sábado, 14 de março de 2015

A Guerra nos Céus e os Anjos Caídos

Segundo as escrituras de antigas tradições judaicas e cristãs, existe um momento na história do universo em que acontece uma guerra nos céus, travada por dois grupos opostos de anjos. O primeiro grupo é liderado pelo Arcanjo Miguel e o segundo grupo pelo Dragão, também identificado como sendo o Diabo ou Satanás. No fim da disputa, o último grupo é derrotado e seu líder lançado à Terra.

Entender o significado da batalha entre as potestades da Luz e das Trevas é importante para a compreensão do que as religiões abraâmicas e as correntes espiritualistas delas derivadas propõem para a alma humana. Esta proposta parte do princípio de que o mundo em que vivemos é a arena de uma batalha de proporções divinas, onde a alma humana é a recompensa principal do vencedor.
No entanto, existem muitas formas diferentes de interpretar a Guerra nos Céus e a Queda dos Anjos, não sendo a interpretação literal a única possível. Há uma simbologia muito interessante velada sob as figuras angélicas beligerantes.

Para muitos estudiosos bíblicos, não existe consenso a respeito de quando esta guerra acontece. Boa parte deles afirma que ela já teria acontecido nos primórdios da Criação, como pode ser lido no livro do Gênesis e confirmado nos livros de Isaías e Ezequiel.

Houve um momento, segundo o capítulo 6 do livro do Gênesis, em que a raça humana tinha se multiplicado de tal forma que havia um grande número de mulheres muito belas, as quais atraíram a atenção dos anjos, que acabaram descendo à Terra e casando com elas.

Outra referência à queda angélica pode ser encontrada no capítulo 14 do livro de Isaías, na menção à Estrela da Manhã que caiu dos céus e foi lançada à Terra. A palavra hebraica heylel, equivalente à estrela da manhã, foi traduzida para o grego como heosphoros e para o latim lucem ferre.

Foi assim que este anjo caído passou a ser conhecido como Lúcifer, personagem que representa, para a mentalidade cristã convencional, a soberba e a desobediência à Deus. Ele também foi identificado no livro de Ezequiel, num discurso dirigido ao rei de Tiro, em virtude das correspondências com a ideia de um ser que perdeu sua condição divina pela presunção.
Quando tomamos o Novo Testamento, a ideia apresentada pela tradição judaica é mantida em várias passagens. Mesmo assim, no livro do Apocalipse a Guerra dos Anjos é retratada como sendo um dos eventos mais importantes do futuro da humanidade. Ela acontece logo após o nascimento do Messias, e seu desfecho possibilitará o reinado de Cristo durante o período de mil anos.


O livro do Apocalipse é todo formado por visões escatológicas. A escatologia é uma parte da teologia, da filosofia e da futurologia preocupada com o que se acredita serem os eventos finais da história e o derradeiro destino da humanidade, os quais são geralmente conhecidos como o Fim do Mundo ou o Mundo Vindouro.

Entre as visões das coisas que estariam para acontecer no futuro, há dois sinais interessantes. O primeiro sinal consiste na aparição de uma mulher vestida de sol, com a lua sob seus pés e em sua cabeça uma coroa de doze estrelas. Ela está grávida e grita por causa das dores que sente, já que está dando à luz.

O segundo sinal consiste na aparição de um grande dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, ostentando sete diademas sobre suas sete cabeças. Sua cauda havia varrido um terço das estrelas do céu e para lançá-las à Terra. O dragão permanecia diante da mulher que estava parindo, esperando para devorar seu filho. Contudo, assim que a criança nasceu foi levada para junto de Deus.

O dragão é o próprio Lúcifer, a estrela da manhã, e a terça parte das estrelas do céu são os anjos que aderiram às fileiras do personagem rebelde. Ele retorna nesta etapa para tentar prejudicar os planos divinos de restauração definitiva do Reino e Deus através de Cristo, mas terá seus planos frustrados pelo anjo que logo adiante aparecerá para prendê-lo nas trevas durante os mil anos de reinado do Messias.

Em seguida, começa a guerra nos céus, esta descrita em breves palavras. O livro do Apocalipse narra aquilo que já se sabe, a luta travada entre Miguel e o Dragão, cada um acompanhado por sua hoste de anjos. E quando o Dragão foi derrotado, não havia mais lugar para ele e seus anjos no céu. Por isso, eles todos foram lançados, mais uma vez, em direção à Terra.

A primeira queda do derrotado Lúcifer e seu bando de Anjos Caídos é retratada na obra poética Paraíso Perdido, escrita por John Milton com o objetivo de justificar as ações de Deus em relação à humanidade. O poema narra a história bíblica da Queda do Homem, composta pela tentação de Adão e Eva, pela queda do anjo Satanás e sua expulsão do Éden.

Contudo, os modernos comentaristas bíblicos rejeitam a ideia de que a narrativa trata de uma rebelião angélica contra Deus nos tempos primevos. Ao contrário, interpretam o conteúdo do livro como uma visão futurística dos eventos finais do mundo, bem como uma guerra espiritual ocorrida no seio da Igreja Católica, ou mesmo entre a Igreja Católica e seus inimigos.

De acordo com esta perspectiva simbólica, a mulher descrita no primeiro sinal é a Igreja, pois as vestes solares que usa indicam seu esplendor, seus pés pisando a lua representa seu domínio e sua coroa formada por doze estrelas corresponde à sua glória.

Aqueles que conhecem a perspectiva esotérica gnóstica do Apocalipse, fundamentada na obra Mensagem de Aquário escrita por Samael Aun Weor, a mulher é realmente, e em sentido geral, a Igreja, mas não exclusivamente a Igreja Católica. Em seu sentido primitivo, Igreja vem do grego ekklēsia, que significa lugar de encontro.

Esotericamente, esta ekklēsia é a própria alma humana, o lugar onde ocorre o encontro com a divindade, realizando o sentido também esotérico da palavra Religião, o famoso religare. No Apocalipse, a alma está vestida de sol, ou seja, com suas vestimentas solares ou corpos solares, os quais constituem o elemento necessário para que haja o parto do Cristo Íntimo.

Ela pisa sobre a lua, o corpo celeste que ilusoriamente emana luz própria, pois apenas reflete a luz solar. Por isso, a lua é a representação alquímica da ilusão, ou da própria fonte das ilusões, o que em um primeiro nível de interpretação corresponde ao Ego. Sua coroa formada por doze estrelas representa a realização das doze virtudes divinas, ao modo das emanações aeônicas descritas pela mitologia gnóstica e ecoada na mitologia cristã, quando os doze apóstolos são enviados por Cristo para o mundo.

O nascimento do Cristo Íntimo de entre o ventre da alma humana é espreitado pelo terrível Dragão, quem cumpre um papel fundamental para o cumprimento da missão do Messias. Não fosse a sua presença ameaçadora, o Cristo não se afastaria da alma, que é sua mãe, e não seria colocado junto de Deus para aprender sua sabedoria.

Simbolicamente, é por isso que o Dragão, o temido Lúcifer é considerado pelos gnósticos como sendo o Reflexo de Cristo, sua contraparte essencial, que com sua presença aparentemente nociva, serve de sustentação para o nascimento do Cristo e seu ulterior desenvolvimento, até que possa retornar ao mundo e governá-lo definitivamente.

Todos estes personagens são elementos arquetípicos reais inerentes a todo ser humano. O mundo onde ocorre a Guerra dos Anjos é a própria alma humana, e os Anjos Caídos são estas mesmas almas que cedem aos apelos do mundo sensorial, incapazes de compreendê-lo e dominá-lo, usufruindo inteligentemente de tudo o que ele pode oferecer.

À maneira dos Anjos Caídos, a alma aprisionada neste mundo precisa realizar um trabalho para conquistar o esplendor de sua veste solar, o domínio sobre a lua e o triunfo que lhe conferem as doze estrelas. Este trabalho é apresentado no próprio livro do Apocalipse, através da simbologia das Sete Igrejas, dos Sete Selos e das Sete Trombetas, temática a ser explorada num texto futuro.

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