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Demonologia é o estudo sistemático dos demônios. Quando envolve os estudo de textos bíblicos, é considerada um ramo da Teologia. Por geralmente se referir aos demônios descritos no Cristianismo, pode ser considerada um estudo de parte da hierarquia bíblica. Também não está diretamente relacionada ao culto aos demônios.


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Apocalipse - a queda dos anjos ao crepúsculo do mundo

Há muitos e muitos anos, há tantos anos quanto o número de estrelas no céu, o paraíso celeste foi palco de um terrível levante. Armados com espadas místicas e coragem divina, querubins leais a Yahweh travaram uma sangrenta batalha contra o arcanjo Miguel e os anjos que o seguiam.
Deus, o Senhor Supremo de Todas as Coisas, continuava imerso no profundo sono que caíra após ter concluído o trabalho da criação – o descanso do sétimo dia. Enquanto ele permanecia ausente, os arcanjos ditavam as ordens, impondo seus desígnios no céu e na terra. Sentados no topo de seus tronos de luz, cada um deles almejava alcançar a divindade.
Concentrando todo o poder debaixo de suas asas, os poderosos arcanjos, onipotentes e intocáveis, utilizavam a palavra de Deus para justificar sua própria vontade. Revoltados com o amor do Criador para com os seres humanos e movidos por um ciúme intenso, decidiram ir contra as leis do Altíssimo e destruir todo homem que caminhasse sobre a terra, acabando assim com parte da criação do Divino.
Impulsionado por essa fúria, Miguel, o Príncipe dos Anjos, enviou à Haleddiversas calamidades, mas, como insetos persistentes, os mortais resistiram. Os tiranos alados desejavam um regresso à aurora dos tempos, quando só os animaispovoavam o mundo. Eles nunca aceitariam venerar uma criatura feita do barro,uma vez que tinham sido gerados a partir do próprio esplendor e glória do Senhor.
Decidido a eliminar de vez a humanidade, Miguel ordenou que os ishins, a casta angélica que controla as forças da natureza, arquitetassem a destruição final. Submissos, eles derreteram as calotas polares e a terra foi inundada por um volumoso dilúvio. Não obstante, os mortais novamente subsistiram.
Diante de tanta morte e devastação, uma conjuração teve início. Em sua inocência política, os líderes dessa conjuração foram traídos por outro arcanjo, Lúcifer, a Estrela da Manhã, o único que conhecia o plano dos revoltosos para libertar o paraíso da opressão a que era submetido. Quando o Arcanjo Sombrio denunciou as ideias revolucionárias, os rebeldes foram derrotados, expulsos do céu e condenados a vagar pelo mundo dos homens até o fim dos tempos. Enquanto a luz do sétimo dia brilhar, enquanto Deus continuar adormecido, os anjos renegados serão perseguidos e mortos pelos agentes celestiais.
Com o poder e prestígio que conseguiu por ter delatado os insurgentes, Lúcifer arquitetou sua própria revolução. Movido por interesses nem um pouco justos, o Arcanjo Sombrio pretendia tomar o principado de Miguel e ascender acima mesmo do Criador, coroando-se em Tsafon, o Monte da Congregação, e tornando-se assim igual a Deus. O Filho do Alvorecer não queria apenas vencer seu irmão, desejava tornar-se ele próprio Deus – subjugar não apenas o monarca, mas também Yahweh.
Muitos anjos, revoltados com a política celeste, não conheciam as motivações egoístas de Lúcifer e se juntaram a ele. Ao descobrir a traição, o Príncipe dos Anjos declarou nova guerra, e uma segunda batalha estalou. Por seus atos e ambições macabros, a Estrela da Manhã e seus seguidores foram lançados ao Sheol,poço obscuro de trevas e sofrimento, um lugar terrível, um cárcere permanente. Lá, o Arcanjo Sombrio governa e espera o momento certo para iniciar sua vingança. Hoje, os mortais conhecem essa dimensão pelo nome de inferno.
Muitos milênios se seguiram às duas guerras angélicas, e então os humanos reinventaram o período das grandes catástrofes, com suas próprias armas modernas.
No céu e no inferno, o Armagedon marca o início de uma nova era. Quandoo ciclo for completado, Deus despertará de seu sono e todas as sentenças serão revistas. O tecido da realidade cairá. Antigos inimigos se enfrentarão, e não haverá fronteiras entre as dimensões paralelas. Esse será o Dia do Ajuste de Contas.
O crepúsculo do sétimo dia se aproxima, e a noite cairá em breve.

Certo dia, o arcanjo Uziel, cansado daquela espera infindável, resolveu galgar o monte Tsafon e afrontar seu irmão. Armou-se de sua espada de fogo, vestiu uma armadura dourada e tomou a longa escadaria de mármore que levava à construção de pedra no topo do morro. Ao fim dos degraus, o Santuário do Alvorecer aparecia meio oculto pelas nuvens geladas, um aposento imponente, erguido por largas colunas redondas. Uma forte luz azulada coruscava em seu interior, um brilho que o arcanjo acreditava ser as emanações do próprio Deus.
Mesmo através de seu elmo polido, que completava o conjunto da bela couraça, o rosto de Uziel era austero e demonstrava sua vontade. Sozinho, ele ponderara por anos a fio e agora enfim decidira visitar o Altíssimo, só para ter certeza de que o espírito de Deus continuava adormecido, deitado no santuário, e não morto, como às vezes suspeitava. Um dia, havia muito tempo, Uziel contemplara a face do Criador, uma dádiva reservada aos arcanjos – nem os anjos tiveram esse júbilo. E o que ele viu foi fraternidade, amor e compreensão. Então, como teriam os celestiais chegado àquele grau de corrupção? O paraíso caíra em decadência, e com ele também o mundo dos homens.
Mas o caminho ao santuário não seria facilmente vencido. Miguel, o Príncipe dos Anjos, irmão direto de Uziel, guardava o trono divino e não estava disposto a permitir seu ingresso. Sozinho, ele bloqueava a passagem, brandindo sua espada sagrada, a insuperável Chama da Morte. Envergava uma armadura completa, prateada como os raios da lua e adornada por detalhes dourados no peito, que formavam desenhos complexos no metal espelhado. O capacete, de crista vermelha e queixada pontuda, fora posto de lado, deixando aparentes as feições masculinas, a barba por fazer e o rosto cheio de cicatrizes horríveis, adquiridas nas Batalhas Primevas, confronto ancestral sucedido antes mesmo da criação do universo.
Miguel era o mais forte dos cinco arcanjos, o primogênito, o herdeiro do Criador. Seu cabelo, negro e comprido, era cortado por uma mecha alva que corria à nuca, e os fios estavam presos em um rabo de cavalo pouco alinhado. Se avistado por olhos humanos, poucos o reconheceriam como uma entidade celeste, não fossem as asas branquíssimas, afiadas como navalhas.
O vento ameno da aurora agitou o cabelo do príncipe e soou como apito aos ouvidos de Uziel. O visitante estacou a dez metros do guardião, na parte mais baixa da escadaria. Silenciosos, os dois gigantes se encararam – Miguel, forte e confiante; Uziel, indignado e decidido. O invasor levantou sua espada em posição de defesa, segurando a arma com ambas as mãos.
– Saia de meu caminho, Miguel. Estou reivindicando o direito de visitar o nosso Pai, Yahweh, em seu leito de repouso. É meu direito como arcanjo e descendente do Criador.
Por um momento, o príncipe nada disse. Em seguida, desceu um degrau.
– Você não vai a lugar algum, caro irmão. Minha paciência esgotou-se. Estou farto de sua insolência. Sou o Príncipe dos Anjos, e isso significa que sou o líder dos arcanjos também. A minha palavra é a lei – determinou. – Yahweh está dormindo, como sabemos. E não pode ser perturbado. Estou aqui para defendêlo, e não será você ou qualquer outro que me destituirá de minha função principal.
Uziel pareceu ainda mais irritado.
– E como saberei que ele está mesmo aí dentro, Miguel? Você nos diz o mesmo há milênios, insistindo que, um dia, o Criador despertará para punir os injustos. Pois eu digo que este dia chegou. A podridão tomou conta do mundo. Já é hora de sabermos se o que fala é correto.
– Atreve-se a questionar os meus comandos? Sou o seu irmão mais velho! Não duvide de seu comandante.
– Veja aonde você nos levou e pergunte a si mesmo se é realmente algum tipo de líder. Gabriel arrastou metade dos nossos anjos para uma guerra civil contra nós, e Rafael nos abandonou, caindo em desgraça. Se você se opuser a mim, que outro arcanjo terá ao seu lado? Lúcifer? – ironizou, evocando o nome do maior de todos os inimigos do céu: Lúcifer, o Arcanjo Sombrio, expulso pelo próprio Miguel do paraíso, com sua horda nefasta.
O Príncipe dos Anjos lançou ao invasor um olhar de desdém, ao mesmo tempo em que levantava sua espada fulgente.
– Eu não preciso de você, Uziel. Não preciso de ninguém.
Então, o guardião empunhou sua arma e a moveu para o ataque. Suas chamas cresceram, e a luz do fogo sagrado refletiu nos olhos castanhos do príncipe. Uziel sentiu vontade de fugir ante a majestade do inimigo, mas sua pujança o motivou ao combate.
– Então é verdade, não é? É verdade o que Gabriel disse aos seus anjos... – Mas, antes que Uziel terminasse, Miguel alçou voo, abriu as asas e desceu para ferir o irmão com um golpe violento de espada. Ofuscado pelo brilho do sol, o visitante quase não se esquivou, mas conseguiu rolar para o lado no instante preciso. Um estrondo titânico abalou a montanha, e a lâmina flamejante tocou a escadaria de mármore, abrindo uma fenda larga no solo. O invasor teria caído pela encosta do morro, não tivesse adejado em reflexo. Ascendeu às alturas e em seguida mergulhou, aterrissando em um sítio acima do guardião, muito perto da passagem ao santuário. Dando as costas ao perigo, disparou para dentro do templo, subestimando a potência de seu algoz.
Mesmo entendendo que jamais venceria o impiedoso vigia, Uziel continuou em sua trilha. Queria entrar no Santuário do Alvorecer e vislumbrar a face do Onipotente, só mais uma vez, nem que isso lhe custasse a vida. Se o Altíssimo estivesse realmente adormecido, ele teria obtido a resposta que procurava – a de que sua luta ao lado do arcanjo Miguel tinha sido legítima. Mas e se nada encontrasse? E se Yahweh não estivesse deitado em Tsafon? Essa hipótese o apavorava, mas ainda assim pereceria feliz, sabendo que desafiara seu tirânico irmão, mesmo que num derradeiro momento. Teria, então, se redimido de todas as matanças, de todas as catástrofes que promovera, de todos os cataclismos que comandara.
Correndo e voando, ele pulou para o interior do edifício, venceu as colunas e ultrapassou o umbral de entrada.
Uma luz intensa confundiu seus sentidos, mas logo a vista se adaptou à claridade. No centro do grande aposento, surgiu um pedestal trabalhado, e sobre ele descansava um livro grosso, de aparência antiga, escrito por dentro e por fora. Aquele era o Livro da Vida, um magnífico artefato deixado ao Príncipe dos Anjos pelo próprio Deus, e que relatava em detalhes toda a história do sétimo dia, desde a criação do homem até o crepúsculo dos tempos. Estava marcado com o código secreto dos malakins, um idioma anterior à aurora do mundo. Miguel nunca deixava que qualquer um se aproximasse do tomo, e sua obsessão pelo objeto chegava a ser psicótica.
Quando percebeu o que se passava, Uziel sentiu as costas rasgarem em um corte abrasado. A dor do fogo queimou suas asas, e o sangue escorreu pelo ferimento. Como um raio certeiro, a espada flamejante do furioso Miguel dilacerou suas costas, lançando o invasor ao estado letal. Atordoado, desabou contra o chão, largando o sabre e se esticando à espera da morte.
O guardião pisoteou o busto do visitante, esmagando o metal da armadura dourada. Então, apontou a lâmina ao rosto do irmão, em prelúdio ao choque final.
– Miguel, você nos traiu! – protestou o ferido, cuspindo um refluxo de sangue. – Você traiu a confiança dos arcanjos e de todos os celestiais.
– Eu não traí ninguém, Uziel. Foi você quem traiu a si próprio.
– Onde está Deus, Miguel? Onde está o nosso Pai Luminoso? Prestes a desfalecer, Uziel ainda resistia, procurando resposta à sua busca desesperada. Não distinguira sinais do Altíssimo no templo de mármore, apenas os contornos de um livro envelhecido. O que teria acontecido ao Criador?
– O Onipotente está aqui mesmo, Uziel. Será que não percebe? Ele está aqui, no Santuário do Alvorecer!
Uziel maneou a cabeça, convencido da insanidade do irmão.
– Yahweh está morto, é isso! Ele morreu ao fim do sexto dia! Não está apenas adormecido, como você contou. Você nos enganou por todos estes anos, Príncipe Celeste – acusou. – Eu me sinto envergonhado por ter acatado as suas ordens, mas estou feliz por ter enfim alcançado a verdade.
Assim, Uziel se acalmou. A vida o estava deixando, mas ele havia cumprido sua missão. Agora, sua essência vital poderia finalmente se dissipar e regressar ao ventre do infinito.
Pronto para a execução, Miguel deteve a espada por mais um segundo.
– Perdeu o juízo, pobre irmão. Se preferisse esperar só mais um pouco, não estaria agora estendido neste piso gelado. A Roda do Tempo não tardará a anunciar o Apocalipse. Mas não é sua culpa. Você não poderia ter feito nada para evitar o destino. Assim está escrito – completou, fatalista.
Então, o príncipe levantou sua lâmina, e Uziel aguardou a sentença.
– Não me tome por louco – acrescentou o arcanjo Miguel, em inesperado discurso. – Antes que morra, quero que saiba que só digo a verdade e faço tudo pelo bem da criação. Deus está adormecido, e se você não o encontrou quando entrou nesta sala – pausou e em seguida atacou com a espada, perfurando o estômago do moribundo – é porque não teve a dignidade de olhar para trás.
Quando a arma encravou, o invasor se contorceu em espasmos de dor. Miguel trespassara seu peito, a parte mais sensível da anatomia angélica, onde está concentrada toda a essência celeste, toda a energia sagrada, todo o poder da aura pulsante.
Com uma mão, o príncipe despedaçou a couraça, e com a outra arrancou o coração do irmão. Uma luminosidade mística envolveu o cadáver, e o corpo se dispersou em vibrações cintilantes. E esse foi o fim do arcanjo Uziel, patrono da casta dos querubins.
Vitorioso, Miguel se aproximou do pedestal, onde repousava o livro fechado. Deslizou os dedos sobre as inscrições e sublinhou com os olhos os caracteres marcados. Virou-se para trás, para a nave do templo, agora vazia. Então, voltou a atenção ao tomo sagrado. Com um misto de seriedade e loucura, o arcanjo falou num sussurro:
– Concordo com você em um ponto, irmão: chegou o dia de Deus despertar de seu sono.

O sol estava se pondo.
Em pé, sobre a gigantesca mão da estátua do Cristo Redentor, o Anjo Renegado observava a cidade, à aproximação do crepúsculo. Sua expressão, inabalável e serena, era de alguém que muitas vidas vivera, de um andarilho que percorrera o mundo, desvendara seus infinitos mistérios e enfrentara toda sorte de criaturas, abissais e celestes. Mas era também o semblante de um pioneiro, que visitara nações já perdidas e se sentara à mesa com os grandes homens de outrora. Era como se, nas profundezas daqueles olhos cinzentos, estivesse gravada uma parte singela de cada civilização, de cada povo, de cada cultura ancestral e moderna – das torres resplandecentes de Atlântida às pirâmides da Babilônia; das cidades-Estado gregas à majestade do Império Romano; das catedrais medievais às caravelas de Sagres; das campanhas napoleônicas ao horror nuclear. A história de toda uma espécie vivia agora na mente do fugitivo, um guerreiro de jovem aparência, tão preservado quanto os mortais no auge da casa dos trinta.
Às vezes o lutador ficava imóvel por horas, em absoluto silêncio, meditando sobre os amigos já mortos, para que jamais lhe deixassem a memória. Pade18 cia de um único temor: o medo de esquecer – esquecer os seus ideais, o seu passado e a sua luta incansável.
Uma rajada de vento sacudiu a montanha, balançando os loiros cabelos do renegado. Ele os prendeu com uma fita e caminhou sobre a estrutura de pedra. Seu equilíbrio era impecável, mesmo na estreita passagem, que completava o braço da escultura titânica. Não se parecia com um anjo de fato, porque escondia as asas, enfiadas na carne. O rosto era tipicamente nórdico, e o corpo, atlético, forte e delgado. Guardava um aspecto felino – era a face de um caçador, sempre alerta ao perigo e pronto a responder ao ataque. A barba, mais espessa à volta da boca, formava um cavanhaque dourado, e as roupas escuras delineavam uma silhueta sombria. Estático, inabalável ao vento, o querubim esperava por algo. Provava o cheiro do ar, escutava o movimento das nuvens e enxergava a despedida do sol.
Dali, do cume da imensa montanha, mesmo os maiores arranhacéus eram agulhas, farpas minúsculas no coração da cidade. As águas da baía de Guanabara, cercada pelo morro do Pão de Açúcar e pelas brancas areias da enseada, refletiam o róseo brilho poente. Foi então que, à contemplação da paisagem, o celeste percebeu quanto a metrópole crescera, desde sua chegada ao Brasil, havia exatos trezentos anos. As praias estavam interditadas, e as fábricas poluíam a baía. As pessoas haviam construído pontes e ruas e levantado antenas no alto dos morros.
Agora, era só uma questão de tempo até que o sol extinguisse seu fogo, e a civilização mortal perecesse.
E o gigante dos tempos entendeu por que estava triste.
Por mais que um dia tivesse sido um anjo, ele agora era humano também.
O tecido da realidade tremeu, e um trovão correu pelas nuvens.
A membrana mística, a película invisível que separa o mundo físico do espiritual, fora abalada, lançando ao plano material dois visitantes, duas entidades tão fortes quanto o general exilado. Uma delas se materializara a distância e permanecia parada sobre a grade de ferro que circulava a base da estátua. Emanava uma aura terrível, maléfica, cheia de ódio e furor. O segundo era amistoso e não desejava combate. Apareceu ali perto, por cima do ombro do Cristo, próximo ao anfitrião renegado. Coxo, caminhou ao encontro do anjo guerreiro, apoiado em uma bengala afiada.
– Ablon, o Anjo Renegado – sussurrou o forasteiro, evocando o verdadeiro nome do general. – Imaginei que o encontraria aqui. De certa forma, não deixa de ser irônico...
A criatura saiu das sombras e, tal como o lutador, parecia um homem comum. Maduro, tinha o corpo largo e maciço, mas era mais baixo que o celeste. Usava um terno alinhado, imitando os trajes mundanos. Uma barba escura cobrialhe a face, delineando o queixo redondo.
– ... nos braços de Deus – completou.
Orion, o Rei Caído de Atlântida. Era assim que o chamavam.
– Pensei que você viesse sozinho – reagiu o querubim, fitando o demônio disfarçado de gente, trepado na grade metálica trinta metros abaixo.
– Ah, sim, Apollyon... – a atenção de Orion se desviou para a mureta de ferro. – Sinto muito. Tive que trazêlo. Ordens do chefe.
As montanhas enfim engoliram todo o lume do sol vespertino, e o oceano aguardou o nascimento da lua. Já na penumbra da noite, Ablon Virou-se para encarar seu velho confrade, um anjo caído, hoje um dos duques do inferno, um monarca falido, que havia seguido as hostes de Lúcifer nos tempos da guerra no céu.
– Orion, em consideração à nossa antiga amizade, aceitei me encontrar com você. Quero deixar claro que esse é o único motivo. Seu mestre me traiu. O demônio que o acompanha – e ele se referia ao implacável Apollyon, um assassino terrível, conhecido por ter vitimado dez dos dezoito renegados – matou muitos de meus amigos. Ademais, eu nunca simpatizei com os condenados do porão – era uma gíria que definia o inferno –, portanto seja breve. O tempo corre.
O Rei Caído sorriu. Aquele era o antigo Ablon, sem dúvida, seu bom camarada que às vezes o visitava em Atlântida e se sentava ao banquete nos dias festivos. O general não havia mudado. Orion o admirava porque, apesar das provações, das perdas e perseguições, ele não esquecera seus verdadeiros valores. Desafiara a todos para defender uma causa e por ela continuaria lutando. Quisera eu ser como ele – pensou o monarca, mas reconhecia também o revés da liberdade. A morte e a solidão acompanham os exilados, e de repente Orion achou que, mesmo que tivesse escolhido o caminho dos bravos, talvez não conseguisse trilhálo.
– Então você também notou, não é? – instigou o infernal. – Os sinais. Eles são a prova definitiva de que o sétimo dia está terminando, e com ele toda a vida humana.
O Apocalipse.
Orion estava certo. Os sinais eram evidentes. Todos os símbolos e profecias apontavam para o Juízo Final.
– Eu sou um anjo renegado, o último ainda vivo. Estou condenado a viver neste mundo físico. Não posso mais cruzar o tecido da realidade como vocês.
Mas não é preciso ser muito esperto para notar que o Armagedon se aproxima – o guerreiro fez uma pausa, e então concluiu:
– É triste pensar que tudo que fizemos foi em vão.
Orion achegou-se ao exilado e tocoulhe o ombro. Mesmo manco, equilibrava-se com maestria no braço da estátua de pedra, arrastando a bengala.
– Não há mais saída, Orion – continuou o fugitivo. – Não há mais esperança. O arcanjo Miguel finalmente conseguirá seu intento, mas desta vez ele não enviará seus anjos. A civilização humana arruinará a si própria. E contra os homens, nada podemos fazer.
Seguiu-se um longo silêncio, e a conversa penetrou a noite cerrada. Ablon continuava atento à silenciosa presença de Apollyon, o Exterminador, que o observava de longe. Os dois eram inimigos declarados, desde os tempos em que ambos eram generais no paraíso – Apollyon era também um anjo caído, como Orion e Lúcifer. Era aquela uma contenda milenar, e brigas ancestrais só se resolvem na espada.
– Há muitos anos, eu fui o príncipe de Atlântida – começou o visitante. – Como um deus, governei a cidade. Cada humano era para mim como um filho. A felicidade estava em todo lugar, e quase não existia sofrimento. Naquela época, eu tinha um amigo. Era um formidável guerreiro, um soldado valente e sábio. Não raro, ele vinha ao meu palácio. Falávamos à multidão e depois cantávamos louvores ao Altíssimo. Mas, um dia, terminou a utopia. A fúria dos arcanjos devastou minha ilha, e o povo morreu. Com ela, acabou também meu sonho, meu desejo de difundir a perfeita civilização, sem dor ou miséria. Quando regressei ao salão celestial, soube que meu amigo, o general incansável, havia enfrentado os primogênitos, e a coragem dele me fez prosseguir. Tudo que eu queria era vingança, e então, desesperado, aceitei as ideias de Lúcifer. É verdade que fomos derrotados e que tenebrosa foi nossa punição, mas nunca me arrependi de ter confrontado o opressor. Para isso, me inspirei em alguém – o olhar voltou-se ao lutador. – Por toda sua vida você lutou, general. Não pode desistir logo agora.
– E qual é sua proposta? – perguntou, amolecido pela confissão do monarca.
– Sei que Lúcifer o traiu. Talvez ele não seja a criatura mais justa do universo, mas é quem melhor conhece as fraquezas do tirânico Miguel. Todos, no inferno e no céu, esperam pelo derradeiro confronto, a Batalha do Armagedon, que antecederá ao despertar do Altíssimo. O combate é nossa última chance de despojar o Príncipe dos Anjos, antes de o Criador voltar à cena do cosmo. Os vencedores estarão mais perto de Deus e a ele apresentarão suas armas.
– Quando Yahweh acordar, punirá os perversos. E não há dúvida de que Miguel será o primeiro a ser condenado, por ter usado a palavra do Altíssimo para justificar tantos massacres. Então, por que não esperar, simplesmente? Por que não aguardar o regresso do Reluzente?
– Não sei quanto a você, mas nós queremos vingança – rebateu e analisou o rosto sofrido do fugitivo. – E eu diria que você também.
– Tudo o que quero é justiça.
–Que seja. Chamea como quiser. Seus interesses estão ligados ao nosso. Miguel se prepara para a guerra, e temos um inimigo em comum.
– O que está me propondo é uma aliança – digeriu o guerreiro, incrédulo.
– A Estrela da Manhã quer você ao nosso lado.
– Seu mestre sabe que eu nunca me uniria a ele, não depois de ele nos ter enganado e denunciado a conjuração. Se eu tiver que lutar essa última batalha, não será sob as asas de um maldito farsante.
Orion já esperava aquela resposta e chegara a julgar estúpido seu senhor, por têlo enviado à terra com tão inusitada proposta. Mas muitas vezes o Rei Caído se surpreendera com a perspicácia do Arcanjo Sombrio, assim preferiu não julgálo precipitadamente.
– Eu entendo todas as suas preocupações, mas desta vez é diferente. Este é o embate final de uma guerra que persiste por milhares de anos. Não haverá outra oportunidade para derrotar o arcanjo.
Ablon cerrou os punhos e fechou os olhos, em ligeira meditação. Tudo que ele mais desejava era completar o ministério de sua vida, enfrentar o Príncipe Celeste e vingar a memória dos renegados. O anjo guerreiro sabia que jamais venceria uma guerra sozinho, mas certamente aquela guerra não seria vencida sem ele. Depois de tantas batalhas, de tantos combates, o fugitivo era o comandante ideal, o mais indicado para dirigir um exército hostil ao tirano. Mas, controlando ou não uma armada, Ablon desafiaria Miguel mais cedo ou mais tarde, porque essa era sua demanda vital, o sentido de sua existência. O duelo só seria possível quando o tecido da realidade caísse, já que o exilado estava preso a seu corpo físico e, portanto, incapaz de passar ao plano espiritual e de viajar ao paraíso. E a membrana só desapareceria à conclusão do Apocalipse. Mas, caso entrasse em acordo com Lúcifer, teria o Diabo meios de pôr príncipe e vagabundo cara a cara para uma peleja mortal?
– Estarei esperando por você nas proximidades da ponte RioNiterói daqui a quatro dias – disse Orion, quebrando o silêncio. – Se você não estiver lá, voltarei ao Sheol e direi ao meu mestre qual foi sua resposta.
O renegado concordou, com um tímido sinal de cabeça. Não descuidava nem um instante de seu odiado rival, o demônio Apollyon, ainda empoleirado no gradeado. Era fortíssimo o tal Exterminador, um demônio guerreiro pertencente à casta dos malikis, os soldados do inferno. A pele era morena como a dos beduínos, e os cabelos, negros e ralos. Vestia um sobretudo marrom, muito batido, e roupas grossas. Tinha, assim como Ablon, instintos de predador, e é claro que estava preparado para avançar, caso o celestial explodisse e saltasse para atacálo.
Orion andou para as trevas, mas acrescentou num sussurro antes de desaparecer no escuro:
– Quero que fique com isso – e sacou do bolso um fragmento de pedra. Era um estilhaço negro de basalto, com a superfície marcada por um símbolo em baixorelevo.
– É a runa atlântica da paz – reconheceu Ablon.
– Era parte do monólito que levantei na praça central de Atlântida. Foi a única coisa que sobrou da minha cidade – Orion completou, melancólico.
– Eu me lembro – respeitou o guerreiro, aceitando o presente.
Ablon não era o único a sofrer com as memórias passadas. Orion também tinha seus próprios fantasmas, e talvez fosse a dor que os unisse, a nostalgia inesquecível daqueles dias de glória. Compreendeu, então, mais uma das grandes emoções humanas. A ligação entre demônio e renegado era forte porque compartilhavam das mesmas lembranças. E essas recordações são invioláveis, precisamente porque se transformam em lugares míticos, inalcançáveis, ícones para uma mente sofrida.
Quando a lua nasceu, arrastando o anil da primavera, os dois infernais já haviam sumido. A membrana fora novamente partida, e agora Orion e Apollyon estavam a caminho do inferno.
– Lúcifer foi muito esperto ao mandar você até aqui, Rei Caído – sussurrou o celeste. – É o único a quem ouço. Mas estarei preparado para tudo. Como sempre estive. Desceu da estátua com um pulo e tomou a estrada em retorno à cidade.

No princípio, havia o céu e a terra, as duas grandes dimensões de um universo bem jovem. Há muito tempo, antes da queda de Lúcifer, o inferno não existia, só a Gehenna, o purgatório das almas, uma das sete camadas celestes destinadas a abrigar o espírito dos pecadores. Esse lugar não era muito diferente do Sheol, para onde o Arcanjo Sombrio e seus seguidores foram lançados após o fracasso na guerra. Na Gehenna a Estrela da Manhã governou, até que fosse expulsa pelo arcanjo Miguel.
Naqueles dias antigos, anteriores mesmo à conjuração, os anjos eram numerosos e fortes, e alguns por demais violentos. Antes do dilúvio, a civilização humana na terra era dominada por duas nações rivais: Enoque, a Bela Gigante, e Atlântida, a Pérola do Mar. Mas, apesar da majestade das grandes potências e de seus heróis inesquecíveis, sua influência não chegava a todos os rincões do planeta. Porções significativas continuavam independentes, e dezenas de milhares de tribos e clãs habitavam o mundo.
Muitas aldeias não reconheciam a existência de um único Deus e veneravam suas próprias divindades locais. Essas divindades nada mais eram do que espíritos de grandes heróis que, adorados após a morte, se tornaram entidades poderosas, crescendo com a energia das preces de seus dedicados fiéis. A fim de permanecer em contato com seu séquito de adoradores, essas entidades preferiram não seguir para o paraíso, mas ficar na camada mais profunda do mundo espiritual, o chamado plano etéreo – daí se chamarem espíritos etéreos.
Com o tempo, os espíritos etéreos, personificados sob a forma de divindades tribais, foram ampliando sua influência, à medida que seus cultistas se multiplicavam. Esse poder paralelo na esfera mística ameaçava a autoridade dos celestiais, que assistiam, aos poucos, à decadência de seu domínio sobrenatural sobre os seres humanos.
Diante da situação, os arcanjos determinaram que os espíritos etéreos deveriam ser confrontados e destruídos. Iniciaram-se então as Guerras Etéreas, uma série de campanhas militares conduzidas no plano etéreo, cujo objetivo era aniquilar toda e qualquer entidade deificada. As Guerras Etéreas duraram cerca de dois mil anos, entre doze mil e dez mil anos antes de Cristo. Em algumas regiões, especialmente no Oriente, as legiões celestes foram destronadas, mas em outras partes saíram vitoriosas.
Ao fim das Guerras Etéreas, os arcanjos retomaram a política dos grandes massacres, enviando pelotões de anjos à terra para assassinar os seres humanos. A justificativa era muito simples. Segundo Miguel, que dizia falar em nome de Deus, Yahweh havia se envergonhado de sua criação, tão perversos haviam se tornado os homens. A civilização humana não parava de guerrear – clã contra clã, tribo contra tribo, aldeia contra aldeia. Pelo ódio natural que carregavam no coração, os mortais deveriam ser descartados.
Muitos anjos bons não concordavam com os morticínios, mas como questionar uma entidade que era a própria voz do Criador? E além disso, os arcanjos eram insuperáveis em inteligência e vigor.
Os poucos que enxergavam a verdade sabiam que Miguel tinha inveja e ciúme da humanidade, por Deus ter dado a ela o mundo, a alma e o livrearbítrio. O Príncipe dos Anjos desejava em seu íntimo acabar com todos os homens, roubarlhes a terra e assumir o trono do Deus adormecido, pelo menos até seu despertar. Mas ele não era o único. O ambicioso Lúcifer tinha igual motivação, e foi então que se tornaram rivais.
No entanto, a cada ano que se passava, à medida que a civilização florescia, engrossava o tecido da realidade. Assim, tornava-se cada vez mais difícil para os celestes agirem na esfera material, e então Miguel, indomável, arquitetou o cataclismo que, segundo ele, liquidaria de vez os “bonecos de barro”.
Para seu desagrado, o príncipe descobriria a verdadeira resistência da espécie terrena.

CHUVA DE SANGUE
No Quarto Céu, isolada no coração do oceano celeste, havia uma montanha delgada que se alargava no topo, imitando a forma de um cogumelo. Em seu cume ficava o Castelo da Luz, o principal núcleo de atividade dos guerreiros alados no paraíso. A fortaleza fora projetada para suportar mil legiões, prontas a defender o céu contra qualquer invasão. O líder do castelo era o arrogante Balberith, o príncipe da casta dos querubins. Temido por todos os soldados, envergava uma armadura sagrada chamada Couraça da Honra, dada a ele pelo arcanjo Uziel, patrono da ordem dos combatentes.
Naquele dia, há doze mil anos, a aurora dava espetáculo, e o sol nascente desenhava uma estrada tremulante no mar. Ablon, o Primeiro General, aterrissou no pátio central e contraiu as asas. Só então regressava ao forte, depois de um longo período de recuperação. Gravemente ferido durante as Guerras Etéreas, o lutador quase perdera a visão ao afrontar o deus Rahab, chefe de uma horda de entidades etéreas. De fato, não estava totalmente curado, mas um acontecimento terrível antecipara sua volta.
Justo e bom como era, Ablon não tolerava participar das carnificinas ordenadas pelos arcanjos, mas, enquanto descansava, o comando de sua legião fora entregue ao maior de seus adversários – o abominável Apollyon, o Anjo Destruidor. Esse homicida nefasto liderara seus soldados em uma sangrenta incursão pela Haled – como os celestiais chamam o plano físico –, aniquilando um povoado inteiro. A operação fora chamada de Chuva de Sangue, em alusão à passagem atroz da legião.
Indignado, porém contido, o general retornou sem demora, preocupado em retomar a liderança de suas divisões. Mas, a despeito de sua querela com o Destruidor, outro evento marcante estava para mudar para sempre a política angélica, e quanto a isso o lutador nada podia fazer.
No Palácio Celestial, no Quinto Céu, os cinco arcanjos discutiam a proposta de Miguel de lançar um cataclismo à terra. A decisão dos primogênitos seria anunciada em breve, e os dez generais deveriam estar reunidos – havia dez grandes generais querubins sob a tutela de Balberith. Ablon e Apollyon estavam entre eles.
Lúcifer, a Estrela da Manhã, mostrara-se contrário à hecatombe. O impasse foi resolvido, então, com o envio de três celestiais à Haled, cuja missão seria comprovar – ou refutar – a perversidade dos homens. Se existisse ao menos uma pessoa justa e reta na face da terra, ela seria poupada.
Os escolhidos para a missão foram três anjos de castas distintas. Um deles era Balam, da casta dos hashmalins, ordem que defende a purificação da alma pelo sofrimento da carne. O segundo enviado era Nathanael, da casta dos ofanins. Os ofanins são anjos da guarda, figuras de luz e sabedoria que amam os mortais e os ajudam no caminho da salvação. Por fim, o terceiro designado era Baturiel, o Honrado, capitão da ordem dos querubins, guerreiro cuja única atribuição seria arbitrar a disputa.
Durante a incursão, Balam tentou corromper cada mortal que encontrou, usando de seus estratagemas para incitar a cobiça nos homens. Nathanael tentou anular suas artimanhas, mas o hashmalim era ardiloso e teria voltado ao céu com um relatório impecável, não fosse por um único humano que resistiu às provações: Noé. E era precisamente sobre o destino desse homem que os arcanjos agora deliberavam.
Ablon, por sua vez, já tinha em mente uma conjuração. Planejava reunir alguns celestiais que compartilhavam das mesmas ideias que ele e depois buscaria o apoio de um dos cinco gigantes – Lúcifer, o principal inimigo do poderoso Miguel. Mas, para isso, a humanidade teria que sobreviver à próxima destruição, e então os conjurados agiriam.
Por ora, a situação estava nas mãos dos arcanjos.
O Castelo da Luz era uma edificação grandiosa, lapidada em pedra clara, ouro e mármore e praticamente inacessível por terra ou mar. Por ar, os virtuais inimigos teriam que, antes, vencer as numerosas patrulhas aladas que defendiam a fortaleza. Por todos os cantos do céu, anjos armados deslizavam ao vento, subiam, desciam, mergulhavam e rodopiavam, em uma dança bela e mortal.
No pátio menor, uma área circular com cem metros de raio, os querubins praticavam técnicas de infantaria, manejando suas espadas contra oponentes invisíveis. Outros moviam suas lanças, simulando o combate, enquanto um regimento de mulheresanjo praticava tiro com seus arcos fantásticos.
Ablon ajeitou sua armadura dourada, uma couraça peitoral coruscante. As armaduras completas, com placas por todo o corpo, estavam reservadas aos príncipes de casta e aos insuperáveis arcanjos – Balberith, o líder da ordem dos anjos guerreiros, tinha uma couraça completa. Depois, o general apertou a fivela do cinto e desceu a mão à bainha, só para sentir o conforto de sua espada mística, a Vingadora Sagrada. Para os querubins, mestres da luta, a espada é uma parte do corpo, um acessório indispensável à batalha. Eles nunca esquecem suas armas e se sentem incompletos sem elas.
Nas alturas da fortaleza, a brisa gelada trazia o aroma da maresia. Com sentidos de caçador, o Primeiro General escutava as ondas a estourar na base da delgada montanha, novecentos metros abaixo. Ouvia o espargir dos respingos e as gotas salgadas escorrendo na rocha.
De repente, um movimento chamou sua atenção. No céu, avistou dois soldados em disputa feroz. Sem armas, eles trocavam socos e chutes, disparando às nuvens e em seguida descendo ao pátio. Os duelos eram comuns no castelo e incentivados como parte da natureza dos querubins. De acordo com o código da casta, qualquer guerreiro podia desafiar outro de mesma hierarquia para um combate particular. No confronto, porém, as armas eram vetadas, e o uso de armadura, obrigatório. Assim, a peleja nunca era letal. O duelo virava treinamento diário, motivando os adversários a aprimorar suas habilidades. Muitos desafios eram aceitos na hora, e frequentemente a fortaleza se convertia em arena aberta. Anjos em serviço não podiam lutar, apenas os celestiais em período de descanso.
O costume de convocar alguém ao duelo consistia em desatar a fivela do cinto, deixando cair a espada. Era o sinal que indicava que o rival estava desarmado e pronto para a disputa. Os alados que portavam armas distintas – como lanças e arcos – simplesmente largavam o objeto no chão e aguardavam a resposta do oponente.
Esquecendo a briga, Ablon escutou um andar regular, acompanhado do tilintar de metal. O capitão Dariel, lutador célebre pela rapidez e percepção, parou diante do superior.
– General, o príncipe Balberith solicita a presença de todos os líderes de legião no pátio central – anunciou, contraindo as asas em sinal de respeito.
– Ele adiantou alguma coisa?
– Baturiel retornou, senhor. Ele traz a decisão dos arcanjos.

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