EEntre fins do século XIX e a primeira década do XX, o campo brasileiro
viu-se sacudido por alguns movimentos populares. De norte a sul surgiram
manifestações de cunho religioso, como se o país despertasse de uma
enorme letargia.
Conselheiros no nordeste brasileiro (como Antônio Conselheiro, de Canudos, na Bahia) e
monges nos sertões meridionais, vários personagens cruzavam os campos de lado a lado,
medicando e aconselhando os caboclos, granjeando fama de milagrosos e poderosos.
No interior do Paraná, uma figura que aparecia envolta em mistério, antes e durante os
conflitos pela posse da terra na região sul do estado, na divisa contestada por Santa
Catarina, foi um andarilho conhecido como o Monge da Lapa. Na verdade, foram três os
monges que freqüentaram a região, em momentos críticos da história de nosso país.
O primeiro surgiu em meados do século XIX, na década de 40, pouco depois das
revoltas liberais que sacudiram o Brasil e pouco antes do término da Guerra dos Farrapos.
O segundo marcou sua presença nos anos próximos à abolição da escravidão e do advento
da República; em meio à Revolução Federalista temos o seu primeiro registro concreto.
Finalmente, José Maria, o terceiro monge, surgiu em 1912, quando a Primeira República
incentivava largamente a imigração e a construção de estradas de ferro, com contratos
altamente vantajosos para as construtoras.
Entre os dois primeiros existia uma forte semelhança no proceder, a ponto de
serem considerados uma só pessoa. “Num dos retratos que corre como sendo do ‘santo’,
estampa-se a legenda: ‘João Maria de Jesus, profeta com 188 anos’ - como que a afirmar
que os dois foram um só”.
As explicações de ambos terem utilizado o mesmo nome aparecem na obra de
Oswaldo Cabral, quando o autor aponta as razões de tal procedimento. “O povo chamava
todos os monges de João Maria. Não sendo João Maria não seria monge” Ao assumir o nome de seu predecessor, João Maria de Jesus não forçava, ao
ver de Cabral, uma impostura, mas assumia para si a memória de santidade do primeiro
monge. Místico também, ele encontrava assim uma melhor forma de penetração junto
às populações interioranas. A mudança do nome marca o início de uma transformação
na vida.
Apesar de utilizar os dois primeiros nomes de João Maria de Agostini, nunca tomou
o último nome deste, do mesmo modo que nunca afirmou ser o mesmo que percorreu
os sertões em meados do século XIX. Afinal, o santo dos sertanejos não era de Agostini
ou de Jesus, “... há apenas um João Maria, e não só o João Maria do Contestado, mas o
querido João Maria da devoção popular”.
Várias são as lendas que permanecem na memória de moradores do interior
paranaense e que acabaram por conquistar as cidades, localizando-se em diversas camadas
da população, trazidas pelo êxodo rural. Muitas das localidades de Santa Catarina,
apontadas a seguir, pertenciam ao território do Paraná e foram repassadas ao estado
vizinho após acordo que ratificou a divisão da região contestada, à época do presidente
Wenceslau Braz, em 1916.
São lendas que dizem respeito à origem dos monges, lendas sobre profecias,
punições, milagres e prodígios e finalmente lendas relativas ao fim dos monges. Estas
lendas confundem os monges que as praticaram ou sofreram, sendo atribuídas ao monge
simplesmente. Este caráter dúbio é parte da própria estrutura das lendas.
Sobre a origem do monge, do porquê de sua peregrinação pelo sertão, a mais
rica lenda que encontramos é a de que sendo cristão, abandonou a religião para se casar
com uma moura e combateu o exército expedicionário francês. Sendo feito prisioneiro,
após a morte de sua esposa, conseguiu fugir e no Egito teve a visão do apóstolo Paulo,
que o mandou peregrinar 14 anos (ou 40 em outra versão) pelo mundo, reconvertendo-se
assim ao cristianismo. Sua cidade de origem seria, neste caso, Belém, na Galiléia.
Outras lendas davam conta de ser o monge um criminoso, não se dizendo o crime,ou que tivesse seduzido uma religiosa, que teria falecido na viagem para a América. Sua
penitência seria vagar solitário pelos sertões. Existe também aquela que dizia ser o monge
um apátrida, nascido no mar, de pais franceses, tendo sido criado no Uruguai.
As lendas sobre profecias são também bastante extensas, a começar de seu próprio
desaparecimento, quando terminasse sua missão, no morro do Taió, hoje território
de Santa Catarina. Previu o aparecimento de uma cidade no local em que estava, o que
efetivamente se deu após a definição do litígio sobre a fronteira; seu nome, segundo o
monge, seria Santa Cruz, e a cidade chamou-se Cruzeiro e hoje é o município de Joaçaba, SC.
Teria previsto o advento da República alguns anos antes. Previu também os
trens e os aviões, no estilo dos antigos profetas. “Linhas de burros pretos, de ferro,
carregarão o pessoal”. Depois deles, as guerras com as derrotas sucessivas dos sertanejos
e “gafanhotos de asas de ferro, e estes seriam os mais perigosos porque deitariam as
cidades por terra”.
Chegando a uma casa onde uma mãe acabara de dar à luz, reclamou o batismo
da criança recém-nascida e somente depois lhe foi contado que a parturiente havia feito
promessa de dar o nome de João Maria e convidar o monge para padrinho, se fosse feliz
na hora do nascimento.
O primeiro monge teria previsto que outros o seguiriam, enquanto o segundo
teria indicado a guerra que se avizinhava (a guerra do Contestado), onde os seus seriam
dizimados.
As lendas de caráter punitivo são muitas, que contrastam com a imagem bondosa
do monge. De modo geral, são castigos para aqueles que, desdenhando de sua santidade,
não respeitaram regras estabelecidas por ele.
Existem as histórias relativas ao queijo. Conta-se que pedindo um pedaço de
queijo em uma fazenda, este lhe foi negado, tendo então repetido a profecia feita para
Canoinhas, anunciando o fim da prosperidade da fazenda.
Conta-se que uma senhora querendo dar ao monge um queijo, tendo falado a este
respeito com seu marido, ordenou-lhe este que lhe fosse dado um outro menor versão diz menor e podre). Segundo uma narrativa teria o monge aceitado apenas um
pequeno pedaço do queijo, jogado fora mais da metade, por adivinhar a má vontade do
dono. Outros comentam que sendo podre o queijo, João Maria o levou e escondeu sob
uma pedra, ou o esmigalhou no pasto, ainda dentro da propriedade do tal fazendeiro.
Em todos os casos, a prosperidade da fazenda desandou, chegando, em uma das versões,
toda a família à loucura, ou morrendo o fazendeiro na mais miserável pobreza.
Às regiões de pouca fé do povo, predisse pragas, dizendo que aqueles que quisessem
salvar suas roças deveriam plantar aquilo que desse sob a terra (tubérculos) - o
que realmente aconteceu em Taquara Verde, município de Porto União, SC. Predisse que
a localidade de Vila Nova do Timbó, por seu povo ateu, se transformaria num porungal,
ou seja, suas terras perderiam a fertilidade. O lugarejo teria realmente regredido.
Ao ser preso na Lapa, predisse castigos dos céus e um violento temporal sobre
a cidade. Em duas cidades diferentes, Hamburgo Velho (RS) e outra do Paraná, ao ser
apedrejado por crianças que o tomavam por mendigo, perdoou às crianças, mas disse,
serenamente, que as cidades seriam apedrejadas como ele. Em ambos os casos, dias
depois, uma chuva de granizo arrasou as plantações, castigando a cidade. Tal evento
teria também acontecido na Lapa.
Com relação às fontes, contam-se duas lendas de caráter punitivo. Uma seria uma
água abençoada por ele, com a previsão de que não se entrasse na fonte para se banhar.
Duas prostitutas, tendo ignorado o aviso, banharam-se para curar algumas feridas, o que
provocou o ressecamento imediato da fonte.
Nas proximidades da Lapa, uma família tendo comprado uma propriedade, que
tinha em suas terras uma fonte benzida, e não crendo no poder da água santa, cercou a
área, proibindo a entrada de intrusos. Ao mesmo tempo, ateou fogo ao cruzeiro e ao pinheiro
que havia no pouso. Como resultado, perdeu todas as suas posses e ficou louca.
As lendas sobre milagres e prodígios fazem parte do maior grupo conhecido.
Existia a crença de que em meio às tempestades, o monge permanecia sentado ao relento,
mas que não se molhava, bem como nos lugares de determinadas cruzes.Conta-se também que podia estar em dois lugares diferentes, orando em sua
gruta e ao lado de uma doente que invocava por ele. Conta-se que podia ficar invisível
aos seus perseguidores, atravessar a pé sobre as águas dos rios, e que suas cruzes cresciam
– não só o corpo, como também os braços – ou brotavam 40 dias após o monge
tê-las levantado.
Bastões, com a “medida do monge”, fincados em cada extremo de uma fazenda
protegiam o gado contra doenças. As velas, feitas na medida do palmo do monge, afugentavam
os maus espíritos e acalmavam as tempestades.
Conta-se que o monge era imune aos índios e às feras, não sendo jamais atacado
por elas. Diz-se também que fazia surgir olhos d’água nos lugares onde pousava. Da
mesma maneira, podia se fazer transportar no ar ou desaparecer quando a multidão que
o cercava crescia em demasia.
As curas são constantes em suas lendas. Teria curado adultos e crianças já à
morte com infusões de uma planta chamada vassourinha e rezas. Em Mangueirinha e na
Lapa, se contam casos de curas milagrosas de dores de dentes.
As lendas referentes a galinhas são bastante difundidas. Conta-se que uma senhora
ofereceu uma galinha ao monge, que não aceitou o presente por ele ter sido dado
antes ao diabo. A mulher teria se referido à ave como “galinha do diabo” ao ter esta
sujado seu vestido no caminho para a pousada de João Maria, ou praguejado dizendo
“que o diabo a carregue”, por não ter conseguido pegar no terreiro, só o fazendo horas
depois. É interessante notar, como o faz Oswaldo Cabral, que essa lenda já teria se referido
anteriormente a outras pessoas.
Igualmente se conta a lenda da batata. João Maria teria sido convidado a comer
batata-doce com leite com uma família, a qual havia incumbido uma escrava de colhê-las.
A escrava teria dito que a maior seria dela e não do velho mendigo. Na hora do jantar,
todas as batatas da mesa, o monge se recusou a comer a melhor das batatas-doces, por
já possuir dono.
Pernoitando na dita fazenda, pediu ao amanhecer um cavalo ou burrico, para
atender ao chamado de um doente distante. Pedindo um animal manso, foi lhe dado um manco, o qual na volta da jornada não portava nenhuma deficiência no andar. João
Maria teria debelado, ainda, uma epidemia de varíola em Rio Negro, afastando a peste
com rezas e com 14 cruzes plantadas como Via Sacra na cidade. Ainda hoje existe uma
das cruzes na cidade: chama-se cruz de Mafra.
As lendas relativas ao desaparecimento ou morte do monge dão conta que ele
teria dito que ao final de sua peregrinação iria para o morro do Taió, região que se sabia
habitada por índios hostis, os botocudos. Após a sua morte, seu espírito teria aconselhado
um viajante de Guarapuava que foi à sua procura no morro.
Outra tradição diz que morreu de velhice em Araraquara (SP), ou que foi encontrado
agonizante próximo aos trilhos da estrada de ferro perto de Ponta Grossa. A crença
mais difundida é, no entanto, que não teria morrido. Após jejuar por 48 horas no Taió,
o monge teria sido levado por dois anjos para o céu. Em outra hipótese, seu corpo teria
se envolvido em luz tão forte que o fez desaparecer, deixando uma marca vermelha no
chão, que os incrédulos confundiam com sangue.
Criações do povo, estas lendas formam um conjunto de crenças que demonstram
o caráter mágico de sua apreensão da realidade, indubitavelmente belas como demonstração
de mentes criadoras. Vejamos algumas que permanecem na tradição de alguns
outros municípios paranaenses. São João Maria Antonio Olinto
qqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqq
SSão João Maria era um santo andarilho. São João Maria andou por muitas
cidades do nosso Estado; até em Antonio Olinto ele passou e deixou
sua marca para sempre, que são as cruzes. Dizem que essas cruzes e uns
pocinhos feitos em pedras existem em várias comunidades.
No Butiá existem esses pocinhos e muitas pessoas, até os dias de hoje, vão até lá para
rezar, tomar água, passar nas dores. Alguns batizam seus filhos, com muita fé em São
João Maria. Lenda de São João Maria Campo Do Tenente
qqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqq
NNos primeiros anos do século XX, em data incerta, constitui-se parte das
lendas locais um monge chamado São João Maria, que peregrinava pelo
sertão afora propagando palavras divinas.
Conta-se que em um momento de descanso o monge saciava a sua sede
num riozinho que corta a nossa cidade. Confundia-se com um verdadeiro andarilho, pois
andava mal-trajado, barbas longas e cabelos descuidados. A molecada, num gesto de provocação
e malcriação atirou-lhe pedras; o que deixou o monge extremamente irritado.
Por isso, ele rogou uma praga: “esta cidade se desenvolverá somente de um
lado do rio e o outro estará fadado a um futuro sem prosperidade”. Misteriosamente a
profecia vem se realizando, pois a cidade de Campo do Tenente está crescendo somente
para o lado abençoado e apontado pelo monge.
viu-se sacudido por alguns movimentos populares. De norte a sul surgiram
manifestações de cunho religioso, como se o país despertasse de uma
enorme letargia.
Conselheiros no nordeste brasileiro (como Antônio Conselheiro, de Canudos, na Bahia) e
monges nos sertões meridionais, vários personagens cruzavam os campos de lado a lado,
medicando e aconselhando os caboclos, granjeando fama de milagrosos e poderosos.
No interior do Paraná, uma figura que aparecia envolta em mistério, antes e durante os
conflitos pela posse da terra na região sul do estado, na divisa contestada por Santa
Catarina, foi um andarilho conhecido como o Monge da Lapa. Na verdade, foram três os
monges que freqüentaram a região, em momentos críticos da história de nosso país.
O primeiro surgiu em meados do século XIX, na década de 40, pouco depois das
revoltas liberais que sacudiram o Brasil e pouco antes do término da Guerra dos Farrapos.
O segundo marcou sua presença nos anos próximos à abolição da escravidão e do advento
da República; em meio à Revolução Federalista temos o seu primeiro registro concreto.
Finalmente, José Maria, o terceiro monge, surgiu em 1912, quando a Primeira República
incentivava largamente a imigração e a construção de estradas de ferro, com contratos
altamente vantajosos para as construtoras.
Entre os dois primeiros existia uma forte semelhança no proceder, a ponto de
serem considerados uma só pessoa. “Num dos retratos que corre como sendo do ‘santo’,
estampa-se a legenda: ‘João Maria de Jesus, profeta com 188 anos’ - como que a afirmar
que os dois foram um só”.
As explicações de ambos terem utilizado o mesmo nome aparecem na obra de
Oswaldo Cabral, quando o autor aponta as razões de tal procedimento. “O povo chamava
todos os monges de João Maria. Não sendo João Maria não seria monge” Ao assumir o nome de seu predecessor, João Maria de Jesus não forçava, ao
ver de Cabral, uma impostura, mas assumia para si a memória de santidade do primeiro
monge. Místico também, ele encontrava assim uma melhor forma de penetração junto
às populações interioranas. A mudança do nome marca o início de uma transformação
na vida.
Apesar de utilizar os dois primeiros nomes de João Maria de Agostini, nunca tomou
o último nome deste, do mesmo modo que nunca afirmou ser o mesmo que percorreu
os sertões em meados do século XIX. Afinal, o santo dos sertanejos não era de Agostini
ou de Jesus, “... há apenas um João Maria, e não só o João Maria do Contestado, mas o
querido João Maria da devoção popular”.
Várias são as lendas que permanecem na memória de moradores do interior
paranaense e que acabaram por conquistar as cidades, localizando-se em diversas camadas
da população, trazidas pelo êxodo rural. Muitas das localidades de Santa Catarina,
apontadas a seguir, pertenciam ao território do Paraná e foram repassadas ao estado
vizinho após acordo que ratificou a divisão da região contestada, à época do presidente
Wenceslau Braz, em 1916.
São lendas que dizem respeito à origem dos monges, lendas sobre profecias,
punições, milagres e prodígios e finalmente lendas relativas ao fim dos monges. Estas
lendas confundem os monges que as praticaram ou sofreram, sendo atribuídas ao monge
simplesmente. Este caráter dúbio é parte da própria estrutura das lendas.
Sobre a origem do monge, do porquê de sua peregrinação pelo sertão, a mais
rica lenda que encontramos é a de que sendo cristão, abandonou a religião para se casar
com uma moura e combateu o exército expedicionário francês. Sendo feito prisioneiro,
após a morte de sua esposa, conseguiu fugir e no Egito teve a visão do apóstolo Paulo,
que o mandou peregrinar 14 anos (ou 40 em outra versão) pelo mundo, reconvertendo-se
assim ao cristianismo. Sua cidade de origem seria, neste caso, Belém, na Galiléia.
Outras lendas davam conta de ser o monge um criminoso, não se dizendo o crime,ou que tivesse seduzido uma religiosa, que teria falecido na viagem para a América. Sua
penitência seria vagar solitário pelos sertões. Existe também aquela que dizia ser o monge
um apátrida, nascido no mar, de pais franceses, tendo sido criado no Uruguai.
As lendas sobre profecias são também bastante extensas, a começar de seu próprio
desaparecimento, quando terminasse sua missão, no morro do Taió, hoje território
de Santa Catarina. Previu o aparecimento de uma cidade no local em que estava, o que
efetivamente se deu após a definição do litígio sobre a fronteira; seu nome, segundo o
monge, seria Santa Cruz, e a cidade chamou-se Cruzeiro e hoje é o município de Joaçaba, SC.
Teria previsto o advento da República alguns anos antes. Previu também os
trens e os aviões, no estilo dos antigos profetas. “Linhas de burros pretos, de ferro,
carregarão o pessoal”. Depois deles, as guerras com as derrotas sucessivas dos sertanejos
e “gafanhotos de asas de ferro, e estes seriam os mais perigosos porque deitariam as
cidades por terra”.
Chegando a uma casa onde uma mãe acabara de dar à luz, reclamou o batismo
da criança recém-nascida e somente depois lhe foi contado que a parturiente havia feito
promessa de dar o nome de João Maria e convidar o monge para padrinho, se fosse feliz
na hora do nascimento.
O primeiro monge teria previsto que outros o seguiriam, enquanto o segundo
teria indicado a guerra que se avizinhava (a guerra do Contestado), onde os seus seriam
dizimados.
As lendas de caráter punitivo são muitas, que contrastam com a imagem bondosa
do monge. De modo geral, são castigos para aqueles que, desdenhando de sua santidade,
não respeitaram regras estabelecidas por ele.
Existem as histórias relativas ao queijo. Conta-se que pedindo um pedaço de
queijo em uma fazenda, este lhe foi negado, tendo então repetido a profecia feita para
Canoinhas, anunciando o fim da prosperidade da fazenda.
Conta-se que uma senhora querendo dar ao monge um queijo, tendo falado a este
respeito com seu marido, ordenou-lhe este que lhe fosse dado um outro menor versão diz menor e podre). Segundo uma narrativa teria o monge aceitado apenas um
pequeno pedaço do queijo, jogado fora mais da metade, por adivinhar a má vontade do
dono. Outros comentam que sendo podre o queijo, João Maria o levou e escondeu sob
uma pedra, ou o esmigalhou no pasto, ainda dentro da propriedade do tal fazendeiro.
Em todos os casos, a prosperidade da fazenda desandou, chegando, em uma das versões,
toda a família à loucura, ou morrendo o fazendeiro na mais miserável pobreza.
Às regiões de pouca fé do povo, predisse pragas, dizendo que aqueles que quisessem
salvar suas roças deveriam plantar aquilo que desse sob a terra (tubérculos) - o
que realmente aconteceu em Taquara Verde, município de Porto União, SC. Predisse que
a localidade de Vila Nova do Timbó, por seu povo ateu, se transformaria num porungal,
ou seja, suas terras perderiam a fertilidade. O lugarejo teria realmente regredido.
Ao ser preso na Lapa, predisse castigos dos céus e um violento temporal sobre
a cidade. Em duas cidades diferentes, Hamburgo Velho (RS) e outra do Paraná, ao ser
apedrejado por crianças que o tomavam por mendigo, perdoou às crianças, mas disse,
serenamente, que as cidades seriam apedrejadas como ele. Em ambos os casos, dias
depois, uma chuva de granizo arrasou as plantações, castigando a cidade. Tal evento
teria também acontecido na Lapa.
Com relação às fontes, contam-se duas lendas de caráter punitivo. Uma seria uma
água abençoada por ele, com a previsão de que não se entrasse na fonte para se banhar.
Duas prostitutas, tendo ignorado o aviso, banharam-se para curar algumas feridas, o que
provocou o ressecamento imediato da fonte.
Nas proximidades da Lapa, uma família tendo comprado uma propriedade, que
tinha em suas terras uma fonte benzida, e não crendo no poder da água santa, cercou a
área, proibindo a entrada de intrusos. Ao mesmo tempo, ateou fogo ao cruzeiro e ao pinheiro
que havia no pouso. Como resultado, perdeu todas as suas posses e ficou louca.
As lendas sobre milagres e prodígios fazem parte do maior grupo conhecido.
Existia a crença de que em meio às tempestades, o monge permanecia sentado ao relento,
mas que não se molhava, bem como nos lugares de determinadas cruzes.Conta-se também que podia estar em dois lugares diferentes, orando em sua
gruta e ao lado de uma doente que invocava por ele. Conta-se que podia ficar invisível
aos seus perseguidores, atravessar a pé sobre as águas dos rios, e que suas cruzes cresciam
– não só o corpo, como também os braços – ou brotavam 40 dias após o monge
tê-las levantado.
Bastões, com a “medida do monge”, fincados em cada extremo de uma fazenda
protegiam o gado contra doenças. As velas, feitas na medida do palmo do monge, afugentavam
os maus espíritos e acalmavam as tempestades.
Conta-se que o monge era imune aos índios e às feras, não sendo jamais atacado
por elas. Diz-se também que fazia surgir olhos d’água nos lugares onde pousava. Da
mesma maneira, podia se fazer transportar no ar ou desaparecer quando a multidão que
o cercava crescia em demasia.
As curas são constantes em suas lendas. Teria curado adultos e crianças já à
morte com infusões de uma planta chamada vassourinha e rezas. Em Mangueirinha e na
Lapa, se contam casos de curas milagrosas de dores de dentes.
As lendas referentes a galinhas são bastante difundidas. Conta-se que uma senhora
ofereceu uma galinha ao monge, que não aceitou o presente por ele ter sido dado
antes ao diabo. A mulher teria se referido à ave como “galinha do diabo” ao ter esta
sujado seu vestido no caminho para a pousada de João Maria, ou praguejado dizendo
“que o diabo a carregue”, por não ter conseguido pegar no terreiro, só o fazendo horas
depois. É interessante notar, como o faz Oswaldo Cabral, que essa lenda já teria se referido
anteriormente a outras pessoas.
Igualmente se conta a lenda da batata. João Maria teria sido convidado a comer
batata-doce com leite com uma família, a qual havia incumbido uma escrava de colhê-las.
A escrava teria dito que a maior seria dela e não do velho mendigo. Na hora do jantar,
todas as batatas da mesa, o monge se recusou a comer a melhor das batatas-doces, por
já possuir dono.
Pernoitando na dita fazenda, pediu ao amanhecer um cavalo ou burrico, para
atender ao chamado de um doente distante. Pedindo um animal manso, foi lhe dado um manco, o qual na volta da jornada não portava nenhuma deficiência no andar. João
Maria teria debelado, ainda, uma epidemia de varíola em Rio Negro, afastando a peste
com rezas e com 14 cruzes plantadas como Via Sacra na cidade. Ainda hoje existe uma
das cruzes na cidade: chama-se cruz de Mafra.
As lendas relativas ao desaparecimento ou morte do monge dão conta que ele
teria dito que ao final de sua peregrinação iria para o morro do Taió, região que se sabia
habitada por índios hostis, os botocudos. Após a sua morte, seu espírito teria aconselhado
um viajante de Guarapuava que foi à sua procura no morro.
Outra tradição diz que morreu de velhice em Araraquara (SP), ou que foi encontrado
agonizante próximo aos trilhos da estrada de ferro perto de Ponta Grossa. A crença
mais difundida é, no entanto, que não teria morrido. Após jejuar por 48 horas no Taió,
o monge teria sido levado por dois anjos para o céu. Em outra hipótese, seu corpo teria
se envolvido em luz tão forte que o fez desaparecer, deixando uma marca vermelha no
chão, que os incrédulos confundiam com sangue.
Criações do povo, estas lendas formam um conjunto de crenças que demonstram
o caráter mágico de sua apreensão da realidade, indubitavelmente belas como demonstração
de mentes criadoras. Vejamos algumas que permanecem na tradição de alguns
outros municípios paranaenses. São João Maria Antonio Olinto
qqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqq
SSão João Maria era um santo andarilho. São João Maria andou por muitas
cidades do nosso Estado; até em Antonio Olinto ele passou e deixou
sua marca para sempre, que são as cruzes. Dizem que essas cruzes e uns
pocinhos feitos em pedras existem em várias comunidades.
No Butiá existem esses pocinhos e muitas pessoas, até os dias de hoje, vão até lá para
rezar, tomar água, passar nas dores. Alguns batizam seus filhos, com muita fé em São
João Maria. Lenda de São João Maria Campo Do Tenente
qqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqq
NNos primeiros anos do século XX, em data incerta, constitui-se parte das
lendas locais um monge chamado São João Maria, que peregrinava pelo
sertão afora propagando palavras divinas.
Conta-se que em um momento de descanso o monge saciava a sua sede
num riozinho que corta a nossa cidade. Confundia-se com um verdadeiro andarilho, pois
andava mal-trajado, barbas longas e cabelos descuidados. A molecada, num gesto de provocação
e malcriação atirou-lhe pedras; o que deixou o monge extremamente irritado.
Por isso, ele rogou uma praga: “esta cidade se desenvolverá somente de um
lado do rio e o outro estará fadado a um futuro sem prosperidade”. Misteriosamente a
profecia vem se realizando, pois a cidade de Campo do Tenente está crescendo somente
para o lado abençoado e apontado pelo monge.
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