segunda-feira, 2 de março de 2015

VAMPIRO A Máscara

Eles povoam a nossa imaginação. Ocultamse
sob nossas camas. Rastejam nos obscuros
recessos de nosso inconsciente primitivo.
Não há fuga, não há refúgio a — coisa vai
pegar você. A Besta, o aniquilador, o Lusus Natura. O
que é? Por que o tememos?
Qual é o seu nome?
Sempre tivemos nossos demônios. Há muito inflamam
a imaginação romântica de sacerdotes e poetas.
Houve um tempo em que os denominamos Trolls;
depois foram chamados de Diabos, e então vieram as
Bruxas misturando poções maléficas em seus caldeir
ões. Ainda mais tarde, dizia-se que o Monstro era o
Lobo Mau, o Bicho Papão, o Godzilla do terror da
Guerra Fria. Por fim, alguns chamaram-no de intoler
ância e boçalidade. Durante algum tempo tentaram
convencer-nos de que monstros não existem, que tudo
no universo tinha, ou logo viria a ter, uma explicação
racional.
Mas agora sabemos a verdade. Reatamos nossas rela
ções com a Besta. Aprendemos o seu verdadeiro
nome.
Agora compreendemos a dimensão da eternidade,
sua infinitude inimaginável, sua estrutura caótica e a
insignificância de nossa própria existência. Agora admitimos
a magnitude dos problemas que enfrentamos
e a nossa aparente incapacidade de gerar mudanças
na escala necessária para salvar-nos
Tivemos um lampejo da realidade e enxergamos a
verdade por trás do véu. Fechamos o círculo e
redescobrimos o Demônio. Recuperamos nossa heran-
ça ancestral. Achamos aquilo a que concedemos tantos
nomes — a fonte de nosso terror mortal.
Descobrimos o inimigo... e somos nós.

Somos caçadores, perseguindo eternamente a verdade
inquietante de nossa condição humana, buscando
em nosso íntimo por aquilo que é sujo, incerto,
impuro — pelo que não tem nome. Ao olharmos os
monstros que criamos, adquirimos um discernimento
um pouco mais amplo de nossa “metade negra”. Esses
demônios expressam o que somos nos níveis mais profundos
e inacessíveis do inconsciente. Desde tempos
remotos, eles nos têm proporcionado uma conexão
com nosso eu animal, a satisfação de uma necessidade
emocional primitiva, e a promessa de uma justiça implac
ável.
O vampiro é o demônio quintessencial, nada mais
sendo que um reflexo de nós mesmos. Os vampiros
alimentam-se como nos alimentamos, matando, e causando
morte podem sentir o mesmo terror, a mesma
culpa, o mesmo anseio por fuga. Estão aprisionados
no mesmo ciclo de necessidade, fartura e alívio. Como
nós, buscam redenção, pureza e paz. O vampiro é a
expressão poética de nossos temores mais recônditos,
sombra de nossas necessidades primordiais.
Tal o herói da lenda, que desce ao poço do Purgat
ório para enfrentar o algoz, derrotar as fraquezas pessoais
e finalmente ser purificado, retornando para casa
com a dádiva do fogo, também nós precisamos descer
às profundezas de nossas almas e renascer com os segredos
conquistados. Essa é a verdadeira jornada de
Prometeu, o significado do mito. Apenas embarcando
nessa jornada podemos descobrir nossos eus verdadeiros
e ver nossos reflexos no espelho.
O fascínio desta promessa de conexão espiritual é
praticamente irresistível. Mas trata-se de uma aventura
por demais perturbadora. É preciso manter-se vigilante
e caminhar com cautela — toda jornada reserva
seus perigos. Não olhe a própria alma, a menos que
esteja preparado para enfrentar o que descobrir.
E, neste momento, lembre-se:
Monstros não existem...

De teu servo mais devotado:
Ja se vao muitos anos. Na esperanca de haver o tempo entorpecido
t uas memorias mais dolorosas, ouso enviar-te esta numa
intencao de suplica, embora reconheca que implorar-te perdao e
pedir muito. Ao menos rogo tua compreensao. Devo-te algum
ti po de explicacao para os eventos que despedacaram t ua vida
inocente.
Embora tenha eu exibido algumas caracteristicas surpreendentes
diante de ti e de teus pares, a chama de Humanitas, ainda que
erratica, continua a arder em meu peito. O tempo e a natureza
lutam para extingui-la, concluindo dessa forma minha descida
ao Inferno da loucura e da bestialidade. Preciso, como qualquer
sacerdote, guardar bem minh’alma, posto que o mais sutil lapso
na vigilancia deixa escapar a Besta, cujos atos viste com teus
proprios olhos.
Admito ser impraticavel qualquer tentativa de reconciliacao: toda
uma eternidade a demandar perdao seria muito pouco tempo. Cont
udo, em sinal de penitencia, ofereco-te o documento anexo, ato
que faz de mim um traidor de minha especie. Rezo para que
encontres nessas paginas alguma coisa que te ajude a compreender
o tormento que te foi infligido, e com isso, talvez dispersar um
pouco da tua dor. O tom, receio, e um tanto seco; pouca
necessidade nutre um soldado pelos agradaveis floreios de poesia
que seduzem um leitor. Pus-me meramente a redigir, da melhor
forma que pude, tanto quanto sei.
Tenho para contigo um debito que jamais podera ser pago. Se
em algum momento puder servir-te ou a tua familia, estarei as
ordens.
Semper Servus

Nossa Verdadeira Natureza
á aproximadamente dois séculos e meio, um
padre francês de nome Calmet procurou coletar
toda a informação existente sobre a
natureza dos vampiros. Não é de admirar que
seu tratado contenha muitas contradições e
áreas de incerteza. Citando os relatórios das
Comissões Papais enviadas para lidar com “pragas” de vampiros
na Áustria, Hungria, Morávia e Silésia, Calmet relata que
um vampiro pode ser destruído se trespassado por uma estaca
de madeira, sendo que a esse ato deve seguir-se a decapitação
e a incineração dos restos. Isto realmente irá destruir um vampiro,
da mesma forma como decerto destruiria um mortal.
Homem brilhante, esse Calmet.
Os filmes abreviaram um pouco esse tratamento, criando
a falácia de que a estaca é suficiente. Não creias nessas fábulas.
Transfixar seu coração com uma estaca imobilizará o vampiro,
mas ainda existem outros procedimentos que são terminus
sit indispensáveis. Sejam eles incineração ou luz solar, ist egal;
jamais confies apenas na estaca. Nem ponhas tua fé unicamente
em armas de metal, como fez teu amigo americano.
Essas coisas machucam, mas os ferimentos saram depressa —
do contrário não estaria a escrever-te agora.
A luz do sol, conforme é dito, representa a agonia final
para os de minha espécie. Nos filmes, vemos vampiros
caricatos, com seus mantos e maquilagem pesada, sendo reduzidos
a poeira pelo afago do sol, ou explodindo em chamas,
como os desafortunados que foram tragados pelo Fogo Grego.
Infelizmente isso é verdade, ainda que tratada com certo
exagero. A luz do sol, assim como a chama, queima-nos a
pele, e apenas os mais velhos e fortes entre nós conseguem
suportá-la por longos períodos.
Portanto precisamos dormir de dia e agir apenas à noite.
Durante o dia somos letárgicos, sendo-nos difícil fazer qualquer
coisa além de dormir. Apenas aqueles entre nós que
ainda não deixaram a natureza humana muito para trás são
capazes de agir enquanto o sol está alto no céu. Eu mesmo
não vejo a luz do dia há muitos séculos, tendo praticamente
esquecido o brilho de seus raios dourados. Mas não sinto a
menor falta.
Crucifixos, água benta e outros símbolos religiosos devem
ser ignorados — a Igreja sempre foi o primeiro refúgio dos
mortais confrontados com coisas que lhes ultrapassam a compreens
ão — especialmente no passado. Contudo, cheguei a
presenciar algumas raras ocasiões nas quais tais objetos foram
capazes de causar um desconforto considerável. Nesses casos,
seus portadores quase refulgiam de fé na Divindade, o que me
leva a concluir que os objetos religiosos serviram de algum
modo para canalizar o poder dessa fé. Ignores, todavia, os
ardis do cinema, com seus candelabros cruzados e sombras de
pás de moinhos.
As pretensas propriedades do alho, assim como do acônito
e de outras ervas são, da mesma forma, mera superstição.
Esses vegetais repelem os vampiros tanto quanto o fazem com
a maioria dos mortais, a despeito da cantilena das mulheres
que os vendiam. Como a Igreja, as curandeiras de aldeia eram
muito requisitadas para usar sua “magia” contra vampiros,
obtendo os mesmos resultados pífios.
Os cineastas familiarizaram o grande público com outras
fraudes. Por exemplo, podemos ver nossos próprios reflexos
no espelho, embora alguns de nós finjam o contrário em honra
a essa grande tradição cinematográfica. Da mesma forma,
podemos aparecer em película. Na verdade, alguns da minha
espécie já protagonizaram filmes, e um deles foi até mesmo
um diretor bastante conhecido.
É igualmente absurdo presumir que um vampiro não possa
transitar da maneira que desejar. Nós Cainitas (um dos
termos de nossa raça para designar a nós mesmos, cuja origem
discutirei mais adiante) podemos entrar em qualquer casa
e lar que quisermos a qualquer momento. Da mesma forma, é
despropositado acreditar que um vampiro não seja capaz de
cruzar água corrente. A água não exerce qualquer efeito sobre
nós. Como não mais respiramos, não podemos ser afogados.
Embora a submersão possa vir a ser uma experiência desagrad
ável e resultar em algum grau de deterioração física
caso seja prolongada, nenhum vampiro morreu unicamente
devido a isso; entretanto, há rumores de que algumas linhagens
são sensíveis a um contato vis-a-vis com a água. Aliás, foi
provavelmente assim que muitas das crenças sobre nós se originaram,
uma vez que várias linhagens sofrem de fraquezas
que foram passadas sucessivamente pelo senhor à sua Prole.
Caso a forma humana não seja apropriada aos seus desígnios,
o vampiro cinematográfico é capaz de assumir diversas
formas: lobo, morcego, névoa — e, em algumas histórias, tamb
ém o gato e alguns pássaros noturnos, como o mocho. Os
Anciões desfrutam de poderes extraordinários, como testemunhei
durante meu breve e indesejado envolvimento com 

seu jogo de Jyhad, e não mais desdenho das histórias de mudan
ça de forma. Porém, os indivíduos das gerações mais novas
raramente os possuem. Assim, asseguro-te: um vampiro
que possua forma plural pertencerá a uma raça rara, o clã
Gangrel, ou será muito velho, sábio e poderoso. Rogo para
que teu caminho jamais cruze com o de um deles.
Contudo, muitos de nós possuem habilidades que um mortal
consideraria sobrenaturais. Como predadores, nossos sentidos
são aguçados, e alguns desenvolveram outros talentos
para ajudar na caçada. Um exemplo: a habilidade de inspirar
medo, paralisia, obediência e outras reações emocionais é
bastante útil, embora os escritores populares as tenham enfeitado
em benefício de suas histórias. corre-me que parte da confusão quanto aos
poderes sobrenaturais e as fraquezas do vampiro
deva-se a um caso de confusão de identidades.
Existe uma classe de criatura entre
o mortal e o vampiro, que a Família (outra
de nossas alcunhas auto-referentes, e a mais
popular) denominou carniçal. Não se trata do lendário carniçal
indiano comedor de cadáveres, o ghûl, embora alguns indiví-
duos possam demonstrar comportamento semelhante.
Os mortais que bebem o sangue da Família sem que antes
tenham sido sugados tornam-se carniçais. Essas criaturas podem
andar à luz do dia, como os outros mortais, mas não
sofrem a Fome, nem envelhecem enquanto beberem regularmente
de sangue vampírico. Podem até mesmo possuir força
e reflexos sobre-humanos. Às vezes é vantajoso criar esses
servos e comandar a sua lealdade através da promessa de vida
eterna. Eles não precisam ser humanos — um cão que tenha
bebido do sangue de um vampiro torna-se o guardião mais
perfeito e fiel que se pode desejar. E assim surgem as lendas
de cães infernais.
Embora os Carniçais demonstrem alguns dos poderes dos
vampiros, retêm a maior parte das fraquezas dos mortais. Uma
empalação matará um carniçal com a mesma eficiência com
que mataria um mortal, e uma bala de chumbo será tão mort
ífera quanto uma de prata. Eles até mesmo desenvolvem um
temor por símbolos religiosos, ou alho, entre outras bobagens.
Trata-se, obviamente, de um fenômeno puramente neurótico,
devido a acreditarem que essas coisas possam feri-los. A
existência de carniçais em forma animal explica parcialmente
a crença generalizada em vampiros metamorfos.
Alguns carniçais podem crer que sejam vampiros de verdade,
tendo sido enganados a esse respeito por seus criadores.
Podem até mesmo agir de acordo com essa idéia equivocada
— ao ponto de beberem sangue — afinal, raramente compreendem
a natureza dos vampiros mais que os mortais. Em sua
maioria eles são traumatizados por experiências que sofreram
— veja, por exemplo, o ex-patrão de teu marido — e muitos
foram deliberadamente instruídos de forma errada por seus
mestres, para melhor servi-los.

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