sábado, 4 de junho de 2016

exorcismo

Se a ignorância é felicidade, os caçadores de demônios devem estar no nirvana.

Exorcismo é um ritual religioso para expulsar Satanás ou maus espíritos de uma pessoa, lugar ou objeto possuído. Na antiguidade, diversas culturas tinham rituais como esses. Hoje em dia, a Igreja Católica Romana ainda acredita em possessões diabólicas e seus sacerdotes ainda praticam o que é chamado de "exorcismo real", um ritual de 27 páginas que envolve o uso de água-benta, encantamentos e diversas preces, incensos, relíquias ou símbolos cristãos como a cruz, a fim de expulsar os espíritos malignos. A Igreja Católica tem atualmente pelo menos dez exorcistas oficiais nos EUA (Cuneo). O arcebispo de Calcutá, Henry Sebastian D´Souza, afirma ter ordenado a um padre que executasse o exorcismo em Madre Teresa pouco antes que ela morresse em 1997, por achar que ela estaria sendo atacada pelo diabo.

A maioria das seitas protestantes também acredita em possessões satânicas e em exorcismo. Michael Cuneo, sociólogo da Universidade Fordham, afirma que "segundo estimativas conservadoras, há pelo menos quinhentas ou seiscentas igrejas evangélicas exorcistas em operação, e é bem possível que o número seja duas ou três vezes maior". O Reverendo Brian Connor, da Carolina do Sul, diz que "lidar com o mal encarnado é isoladamente o componente mais negligenciado dos mandamentos bíblicos". * Connor apareceu no programa "Dateline" da NBC sobre exorcismo (13 de novembro de 2001). Ele e vários colegas passaram um dia inteiro tentando convencer os demônios a sair do corpo de um homem na casa dos cinqüenta anos, que tinha histórico de depressão e desânimo. Os exorcistas empunhavam Bíblias, que liam ocasionalmente, e cruzes. Agruparam-se em torno de seu paciente por horas, entoando preces e ordenando aos demônios que saíssem. O sujeito ocasionalmente uivava como um animal e fazia caretas para seus protetores. Isso teve carga dramática e até catártica suficiente para que ele vomitasse um pouco. Connor declarou que ele estaria cuspindo Satanás, e que todos os demônios haviam saído. No entanto, um acompanhamento feito dois meses mais tarde descobriu que o grupo teve de repetir o exercício outras seis vezes. Agora tinham certeza de que os demônios haviam partido e de que ele estava bem e era um novo homem.

Michael Cuneo assistiu a uma filmagem do exorcismo e concluiu que o grupo estava sugerindo ao paciente como deveria reagir, e não viu nenhum indício de possessão demoníaca ou de demônios sendo exorcizados. O mesmo filme foi mostrado a um psiquiatra, que disse não poder avaliar o que havia observado como profissional, mas como "crente" achou que poderia haver algo de real relacionado a possessão. Quando perguntaram em que ele basearia essa crença, respondeu sem rodeios: fé. Esse homem era membro do Comitê sobre Religião e Psiquiatria da Associação Psiquiátrica Americana.

Como leigo, achei o comportamento dos exorcistas no mínimo tão interessante quanto o do paciente. Acreditar em demônios é uma coisa. Acreditar que se tem a capacidade de invocar um ser sobrenatural de poder e perfeição infinita para fazer com que demônios se mudem ao seu comando parece coisa de doente mental. O grupo inteiro de exorcistas e o exorcizado estão iludidos. Os primeiros claramente sentiram grande orgulho de sua conquista e compartilharam uma vitória gloriosa sobre Satanás. O último foi mimado e acalentado, abraçado e amado, e finalmente abençoado e recompensado com os bons sentimentos das pessoas que cuidavam dele quando livrou-se de Satanás e disse "Jesus é o Senhor". Não parece haver nada de muito complicado no que aconteceu. O grupo convenceu o sujeito de que ele estava possuído. Deram-lhe pistas de como se comportar e recompensaram a ele e a si próprios quando o exorcizado deixou que o demônio saísse. Reforço comunitário e auto-engano podem ajudar muito a explicar como o grupo passou a acreditar que podia exorcizar demônios. Os exorcistas claramente gostam de seu trabalho e têm grande satisfação em "auxiliar" pessoas dessa forma poderosa. Tenho certeza de que muitos evangélicos que viram o programa estão curiosos para saber onde podem se inscrever para ser ajudantes de exorcista.

exorcismos tradicionais

É possível fazer exorcismos em lugares ou objetos inanimados, assim como em pessoas. Esses não precisam ser "exorcismos reais", mas podem ser "exorcismos simples" (geralmente conhecidos como o batismo de uma criança ou a "benzedura" de uma casa ou lugar). Parece que Satanás está em toda parte, mas o especialista em exorcismos reais só é necessário quando O Maligno começa a aprontar.

A maioria, senão todos os casos de suposta possessão demoníaca de seres humanos provavelmente consiste ou de pessoas com distúrbios cerebrais, que vão de epilepsia a esquizofrenia e síndrome de Tourette, ou de pessoas cujos cérebros são mais ou menos saudáveis, mas que têm a má sorte de serem induzidas a representar um papel social de conseqüências bem desagradáveis. Em qualquer dos casos, os comportamentos dos possuídos lembra muito os das pessoas que têm distúrbios eletroquímicos, neuroquímicos ou outros de ordem física ou emocional.

Uma versão secularizada de exorcismo é praticada por alguns terapeutas que se especializam em revelar e livrar seus clientes de "entidades" que, segundo crêem, são a causa dos problemas dos pacientes. Os terapeutas de livramento de entidades dedicam-se a esse trabalho, embora haja tantas evidências da existência das "entidades" como há dos demônios exorcizados pelos padres católicos e evangélicos protestantes. Muitas pessoas, no entanto, têm grande resistência à idéia de que a possessão demoníaca seja um mito, especialmente por terem visto ou lido obras de ficção como O Exorcista ou A Cidade do Horror. Não conseguem imaginar como aquilo poderia ser invenção. Assim mesmo, parece ser preciso muito mais imaginação para que alguém acredite em histórias como essas.

Muitas pessoas têm medo da possessão por demônios, mas os próprios exorcistas podem fazer grandes estragos

    O exorcismo provocou várias tragédias no mundo real ao longo dos anos, inclusive diversas mortes.

    Pastores pentecostais de San Francisco surraram uma mulher até a morte em 1995, tentando expulsar demônios.

    Em 1997, uma cristã coreana foi pisoteada até a morte em Glendale, Califórnia. E na área do Bronx, na cidade de Nova York, uma garota de 5 anos morreu após ser forçada a ingerir um preparado contendo amônia e vinagre e ter a boca fechada com fita adesiva.

    Em 1998, uma garota de 17 anos de Sayville, estado de Nova York, foi sufocada com um saco plástico pela mãe, que tentava destruir um demônio dentro da filha. *

    Em 2001, Joanna Lee, uma mulher de 37 anos, foi estrangulada até a morte num exorcismo praticado por um pastor de uma igreja coreana que trabalhava na Nova Zelândia. Luke Lee, o pastor, foi condenado por homicídio.

Um programa da MSNBC sobre exorcistas, apresentando os evangélicos Tom Brown e Bob Larson, advertia os espectadores a não tentar fazer aquilo em casa porque poderiam acabar presos como conseqüência de exorcismos catastróficos como os citados acima. O jogo dos evangélicos é reunir grupos de pessoas problemáticas e procurar pelos demônios que causam os problemas para que possam exorcizá-los. Brown e Larson nunca mataram ninguém, até onde sabemos, mas se ajudam ou prejudicam pessoas não foi possível descobrir através do programa, já que os "repórteres" não fizeram nenhuma verificação do passado ou acompanhamentos posteriores nas pessoas exorcizadas.

A única arma dos exorcistas é uma Bíblia, que é segura em uma das mãos enquanto falam com o diabo em cenas bem dramáticas, dignas de um Jerry Springer ou um Jenny Jones [N.T.: Apresentadores de programas de TV nos EUA em que se explora a baixaria. Equivalentes ao Ratinho no Brasil]. Os "possuídos" poderiam ser doentes mentais, atores, atores doentes mentais, viciados em drogas, ou poderiam estar possuídos, como alegam os exorcistas. Todos os participantes apresentados parecem ter assistido ao filme O Exorcista ou uma de suas continuações. Todos se incorporaram o papel do Satanás da voz rouca, falando das profundezas, que foi mostrado no filme. As semelhanças de fala e comportamento dos "possuídos" levou alguns psicólogos como Nicholas Spanos a concluir que tanto o "exorcista" como o "possuído" estão representando papéis.

O que desaponta no programa da MSNBC é que não houve qualquer esforço para se conseguir a opinião de qualquer pessoa sobre o que estava acontecendo, a não ser a dos teleevangelistas e seus pacientes. Um jornalista sério não procuraria uma terceira opinião? Por que deveríamos acreditar na palavra de partes interessadas como Brown e Larson de que seus pacientes realmente estavam possuídos e de que realmente eliminaram Satanás de todos aqueles corpos? Esses exorcistas evangélicos poderiam estar se iludindo e cometendo a predisposição para a confirmação. Mesmo se suas intenções forem boas é mais provável que estejam iludidos e certamente prejudicando aos que exorcizam e que deveriam estar sob cuidados psiquiátricos.

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