quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

A Jornada do Graal

Preferimos iniciar nosso projeto explorando o simbolismo geral que sustenta a primeira parte desse curso, que trata da da Fórmula Mágica de Babalon na Filosofia de Thelema. Além de toda literatura de Aleister Crowley, um de seus escritos expressa poeticamente o Ofício da Mulher Escarlate em várias dimensões. Nós nos referimos a Missa Gnóstica. Comumente conhecida como Liber XV, trata-se de um grande ritual que pode ser estudado sob inúmeras perspectivas. Quanto mais nos aprofundamos nessas dimensões da Missa, mais compreendemos suas perspectivas no nosso trabalho mágico-espiritual diário. Sob uma perspectiva bem superficial, nós podemos dizer que a Missa Gnóstica é um complexo ritual que ensina de maneira velada e simbólica o Arcano da magia sexual como transmitido pelo Soberano Santuário da Gnose, IX° O.T.O. O conhecimento das muitas dimessões da Missa Gnóstica nos possibilita trabalha-la em nosso dia-a-dia, como uma forma pessoal de comungar com o Universo diariamente, de maneira pessoal e autêntica. Toda a Missa Gnóstica pode ser considerada o decreto de um psicodrama mitopoético na alma de cada participante, demonstrando o processo interior da Grande Obra, o que permite que cada um dos oficiantes atue integralmente na sua direção.

Dois temas importantes nessa primeira parte do curso estão implícitos na Missa Gnóstica: Os Mitos do Santo Graal e a Santa Qabalah. Os Mitos do Graal nasceram dos contos, lendas e músicas sobre o Rei Artur, os Cavaleiros da Távola Redonda e do Mago Merlim, mitologicamente tido como o Grande Guru das sagas arturianas. Mas um dos elementos que torna os Mitos do Graal tão especial no sistema thelêmico de magia sexual é o que a história conheceu como amor cortês.

Diferente da visão ocidental sobre a instituição do casamento na Idade Média, período em que começaram a se espalhar os Mitos do Graal, o amor cortês está interessado no amor. Girault de Bornelh (1138-1215), um trovador de calibre, disse certa vez: Os olhos são os batedores do coração. Eles vão na frente para que possam encontrar uma imagem que possam recomendar ao coração. Tendo-a encontrado, se esse coração – observe a palavra-chave agora – for cavalheiresco – quer dizer, um coração capaz não apenas de desejos, mas de vontade – nascerá o amor. Isso significa que para Redimir a Noiva, sua alma, o Adepto deve ter o coração de um Cavaleiro do Santo Graal, um coração capaz de empunhar a Lança Sagrada. E por que o Cavaleiro deve seguir este caminho? Porque sua nobreza reside no sacrifício de amor por sua Amada Imortal, a Mulher Escarlate.

Essa é, quem sabe, uma das características mais importantes do amor cortês: a mulher deve se certificar de que seu pretendente seja um homem de coração nobre, não um rapaz lascivo de desejos incontrolados. Vem daí, portanto, a tradição em que o homem deve se provar merecedor do afeto da mulher amada. De fato, essa é uma revisão medieval de costumes celtas ainda mais antigos. Em algumas comunidades aborígenes de linha matriarcal na região da Irlanda e Escócia, consideradas o caldeirão fervilhante da cultura e lendas celtas-arturianas, o melhor caçador e guerreiro da tribo teria a chance de fecundar a matriarca em uma celebração coletiva que muito posteriormente foi conhecida pelo nome de Beltane. Por conta disso, é comum nas lendas arturianas cavaleiros como Lancelot e outros se lançarem em aventuras e provas de amor na intenção de se mostrarem aptos a estarem ao lado de suas amadas.

Em uma de suas aventuras para salvar sua amada, Lancelot tem de passar por uma prova iniciática chamada de O Julgamento da Cama Perigosa. Aqui o Cavaleiro deve se mostrar apto a levantar a Lança Sagrada, quer dizer, ele deve manter-se firme para não cair no Castelo da Perdição em Malkuth. A ele é avisado: conserve sua armadura e mantenha seu escudo sobre tua cabeça. Aqui Lancelot corre o perigo de todo Neófito da A∴A∴, o de ser tentado por uma mulher elemental, a Kundry nos Mitos do Graal. A prova, portanto, consiste em resistir a seus desejos frívolos e tolos, mantendo seu foco na meta, o Castelo do Santo Gaal ou Santuário de Babalon.

Em uma outra versão desse conto bardo, Lancelot tem de passar por uma provação iniciática conhecida como Ponte da Espada. Embora o ordálio seja distinto da versão anterior, a moral da história continua a mesma. Aqui Lancelot deveria passar com os pés descalços sobre o fio de uma espada. Somerset Mougham (1864-1965) escreveu uma história conhecida como O Fio da Navalha onde diz: Viajar ao longo de seu próprio caminho – quer dizer, de sua Verdadeia Vontade – é como andar sobre o fio de uma navalha, fazendo alusão de que a linha que separa vontade e desejo é muito tenue e delicada. O Cavaleiro deve seguir seu caminho na oscilação entre desejo e vontade, na tragetória que leva ao Castelo do Graal.

Estas duas versões da história foram baseadas na obra do poeta e trovador Chrétien de Troyes (1130-1191), Lancelot. Em ambas o Cavaleiro do Santo Graal deve permanecer diligente em sua busca pelo Graal. A trama ou pano de fundo por trás do amor cortês nas lendas arturianas é o problema fundamental da mística espiritual da civilização ocidental cristianizada: a ruptura entre dois mundos, o espiritual e o material. A amada cortejada pelo Cavaleiro é sua própria alma, a Mulher Escarlate. Mas ela se nega, divorciada do prazer de estar com ele até que ele se prove merecedor de seu amor. Tudo se resume, portanto, na dificuldade que todos nós temos em recuperar nossa conexão com o Sagrado. Nos Mitos do Graal, trata-se de uma redenção espiritual, o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.

A mesma trama nós podemos encontrar no conto de Tristão e Isolda. Como Lancelot, Tristão teve de se mostrar um nobre Cavaleiro. Após derrotar um dragão e ter ainda de provar que foi ele quem matou e depois de muitas reviravoltas na corte, finalmente Tristão se lança em Amores com Isolda na floresta. É interessante que ambos se refugiaram em uma antiga caverna para o consumo e deleite do amor. A narrativa conta que essa foi uma caverna habitada por antigos gigantes, o que nos remente as raízes mitológicas celtas das lendas arturianas. No entanto, na entrada da cavena havia uma inscrição: Uma Capela para Amantes. Não seria uma alusão a Cripta dos Adeptos onde ocorre o Casamento Místico do Adepto e sua Alma, a Mulher Escarlate? Nessa Capela, o Altar é a Cama de Núpcias e não é no Altar que o Sacerdote e a Sacerdotisa comungam do Sacramento da Missa no êxtase da palavra HRILIU? O Sacramento Divino a ser executado nesse Altar é, portanto, a mística sexual, pois o sacramento do amor é o coito sexual. A história continua em mais um comovente drama amoroso que separa mais uma vez Tristão de Isolda.

Toda a situação que se contrapõe é o amor como oposto a instituição casamento. Na Europa Medieval os casamentos eram arranjados e a aristocracia os considerava intoleráveis, o que motivou os contos bardos das lendas arturianas. Mas é somente na história de Parzival que todo o simbolismo acima é melhor trabalhado e amadurecido e finalmente o casamento faz as pazes com o amor.
A história de Parzival foi desenvolvida por um cavaleiro bávaro chamado Wolfram von Eschenbach (1170-1220) que compreendeu muito melhor os autores das sagas arturianas e trovadores antes dele, elevando Parzival ao ideal do Cavaleiro no Séc. XII, o ideal do herói. Para tal, ele diz ter se baseado em um poeta de nome Kyot que, embora desconhecido, supõe-se ter estado na companhia de um alquimista mouro que lhe transmitiu a história original. É dessa fonte, portanto, que entra outro elemento importante nos Mitos do Graal, a Alquimia. Na versão original da história, o Graal é um recipiente que vem do céu na forma de uma pedra e aqui podemos fazer uma conexão com a kaaba dos muçulmanos, Meca. Essa mesma versão ainda contém uma interpretação xiita da queda de Lúcifer e que nos seu desenvolvimento posterior ganha destaque na trama.

Lúcifer se rebelou contra Deus em amor ao próprio Deus, pois não se curvando diante dos homens, a criação perfeita de Deus, o fez porque ele somente podia se ajoelhar diante do próprio Deus. Sua queda, portanto, deve-se a seu amor e não a sua rebeldia. Por outro lado, Satã, o Lúcifer já como energia da matéria, o antagonista de Deus no inferno é o maior de seus adoradores. Ele sofre por seu amor a Deus mais do que com o calor do fogo e enxofre do inferno. A dor e o sofrimento de Satã é ter como lembrança de Deus somente suas palavras: vai-te daqui. É assim a interpretação xiita da queda de Lúcifer.

Seja como for, dessa Guerra nasceu os pares de opostos, a dualidade representada nos anjos que seguiram Lúcifer e os anjos que ficaram com Deus. Parzival – perce à val – assim, é aquele que segue pelo meio do vale, entre os pares de opostos, uma santa heresia. Nessa altura da narrativa é possível notar a forte influência gnóstica no mito.

Durante a primeira parte da história Parzival trata-se de um menino tolo, cujas ações desmedidas e caóticas baseavam-se apenas na tolice natural de um adolescente. Após ter derrotado um Cavaleiro, ele mesmo tornou-se Cavaleiro, mas por seus próprios esforços. Mas ao ter sido levado por seu cavalo – que representa sua natureza instintiva – a um castelo e lá tendo sido treinado na arte dos Cavaleiros, se recusa a casar-se com uma jovem, pois sua intenção é casar-se apenas com uma amada, uma mulher eleita. Aqui o casamento e o amor se unem, o que mudaria com o tempo a tradição européia acerca dos casamentos arranjados.

Dali sai Parzival sobre seu cavalo novamente, sem rédeas. Ou seja, ele deixa que sua natureza – a Verdadeira Vontade – lhe guie, até que finalmente chega a outro castelo. Neste castelo Parzival encontra sua amada e o casamento de ambos é a confirmação do amor e o sexo é a santificação da união. Não seria essa a visão ocidental contemporânea acerca dos casamentos?

No entanto, a narrativa conta que essa união amorosa não começou com o sexo. Ela é de nível mais sutil e espiritual, ou seja, é um casamento que primeiro se consumou no espírito, depois na carne. Este é o casamento místico almejado por buscadores da Arte.

Toda a história, como nas versões e lendas arturianas anteriores, é a conquista do Espírito de Cavaleiro, um coração honrado, forte e cujos impulsos não estejam voltados ao Ego e aos desejos, mas antes disso, a Verdadeira Vontade. Eis aqui, a necessidade do Batismo.

Já no Castelo do Santo Graal, quando a Virgo Intacta traz o Santo Graal, ele não percebe o Graal, mas apenas a moça. Sua visão é turva por seus desejos. A saída é óbvia, o Santo Batismo. É quando aparece o sacerdote trazendo a pia de rubi alimentada pelo próprio néctar do Graal, o licor – kāla – da vida. Todas essas são referências claras ao útero e vagina da Sacerdotisa. O Batismo nas Águas do Espírito Santo e o mesmo Gozo Santo da Missa Gnóstica, HRILIU.

No fim da história, Parzival torna-se o Rei do Castelo do Santo Graal quando escuta as palavras do Eremita: graças a firmeza de seu propósito você mudou as leis da casa de Deus. Uma referência óbvia: o Deus que habita dentro de nós, o Centro-Hadit ou Sagrado Anjo Guardião, é àquele que dita as Leis de seu Universo.

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