Este é o caso que originou o filme O Exorcismo de Emily Rose
Os padres Ernest Alt e Arnold Renz tinham
uma dolorosa e necessária missão a cumprir. Talvez a simples fé no
Cristo não fosse suficiente para levar a cabo a empreitada. Os padres
sabiam muito bem que teriam de ser fortes. E extremamente corajosos.
Doravante, era o inimigo do Altíssimo que teriam de enfrentar e
combater.
Anneliese Michel tinha visões assustadoras
de faces demoníacas enquanto, ajoelhada, dedicava uma prece ao Senhor.
Vozes invadiam os seus ouvidos com promessas terríveis: a jovem,
distante de qualquer possibilidade de Salvação em Crsisto, queimaria
eternamente no Inferno. Crises de depressões sucediam-se, já que
Anneliese, embora profundamente católica, via crescer em si uma
insuportável intolerância a locais e objetos sagrados.
O que era uma simples conjectura tornou-se,
para os pais daquela jovem de apenas vinte e três anos, uma convicção
inabalável: a filha estava possuída por forças sobrenaturais malignas.
Foto de Anneliese Michel antes da possessão
Anneliese
nascera em 1952, na Baviera, recanto alemão de arraigada tradição
católica. Por volta dos dezesseis anos, desencadeou-se em Anneliese
uma torrente de sintomas que, ao menos na aparência, sugeriam
problemas mentais. A Clínica Psiquiátrica de Würzburg chegou a um
diagnóstico: Anneliese padecia de epilepsia associada à esquizofrenia.
Inciou-se um tratamento intensivo, que durou um ano. Supostamente
recuperada, Anneliese completou o segundo grau. Posteriormente,
ingressou na Universidade de Würzburg, iniciando o curso de
Pedagogia.
Mas
os estudos foram interrompidos. As vozes e visões demoníacas se
tornaram cada vez mais constantes e opressoras. Anneliese assumira um
comportamento agressivo. Consta que a moça “insultava, espancava e
mordia os outros membros da família, além de dormir sempre no chão e se
alimentar com moscas e aranhas, chegando a beber da própria urina.
Anneliese podia ser ouvida gritando por horas em sua casa, enquanto
quebrava crucifixos, destruía imagens de Jesus Cristo e lançava rosários
para longe de si. Ela também cometia atos de auto-mutilação, tirava
suas roupas e urinava pela casa com freqüência” (1).
Anneliese, subjulgada pelas forças malígnas
Frustrado
o tratamento psiquiátrico, os pais de Anneliese buscaram o auxílio da
Igreja. O padre Ernest Alt acompanhou o caso. Em 1974, ele chegou à
conclusão de que havia indícios veementes de possessão demoníaca, o que
requereria a realização de exorcismo. Mas somente em setembro do ano
seguinte o bispo de Wüzburg autorizou o ritual, conforme os
procedimentos previstos no Rituale Romano.
Ao
longo de 67 seções, que se prolongaram por longos nove meses,
realizadas uma ou duas vezes por semana, os padres Ernest e Arnold
pelejaram contra entidades que assumiam a identidade de Lúcifer, Caim,
Judas, Nero, Adolf Hitler e Fleischmann, um bruxo do século XVI. Durante
as sessões, Anneliese, muitas vezes, “tinha que ser segurada por até
três homens ou, em algumas ocasiões, acorrentada” (2). Argumenta-se que
ela “lesionou seriamente os joelhos em virtude das genuflexões
compulsivas que realizava durante o exorcismo, aproximadamente
quatrocentas em cada sessão” (3).
Anneliese
teria relatado um sonho místico no qual dialogara com a Virgem
Maria. A mãe de Jesus teria proposto, à jovem, a seguinte escolha:
liberar-se, em proveito próprio, do terrível jugo demoníaco, ou
continuar imersa no dolososo martírio, mas em nome da fé cristã. A
segunda alternativa seduziu a jovem estudante: ela seria um público
exemplo de que os demônios existem e de que exercem os seus nefandos
poderes no plano terrestre. Argumenta-se que “Anneliese optou pelo
martírio voluntário, alegando que seu exemplo enquanto possessa serviria
de aviso a toda a humanidade de que o demônio existe e que nos ronda a
todos, e que trabalhar pela própria salvação deve ser uma meta sempre
presente. Ela afirmava que muitas pessoas diziam que Deus está morto,
que haviam perdido a fé, então ela, com seu exemplo, lhes mostraria que o
demônio age, e independe da fé das pessoas para isso. (4)”
Anneliese
predissera quando se daria a sua libertação: 1 de julho de 1976.
Consta que, à meia-noite, os demônios finamente abandonaram o corpo da
estudante, deixando-a em paz e livre das convulsões impingidas durante
tantos anos. Exausta, Anneliese adormeceu. E teve, em seqüência, uma
morte tranqüila. Era o fim de um insuportável suplício. “A autópsia
considerou o seu estado avançado de desnutrição e desidratação como a
causa de sua morte por falência múltipla dos órgãos. Nesse dia o seu
corpo pesava pouco mais de trinta quilos. (5)”
Segundo
Elbson do Carmo, após a morte de Anneliese, “seus pais foram
indiciados por homicídio culposo e omissão de socorro, e os dois padres
exorcistas Ernst Alt e Arnold Renz sofreram as mesmas acusações. Os dois
padres foram condenados a seis meses de prisão.” (6) Registra o mesmo
autor que esse fato “chocou a opinião pública alemã, gerando uma enorme
polêmica em toda a Europa, que incluiu a Igreja, os meios acadêmicos e a
justiça em torno da mesma discussão” (7). A história de Anneliese deu
origem a dois filmes, “Requien” – produção alemã – e “O Exorcismo de
Emily Rose” – produção norte-americana dirigida por Scott Derrickson.
Anneliese
Michel é, certamente, um dos mais bem documentados casos de distúrbios
de comportamento ao qual se atribui a ação opressora e letal de
forças malignas incidente sobre a frágil psique humana. E, a
considerar o incontestável rigor que antecede a qualquer autorização
da Igreja Católica para a prática do Rituale Romano, não se pode pôr
em dúvida a materialidade do excêntrico e destrutivo calvário, ou as
implicações místicas que acompanharam o longo sofrimento da estudante
de Wüzburg. Mas se, de fato, possessão houve, isto compõe uma
insondável silhueta que, por se situar no campo metafísico, escapa a
qualquer possibilidade de juízo conclusivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário