sábado, 2 de julho de 2011

Portugal: Ainda há histórias de casas assombradas


A magnífica casa das pedras tem alimentado a imaginação popular


De norte a sul do país, e agora também pela internet, os mitos sobre fantasmas continuam a alimentar a imaginação popular.

Portugal está assombrado e não é pela entrada do FMI, pelo menos a avaliar pelas histórias de "eventos estranhos" que povoam a internet, referindo-se a antigas casas de Norte a Sul do País.
Alguns relatos são capazes de provocar pele de galinha, outros são apenas dignos de um rol de gargalhadas, mas dão que fazer a muitos, que chegam a organizar excursões (vulgo ‘investigações’) para atestar a veracidade dos ‘factos’.
Mas afinal, que outra coisa seria de esperar de um País rico em história, mitos, lendas e um povo que será sempre romântico inveterado?
O mais popular desses mitos urbanos será talvez aquele que versa sobre a Casa das Pedras, um palácio de traçado medieval debruçado sobre o mar, na Parede, concelho de Cascais.
Diz-se – em conversas ao serão, na escola, em fóruns e blogues – que se passam "coisas estranhas" na mansão.
Que por lá se vêem espectros de vultos, luzes acesas à noite, janelas a bater. Que ninguém a quer comprar, pois está assombrada. E já se sabe que a história, quando contada, corre de boca em boca com perna longa e rédea solta.
Às histórias, Fernanda Benedita Azevedo Gomes, actual proprietária e residente da Casa das Pedras, ali nascida e criada há 91 anos, bem viva de alma e coração e sem qualquer memória de assombrações por aquelas bandas, encolhe os ombros, esperando talvez que da próxima vez que assomar à janela, seja dia solarengo ou noite nebulosa, não a confundam com um fantasma...
Magra, alta, de longos cabelos brancos e olhos azuis pousados no mar, Fernanda lembra a história da casa de veraneio da família, mandada construir em 1903 pelo avô, o capitão-de-fragata Manuel de Azevedo Gomes.
"O meu avô, que tinha nascido no Pico (Açores) e era da Marinha, era um homem totalmente apaixonado pelo mar, de tal forma que mandou construir esta casa com pedras, seixos e rochas da costa aqui mesmo à frente. Era como se ele quisesse trazer o mar para dentro de casa", recorda com a mão pousada na porta de vitral.

FORÇAS NATURAIS

Para cumprir o desejo do capitão, o arquitecto italiano Nicola Bigaglia desenhou-a com um corpo arredondado que desembocava no mar (na altura não existia a avenida Marginal), com ameias e merlões, como os antigos castelos medievais, escondendo um frondoso e imenso jardim de Inverno nas traseiras, agora praticamente votado ao abandono.
Na casa de veraneio, recolheram-se na velhice várias gerações da família Azevedo Gomes, como a avó de Fernanda, D. Alice Hensler, que ali viveu quase até aos 100 anos, ou o seu pai, Mário de Azevedo Gomes, o que porventura explica o facto das gentes da Parede pouco conhecerem dos seus habitantes.
Fernanda sabe que a vizinhança acredita que a casa está assombrada. "São histórias...", suspira a anciã, encolhendo os ombros, enquanto o cão – Calçada de seu nome – abana a cauda a seus pés, ladrando bem alto a vivos e mortos.
"Por aqui nunca vi nada de assombrado, nunca aconteceram coisas estranhas. Na família, todos adoramos esta casa, cujos únicos problemas que enfrentou foram tremores de terra e tempestades vindas do mar que chegavam a arrancar as árvores do jardim.
Quem não gosta nada de ouvir falar dessas coisas é o meu irmão", referindo-se a João Paulo, também nonagenário, com quem partilha agora a enorme mansão com mais de uma dezena de assoalhadas, onde faltam apenas os netos e os filhos que nunca teve para as encher.
Majestosa e misteriosa, a Casa das Pedras está desde 1997 classificada como património arquitectónico de nível 1.

EXOTISMO E PRECONCEITO

Não muito longe dali, em São João do Estoril, ergue-se outra das mais singulares construções da linha de Cascais, conhecida como o ‘Castelinho’, e ao qual foram atribuídas outras tantas histórias de arrepiar.
José Castelo Branco terá tentado comprar a casa, mas desistiu depois de ter tido uma visão de uma menina à beira do precipício que quase impeliu o marchand a saltar. Também a família de Lili Caneças se interessou pela aquisição, mas desistiu depois de ouvir os boatos.
A figura do jet-set dá voz aos ditos populares: "Dizia-se que aparecia o fantasma de uma menina. A verdade é que a casa é lindíssima e hoje teria insistido para que a minha família a tivesse adquirido", garante.
Segundo a Câmara Municipal de Cascais, a fama de assombrada pode provir do contágio de um drama ocorrido numa moradia a 260 metros a poente, junto ao mar, onde um casal que aí morava ou, pelo menos, no Verão lá passava férias, perdeu uma filha cega que caiu das arribas.
Em memória à filha, ofereceram a moradia à Santa Casa da Misericórdia, que a usou como instituição de apoio a cegos até há cerca de 10 anos. Mas dos actuais habitantes do ‘Castelinho’ não há queixas de fantasmas nem assombrações.
O sociólogo e etnólogo Moisés Espírito Santo tem explicação para os boatos ligados ao sobrenatural que correm de boca em boca e acabam por ganhar proporções "enormes", mesmo que atentem contra todas as razões da lógica.
"A originalidade das construções, aliada ao exotismo das pessoas que nelas habitam, acabam por induzir este tipo de sentimento, que se aproveita do medo, dos preconceitos e do desconhecimento da realidade", justifica.
Opinião semelhante é partilhada pelo padre António Fontes, responsável pelo Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes, ele próprio residente numa casa assombrada. "É tudo fruto do analfabetismo, do obscurantismo e da ignorância. Os espíritos não se manifestam nas casas. Da minha casa diziam o mesmo. Agora que a comprei e transformei num hotel, dizem que os fantasmas "foram-se embora porque o padre benzeu aquilo". Eu e os hóspedes nunca nos queixámos... pelo contrário, já demos boas gargalhadas à conta das histórias", conta o padre.

FANTASMAS NA INTERNET

Desengane-se também quem pensa que estes mitos são próprios de lugares pequenos. No centro de Lisboa, na rua Barata Salgueiro, há quem jure a pés juntos que bem ali no número 21, paredes-meias com o hotel Tivoli e a Cinemateca Portuguesa, há uma casa assombrada. Pelo menos é isso que se lê no fórum da internet Portugal Paranormal 
Com centenas de seguidores, abundam nas mensagens com referências a casas assombradas, de Norte a Sul do País.
Por lá encontram-se fotos do interior da casa da Barata Salgueiro – cujo interior foi alvo de umas das tais investigações dos membros do fórum – onde o autor até demonstra a sua assombrada tese com um clarão na imagem que justifica como sendo um orbe (espírito), além de referir "a diferença de temperaturas nos corredores" e os "ruídos estranhos".
Outro forista, que trabalha nas imediações, acrescenta os barulhos e a visão de vultos à noite, avistados do seu posto de trabalho.
Quem não quer ouvir nem falar de tal coisa é a Junta de Freguesia do Coração de Jesus, embora a sua tesoureira, Maria Alice Morgadinho – depois de uma gorda gargalhada –, lá acabe por confessar que "mesmo assombrado" não se importariam de ficar com o edifício para lá instalar o centro de saúde da zona, que "está em risco de fechar por falta de espaço".
O prédio, devoluto, pertence a uma entidade bancária e tem já delineado projecto de recuperação.

QUERIDOS FANTASMAS

Se a uns as histórias de casas assombradas provocam insónias, a outros os fantasmas fazem parte da família.
A escritora Ana Maria Magalhães não tem peias em lembrar que "as casas antigas da família estão povoadas de fantasmas".
Como aquela casa ali para os lados de Salvaterra de Magos, assombrada pelo velho avô Ramalho. "Reuníamo-nos lá muitas vezes e pelos vistos o avô Ramalho não gostava de noitadas, porque lá para as quatro da manhã as luzes começavam a apagar-se. Inicialmente pensava-se que seria uma qualquer falha de energia... até ao dia em que vimos o interruptor a mexer sozinho. Até houve quem quisesse saltar pela janela, apavorado", lembra a escritora com um sorriso.
Embora não goste de se alongar sobre o tema, também a actriz Maria do Céu Guerra recorda com ternura a infância vivida numa casa assombrada: "Já foi há muitos anos. Mas precisamente por ter sido uma experiência vivida na infância foi algo fantástico e que nada teve de aterrador. Mas fantasmas há por aí muitos, e até assombram certos ministérios...", remata com mais ironia do que mistério.

SINTRA: A VILA PREFERIDA DOS FANTASMAS

O peso histórico, a paisagem natural e até o clima melancólico tornam Sintra local para lendas e efabulações populares.
A lendas como a de Zaida, que aparece no meio da serra à noite tentando salvar o seu amor, ou da bela moura assassinada do Palácio Nacional de Sintra, juntam-se histórias de rituais de magia e maçonaria para adensar superstições.
Há alguns anos, o vídeo de um jovem aspirante a realizador tornou-se um dos mais vistos do YouTube por contar a história do ‘fantasma de Sintra’, com três adolescentes como protagonistas e ao jeito de ‘Blair Witch Project’.
Desde então, a estrada que liga a vila ao Convento dos Capuchos passou a meter medo ao susto, dizendo-se que há casas que desaparecem à frente dos mais atentos.
No Banzão (Colares), fala-se de uma casa assombrada, embora o presidente da Junta desconheça tal situação.
Rui Santos jura a pés juntos que "a existirem por ali fantasmas" só poderiam ser a condessa de Compa e o mouro Zeilão, aos quais a lenda atribui o nome do lugar.

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