quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O Sagrado Anjo Guardião

Parece que de todas as crenças místicas da Tradição Ocidental de Mistérios, nenhuma capturou mais a imaginação de magistas modernos que a ideia judaico-cristã por trás do termo Sagrado Anjo Guardião. Não poderia ser diferente com os thelemitas, pois o Sagrado Anjo Guardião é a imagem iconográfica central de sua doutrina. No entanto, por conta do conteúdo judaico-cristão que cada um de nós traz, temos a tendência equivocada que ver o arquétipo do Sagrado Anjo Guardião em Thelema através das lentes socioculturais que nos alimenta e nos programa desde a infância. Superar essa programação, portanto, é uma das primeiras metas do Adepto iniciado no Grau de Amante. Para compreendermos o arquétipo do Sagrado Anjo Guardião, precisamos trazê-lo à luz do Novo Aeon.

Assim como ocorreu com a palavra daimon, o significado da palavra anjo vem se modificando ao longo da história, pois sua ideia tem sido assimilada por inúmeras culturas religiosas do Planeta. O que foi originalmente um conceito abstrato que serviu de objeto de estudo de filósofos e acadêmicos no passado, hoje se tornou um conceito distorcido muito bem estabelecido. Uma das referências mais antigas do termo aparecei no livro do Êxodo, 23:20, onde Deus diz a humanidade:

Eis que eu envio um anjo diante de ti, para que te guarde pelo caminho, e te leve ao lugar que te tenho preparado.

Mas veja, a palavra utilizada no Velho Testamento não é anjo, mas malak, que significa mensageiro de Deus. Embora poucos tenham conhecimento disso, a palavra anjo vem do sânscrito angiras. O responsável por exportar essa palavra da Índia foi o intercâmbio cultural com os persas, que transformaram a palavra em augaros, que possui a mesma tradução, mensageiro. Posteriormente, os sábios gnósticos introduziram essa palavra na cultura helênica da Grécia, onde ela se tornou aggelos. Quando o conceito ou ideia de Mensageiro de Deus chegou em Roma, traduziu-se como angelus no latim, do qual a palavra moderna anjo derivou-se.

De acordo com a mitologia judaica mais antiga, Deus colocou Mensageiros ou Vigias individuais sobre a humanidade para nos guiar. Estes eram, tão estranho quanto possa parecer, classificados sob a direção de Satã. Na verdade, foi uma concepção gnóstica antiga de que Lúcifer ou Satã é o Sagrado Anjo Guardião do Planeta Terra, como Crowley sustenta em Liber Aba:

Esta serpente, SATÃ, não é o inimigo do Homem, mas AQUELE que fez DEUSES de nossa raça, conhecendo o Bem e o Mal; ele comandou «Conhece-te a Ti mesmo!» e ensinou a Iniciação. Ele é o «Diabo» no Livro de Thoth, e seu emblema é BAPHOMET, o Andrógino que é o hieróglifo da perfeição secreta.

Dessa forma, contrário a opinião de muitos thelemitas, o termo Sagrado Anjo Guardião como uma ideia de mensageiro de Deus não foi primeiro explorado por McGregor Mathers (1854-1918) a partir de sua tradução de O Livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago, um livro que Crowley e outros citam como a fonte literária de onde o termo se originou.

No entanto, quase todas as sociedades secretas e organizações espirituais do período vitoriano e outras mais modernas, inspiradas nessas escolas arcanas do passado, adotaram a ideia de Sagrado Anjo Guardião como Eu Superior. O próprio Crowley admitiu que ele mesmo foi vítima dessa tolice. A interpretação corrente é que a comunicação com o Sagrado Anjo Guardião ocorre quando o Adepto alcança a iniciação de Tiphereth na Árvore da Vida. No entanto, é nosso daimon pessoal que tem nos guiado desde o nascimento, sussurrando em nossos ouvidos a percepção do Eu Superior ou Verdadeira Vontade.

Já no fim de sua vida Crowley conseguiu discernir que o Sagrado Anjo Guardião e o Eu Superior não eram os mesmos. Em Magick Without Tears ele escreveu:

Ele não é [o Sagrado Anjo Guardião, deixe-me dizer com ênfase, uma mera abstração de si mesmo, e é por isso que tenho insistido antes fortemente que o termo Eu Superior implica uma heresia condenável e uma ilusão perigosa. E se assim não fosse, não haveria nenhum ponto em A Magia Sagrada de Abramelin, o Mago.  Mas lembre-se disso, acima de tudo, eles são objetivos, não subjetivos, ou eu não deveria desperdiçar a boa Magia com eles.

A questão aqui é: não podemos confundir nosso daimon pessoal, aquele que nos dirige ocultamente através da vida, com o Sagrado Anjo Guardião. Crowley chegou a percepção que o Sagrado Anjo Guardião não poderia descer abaixo do Abismo sem ser corrompido pela dualidade, mas na intenção de nos orientar e conduzir ele projeta aquilo que Carl Jung (1875-1901) chamou de anjo psicótico e os gregos chamaram de daimon pessoal ou espírito guardião.

Tecnicamente, não podemos dizer que existe algum anjo além do Abismo. Todos esses arquétipos estão abaixo do Abismo. No entanto, aqui estou enfatizando àquele Ente Presença de que somos verdadeiramente.

No entanto, isso tem sido um problema entre os thelemitas, pois é um senso comum de que o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião ocorre em Tiphereth. Mas isso é falta de estudo. Uma das instruções que Crowley deixou para A∴A∴ que trata do Sagrado Anjo Guardião é o Liber VIII, uma referência ao oitavo Aethyr no A Visão & a Voz, conhecido como Liber 418. O Liber VIII tem sido utilizado como Um Ritual Apropriado para Invocação do Augoeides, quer dizer, um ritual destinado a invocação do Sagrado Anjo Guardião. É no oitavo Aethyr, portanto, que o thelemita irá obter o Conhecimento & a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião, entretanto, o oitavo Aethyr está além do Abismo. Quer dizer, essa experiência mística não ocorre na esfera de Tiphereth na Árvore da Vida como suposto no Velho Aeon. Eu chamo a atenção do leitor para meu artigo publicado em O Olho de Hoor (Vol I, No. 1), intitulado Thelema: Uma Nova & Amarga Verdade. Nesse artigo eu escrevi:

Abiegnus, a Montanha dos Adeptos no Novo Aeon, é identificada com Zion, a Montanha Sagrada de Deus na Cidade das Pirâmides sob a Noite de Pã.  Por essa razão, Liber Cheth vel Vallum Abiegni é o título de Liber CLXI, pois Vallum Abiegni significa A Parede de Abiegnus. Esta é a instrução que contém o segredo do Santo Graal e pertence aos Mistérios do Mestre do Templo. Abiegnus não mais significa no presente Aeon de Hórus à tumba do Cristo ressurreto, mas a tumba dos Santos que derramaram a última gota de sangue no Cálice de Babalon, pois somente aqueles que pintaram a semente negra poderão plantar a Rosa; somente aqueles que beberam das águas da Morte poderão regar a Rosa e somente aqueles que foram consumidos pelo Fogo da vida poderão prover o sol que alimenta a Rosa de Tiphereth. A semente desta Rosa está oculta além da grande parede de Abiegnus na Cripta dos Santos na Cidade das Pirâmides.

Em Tiphereth, dessa maneira, existe a consecução com o Eu Superior ou o que os qabalistas têm identificado como A Cabeça do Ruach. Para compreender o Sagrado Anjo Guardião na totalidade que ele verdadeiramente é, o thelemita deve se ater as divisões da alma humana na Árvore da Vida: o nephesh, a alma animalesca (Malkuth-Yesod). O ruach, a mente organizada que se divide em Inferior (Adepto Externo) e Superior (Adepto Interno), que envolve o complexo Hod-Netzach-Tiphereth-Geburah-Chesed. A terceira parte da alma, sendo ela Três-em-Um, é neschamah (Binah), chiah (Chokmah) e yechidah (Kether).

A primeira lição que a alma deve aprender tem sido chamada de A Visão do Sagrado Anjo Guardião, que ocorre em Malkuth. A segunda lição ou estágio de aprendizagem da alma ocorre em Tiphereth, onde o Candidato obtém A Orientação do Sagrado Anjo Guardião. O estágio final se dá além do Abismo onde o Candidato experimenta o Conhecimento & a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.

Pelo termo A Orientação do Sagrado Anjo Guardião eu me refiro a construção ou organização do ruach para que ele possa se tornar um veículo do Ente Presença além do Abismo.

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