Homero. Os manuscritos de seus textos podem estar razoavelmente intactos, mas isso não torna o conteúdo de seus escritos confiável nem garante sua historicidade.
Isto não acontece também com os evangelhos?
Não seriam apenas fatos mitológicos, com valores morais verdadeiros, mas sem consistência histórica?
Certamente os relatos envolvendo pessoas andando sobre as águas e água transformando-se em vinho não devem ser considerados historicamente verdadeiros. Afinal, são apenas mitos, ou não são?
Todas estas perguntas são muito importantes. De fato, o cristão não deve esperar que o não cristão aceite o conteúdo do texto bíblico como verdade simplesmente porque ficou provado que os manuscritos são confiáveis. Existem muitas dúvidas envolvidas aqui.
A primeira questão tem a ver com a maneira como lidamos com o sobrenatural. Podemos dizer que nossa sociedade pós-moderna é muito mais aberta à possibilidade de um reino sobrenatural do que as gerações passadas, com sua cosmovisão modernista decorrente do Iluminismo. Contudo, muitos ainda estão céticos a respeito destas coisas, e precisamos lidar com as razões deste ceticismo.
Ceticismo sobre o mundo sobrenatural.
Uma possível razão para a descrença em relação ao conteúdo dos evangelhos e do restante da Bíblia pode ser encontrada no registro que ela faz de eventos miraculosos. Qual seria a causa desta incredulidade? Na concepção de mundo de algumas pessoas os milagres seriam uma impossibilidade lógica. Estes indivíduos teriam fechado suas mentes para a possibilidade de milagres e ocorrências sobrenaturais, acreditando apenas naquilo que pode ser visto e cientificamente comprovado. Esse ceticismo se baseia nas idéias do filósofo David Hume (1711-1776). Ele argumentou que todos os objetos da investigação humana são ou “relações de idéias” (isto é, declarações e definições matemáticas) ou “trivialidades” (isto é, tudo que pode ser conhecido e testado empiricaMente). Hume escreveu:
Quando examinamos. uma biblioteca convencidos destes princípios, podemos fazer uma destruição. Ao pegarmos qualquer volume — de teologia ou metafísica, por exemplo — devemos perguntar: ele contém algum raciocínio abstrato relacionado à quantidade ou números? Não. Ele contém algum raciocínio experimental relacionado aos fatos triviais e à existência? Não. Submeta-o então às chamas, pois ele nada contém a não ser sofisma e ilusão.’
Entretanto existem sérios problemas com esta posição. O principal é que a filosofia de Hume falha em seu próprio teste, porque sua própria declaração não se adapta a nenhuma de suas categorias. Norman Geisler faz o seguinte comentário:
A declaração de que “apenas afirmações analíticas ou empíricas são significativas” não é em si mesma, uma declaração analítica (verdadeira por definição) ou empírica. Desta forma, é uma declaração sem sentido, de acordo com seu próprio critério.
C. S. Lewis lida com este tipo de abordagem materialista com sua lucidez costumeira, mostrando que um compromisso dogmático com essa filosofia é por si só problemático: Conclui-se que nenhuma explicação do universo pode ser verdadeira, a não ser que a explicação permita que seja aceitável imaginar que se trata de uma percepção real. Uma teoria que explica tudo que acontece no universo, mas não deixa a possibilidade de acreditar na validade de nosso raciocínio estaria completamente em desacordo. Pois seria possível chegar a esta teoria através do raciocínio Assim, um materialismo rigoroso refuta a si mesmo pelas razões apresentadas tempos atrás pelo Professor Haldane:
“Se meus processos mentais são determinados apenas pelo deslocamento dos átomos em meu cérebro, não tenho motivo para supor que minhas crenças sejam verdadeiras […] e assim não tenho motivo para supor que meu cérebro seja composto de átomos”?
Materialismo: Conteúdo… sem conteúdo.
Este apego exagerado a uma visão de mundo totalmente materialista e à impossibilidade de intervenções miraculosas vindas de fora é problemático. Para o materialista, o próprio raciocínio torna-se um processo desvinculado da apreciação que conduz ao significado. A motivação para negar a possível existência de um reino sobrenatural muitas vezes é bastante forte, a ponto de demonstrar preconceito. Um escritor que aderiu ao ponto de vista materialista analisa esse fenômeno:
Não são os métodos e instituições da ciência que nos impelem a aceitar uma explicação material para o mundo objetivo. Ao contrário, nosso apego a causas materiais nos impele a criar um aparato de investigação e um conjunto de conceitos capazes de produzir explicações materiais, mesmo que esses conceitos pareçam um contrasenso ou possam confundir os inexperientes. Além disso, esse materialismo é um absoluto, pois não podemos permitir qualquer possibilidade de interferência divina.
O apego a uma cosmovisão modernista, segundo a qual nada existe além de um mundo que só pode ser analisado empiricamente, implica uma visão através de lentes materialistas (embora essas lentes não sejam reconhecidas nem passem em seu próprio teste). Este tipo de compromisso a priori à falsidade dos evangelhos e à impossibilidade de qualquer ocorrência miraculosa é uma forma de intransigência. A base para esse ponto de vista — a filosofia materialista — não é logicamente consistente e merece ser contestada. Os materialistas precisam ser encorajados a, pelo menos, considerar a possibilidade do sobrenatural, mesmo que permaneçam extremamente céticos. Manter-se fechado a essa possibilidade é afirmar um conhecimento absoluto do universo, que surpreendentemente é uma prerrogativa “divina”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário