“Eis que eu enviarei o meu anjo,
que
vá adiante de ti, e te guarde
pelo
caminho, e te introduza
no
lugar que preparei".
(Ex
23, 20-23)
DEUS, no seu amor infinito pelos homens, entregou
cada um de nós à guarda e cuidado especial de um anjo, que nos acompanha
desde o nascimento até a morte: o Anjo da Guarda. Essa doutrina foi sempre
ensinada pela Igreja (Cf. Catecismo Romano, Parte IV, cap. IX, n. 4.) e se
baseia em testemunhos da Sagrada Escritura e da Tradição — Santos Padres,
Magistério Eclesiástico, Liturgia.
As Escrituras e
os Santos Padres
O Antigo Testamento faz contínuas referências a
esses anjos que nos servem de protetores. Mais do que nos ensinar
explicitamente tal verdade, parece dá-la por suposta em suas narrações. Jacó
ao abençoar seus netos, filhos de José, diz: “Que o anjo que me livrou de
todo o mal, abençõe estes meninos” (Gen 48, 16). Nas palavras seguintes de
Deus a Moisés encontramos os múltiplos ofícios que incumbem ao Anjo da
Guarda, de proteção e de conselho: “Eis que eu enviarei o meu anjo, que vá
adiante de ti, e te guarde pelo caminho, e te introduza no lugar que
preparei. Respeita-o, e ouve a sua voz, e vê que não o desprezes; porque ele
não te perdoará se pecares, e o meu nome está nele. Se ouvirdes a sua voz, e
fizerdes tudo o que te digo, eu serei inimigo dos teus inimigos, e afligirei
os que te afligem. E o meu anjo
caminhará adiante de ti" (Ex 23,20-23). Por meio do profeta Baruc, Deus
comunica a Israel: “Porque o meu anjo está convosco, e eu mesmo terei cuidado
das vossas almas" (Bar 6,6). O Salmo 90 exprime, com muita poesia, a
solicitude de Deus para conosco, por meio do Anjo da Guarda: “O mal não virá
sobre ti, e o flagelo não se aproximará da tua tenda. Porque mandou (Deus) os
seus anjos em teu favor, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te
levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra” (SI 90,
10-12). E outro Salmo proclama: “O anjo do Senhor assenta os seus
acampamentos em volta dos que o temem, e os liberta” (SI 33, 8).
Lançado na cova dos leões, por intriga de
invejosos, Daniel foi socorrido por um anjo: “O meu Deus enviou o seu anjo, e
fechou as bocas dos leões e estes não me fizeram mal algum” (Dan 6, 21).
Fala-se, no Livro dos Reis, de um exército de carros que cercavam o profeta
Eliseu (4 Reis 6, 14-17). São Tomás vê aí uma imagem do poder dos Anjos
Custódios e a preponderância dos anjos bons sobre os maus. São inúmeras as
passagens do Antigo Testamento que fazem referência à doutrina sobre os Anjos
da Guarda. Em nenhuma, porém, a solicitude dos anjos para com os homens fica
tão patente como no livro de Tobias.* E por isso que ele é muito citado
sempre que se trata da matéria.
*Este
livro da Sagrada Escritura é todo ele rico de ensinamentos sobre esta
doutrina, de maneira que não basta transcrever aqui uma ou outra passagem
dele; assim, convida-mos o leitor a lê-lo diretamente na Bíblia.
Esse
ensinamento se torna mais preciso no Novo Testamento, onde a existência do
Anjo da Guarda é confirmada pelo próprio Salvador. Aos seus discípulos,
advertindo-os contra os escândalos em relação às crianças, diz: “Vêdes que
não desprezeis a um só destes pequeninos, pois eu vos declaro que os seus
anjos vêem continuamente a face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 10).
Essas palavras deixam claro que mesmo as crianças pequenas têm seus Anjos
Custódios, como também que estes anjos mantém a visão beatífica de Deus ao
descer à terra para atender e proteger a seus custodiados. Também São Paulo
se refere ao papel protetor dos anjos em relação aos homens: “Não são eles
todos espíritos a serviço de Deus mandados para exercer o ministério a favor
dos que devem obter a salvação?” (Heb 1, 14).
Os Santos
Padres ensinam desde cedo essa doutrina
São Basílio (329-379), entre os gregos, afirma:
“Que cada qual tenha um anjo para o dirigir, como pedagogo e pastor, é o
ensinamento de Moisés” (Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et leur mission, p.
93. ).
E, entre os latinos, São Jerônimo (342-420) assim
comenta passagem de São Mateus (18, 10), acima citada, sobre os anjos das
crianças: “Isto mostra a grande dignidade das almas, pois cada uma tem, desde
o nascimento, um anjo encarregado de sua guarda" (Comm. in Evang. 5. Matth., lib. III, ad cap. XVIII, 10 Apud Card. P. GA5PARRI
Catechisme Catholique pour Adultes, p. 346.)
A crença na existência e atuação dos Anjos da
Guarda está tão firmemente estabelecida na tradição da Igreja, que desde
tempos imemoriais foi instituída uma festa especial em louvor deles (2 de
outubro).
O ensinamento
dos teólogos
A partir dos dados da Sagrada Escritura e da
Tradição, teólogos foram explicitando ao longo dos séculos uma doutrina
sólida e coerente sobre os Anjos da Guarda. O príncipe dos teólogos, São
Tomás de Aquino, na sua célebre Suma Teológica, (Suma Teológica, 1,q.
113.) expõe largamente essa doutrina.
O santo Doutor justifica a existência dos Anjos da Guarda pelo princípio de
que Deus governa as coisas inferiores e variáveis por meio das superiores e
invariáveis. O homem não só é inferior ao anjo, mais ainda está sujeito a
instabilidades e variações por causa fraqueza de seu conhecimento, das
paixões, etc. Assim, ele é governado e amparado pelos anjos, que servem como
instrumentos da providência especial de Deus para com os homens. A função
principal do Anjo da Guarda é iluminar-nos em relação a verdade, à boa doutrina;
mas sua custódia tem também muitos efeitos, tais como reprimir os demônios e
impedir que nos sejam causados outros danos espirituais ou corporais. Cada
homem tem um anjo especialmente encarregado de guardá-lo, distinto do das
coletividades humanas de que façam parte.
Estas têm anjos especiais para custodiá-las; enquanto os anjos dos
indivíduos pertencem ao último coro angélico, o das coletividades ou
instituições podem fazer parte dos coros e hierarquias superiores. Como há
vários títulos pelos quais um homem necessita ser especialmente protegido (ou
seja, considerado enquanto particular ou como ocupando um cargo ou função na
Igreja a ou na sociedade), um mesmo homem pode ter vários anjos para
custodiá-lo. A Virgem Santíssima, Rainha dos Anjos, teve também não um, mas
os Anjos da Guarda. Enquanto homem, Jesus teve Anjos da Guarda; não
evidentemente para protegê-Lo, pois o inferior não guarda o superior, mas
para servi-Lo. Mesmo os infiéis têm Anjos da Guarda e até o Anti-Cristo o
terá. O Anjo da Guarda nunca abandonará o homem, mesmo após a morte, se ele
for para o Paraíso, pois a custódia angélica é parte da providência especial
de Deus para com o homem, o qual jamais estará totalmente privado da
providência divina. Embora estejam normalmente no Céu, contemplando a Deus,
os Anjos da Guarda conhecem tudo o que se passa na terra com seus protegidos;
podem, então, quase imediatamente, passar de um lugar ao outro para
protegê-los ou influenciá-los beneficamente.
Santo Agostinho pergunta: “Como podem os anjos
estar longe, quando nos foram dados por Deus para ajudar-nos?” E
responde: “Eles não se apartam de nós,
embora aquele que é assaltado pelas tentações pense que estão longe”. (Apud
A. J. MacINTYRE, Os anjos, urna realidade admirável p. 321. )
Os Anjos Custódios nunca estão em oposição ou
divergência real entre si. O relato bíblico da luta entre o anjo da Pérsia e
o anjo Protetor dos Judeus (cf. Dan 10, 13-21) em que o primeiro queria reter
os hebreus na Babilônia e o segundo desejava conduzi-los de volta à sua
pátria encontra a seguinte explicação: às vezes Deus não revela aos anjos os
méritos ou os deméritos das diversas nações ou indivíduos que eles custodiam.
Enquanto não conhecem com certeza a vontade divina, os Anjos da Guarda
procuram, santamente, proteger de todas as formas os que estão sob a sua
proteção, mesmo contrariando os desejos de outros Anjos Custódios. Mas logo
que a vontade de Deus fica clara para eles, todos se submetem pressurosos,
pois o que desejam sempre é fazer a vontade divina.
Do mesmo modo que os homens, também as
instituições, os povos e os países contam com um anjo especialmente
encarregado de velar por eles. Essa doutrina tem base nas palavras da Sagrada
Escritura, onde é dito que um anjo conduzia o povo judeu pelo deserto (Ex
23,20), e também na passagem já referida sobre a luta entre o anjo dos Judeus
e o anjo dos Persas (Dan 10, 13-21).
É também o que ensina São Basílio: “Entre os
anjos, uns são prepostos às nações; os outros são companheiros dos fiéis”. (Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et leur Mission, p. 93. )
São Miguel Arcanjo era o protetor de Israel
enquanto povo eleito (Dan 10, 13-21); atualmente ele é o protetor do novo
povo de eleição, a Igreja. As aparições de Nossa Senhora em Fátima foram
precedidas pela do Anjo de Portugal.
Efeitos da
custódia dos anjos
Os efeitos da custódia dos anjos são, uns
corporais, outros espirituais, ordenados, uns e outros, à salvação eterna do
homem. Os efeitos são corporais, na medida em que impedem ou livram dos
perigos ou males do corpo, ou auxiliam os homens nas questões materiais,
conforme consta no livro de Tobias (cap. 5 e seguintes). E são espirituais,
sempre que os anjos nos defendem contra os demônios (Tob 8, 3); rezam por nós
e oferecem nossas preces a Deus, tornando-as mais eficazes pelas sua
intercessão (Apoc 8, 3; 12); nos sugerem bons pensamentos, incitando-nos
assim a fazer o bem (At 8, 26; 10, 3ss),* por meio de estímulos da imaginação
ou do apetite sensitivo; do mesmo modo, quando nos infligem penas medicinais
para nos corrigir (2 Reis 24, 16); ou ainda, na hora da morte, fortalecem-nos
contra o demônio; os anjos conduzem diretamente para o Céu as almas daqueles
que morrem sem precisar passar pelo Purgatório, e levam para o Paraíso as
almas que já passaram pela purgação necessária; eles também visitam as almas
do Purgatório para as consolar e fortalecer, esclarecendo-as glória do céu,
etc.
*Há vários
exemplos disso na Sagrada Escritura:
Os Atos dos Apóstolos relatam a aparição de um
anjo ao Centurião Cornélio, homem religioso e temente a Deus, para instruí-lo
sobre como proceder para conhecer a verdadeira religião: "Este
(Cornélio) viu claramente numa visão que um anjo de Deus se apresentava
diante dele, e lhe dizia: Cornélio ... as tuas orações e as tuas esmolas
subiram como memorial à presença de Deus. E agora envia homens a Jope a
chamar um certo Simão que tem por sobrenome Pedro ... ele te dirá o que deves
fazer" (At 10, 1-6). E nos mesmos Atos se lê como um anjo inspira São
Filipe Diácono a desviar-se de seu caminho, para fazê-lo encontrar-se com o
ministro da Rainha Candace, da Etiópia, e batizá-lo, depois de instruí-lo na
doutrina cristã (At 8, 26). A custódia dos anjos nos livra de inúmeros
perigos tanto para a alma como para o corpo. Entretanto, ela não nos livra de
todas as cruzes e sofrimentos desta vida, que Deus nos manda para nossa
provação e purificação; nem daquelas tentações que Deus permite para que
mostremos nossa fidelidade. Porém eles sempre nos ajudam a tudo suportar com
paciência e vencer com perseverança. Às vezes parece que os anjos não nos
estão atendendo; é preciso então rezar com mais insistência até que esse
socorro se perceba. Mas pode ocorrer de não sermos ouvidos, não porque faltem
aos anjos poder ou desejo de nos ajudar, mas é que aquilo que estamos pedindo
não é o melhor para a nossa eterna salvação, que é o que antes de tudo eles
procuram.
Nossos deveres
em relação aos Santos Anjos Custódio
São Bernardo resume assim nossos deveres em
relação aos nossos Anjos da Guarda:
a. Respeito pela sua presença. Devemos evitar
tudo o que pode contristar um espírito assim puro e santo. Sobretudo, evitar
o pecado.
“Como te atreverias — interpela o santo Doutor —
a fazer na presença dos anjos aquilo que não farias estando eu diante de
ti?"
b. Confiança na sua proteção. Sendo tão poderoso
e estando continuamente diante de Deus, e ao mesmo tempo conhecendo as nossas
necessidades, como não confiar na sua proteção? A melhor maneira de provar
essa confiança é recorrer a ele pela oração nos momentos difíceis,
especialmente nas tentações.
c. Amor e reconhecimento por sua proteção.
Devemos amá-lo como a um benfeitor, um amigo e um irmão, e ser agradecidos
pela sua proteção diligentíssima.
“Sejamos, pois, devotos” — escreve o mesmo São
Bernardo. “Sejamos agradecidos a guardiões tão dignos de apreço,
correspondamos a seu amor, honremos-lhe quanto possamos e quanto devemos!” (
Apud Jesus VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo — Introducciones, p.
930. )
A oração por excelência para invocar e honrar o
Anjo da Guarda da é o Santo anjo do Senhor:
“Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já
que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, guarda, governa e
ilumina".
Os Três Gloriosos Arcanjos
"Eis que
veio em meu socorro Miguel,
um dos
primeiros príncipes".
(Dan 10, 13)
“Eu sou
Gabriel, que assisto
diante (do
trono) de Deus".
(Lc 1, 19,)
“Eu sou o anjo
Rafael, um dos sete
que assistimos
diante do Senhor”.
(Tob 12, 15)
A Igreja e o povo fiel veneram de modo especial
os três gloriosos Arcanjos — São Miguel, São Gabriel e São Rafael. Embora
eles sejam comumente chamados de Arcanjos, segundo teólogos e comentaristas
das Escrituras, eles certamente pertencem ao primeiro dos coros angélicos, o
dos Serafins.
São Miguel:
“Quem é como Deus?”
Em hebraico: mîkâ’êl, que significa: “Quem (é)
como Deus?” As Escrituras se referem nominalmente ao Arcanjo São Miguel em
quatro passagens: duas delas na profecia de Daniel (cap. 10, 13 e 21; e ap.
12, 1); uma na Epístola de São Judas Tadeu (cap. único, vers. 9 ) e
finalmente no Apocalipse (cap. 12, 7-12). No livro de Daniel o Santo Arcanjo
aparece como “príncipe e protetor de Israel”, que se opõe ao “príncipe” ou
celestial protetor dos persas.* Segundo São Jerônimo e outros comentadores, o
anjo protetor da Pérsia teria desejado que ficassem ali alguns judeus para
mais dilatarem o conhecimento de Deus; porém São Miguel teria desejado e
pedido a Deus que todos os judeus voltassem logo para a Palestina, a fim de
que o templo do Senhor fosse reconstruído mais depressa. Essa luta espiritual
entre os dois anjos teria durado vinte e um dias.
* Nas escrituras os anjos são chamados com
freqüência príncipes.
São Judas, na sua Epístola, alude a uma disputa
de São Miguel com o demônio sobre o corpo de Moisés: o glorioso Arcanjo, por
disposição de Deus, queria que o sepulcro de Moisés permanecesse oculto; o
demônio, porém, procurava tomá-lo conhecido, com o fim de dar aos judeus
ocasião de caírem em idolatria, por influência dos povos pagãos
circunvizinhos. No Apocalipse, São João apresenta São Miguel capitaneando os
anjos bons em uma grande batalha no céu contra os anjo rebeldes chefiados por
Satanás, ali chamado dragão:
“E houve no céu unia grande batalha: Miguel e os
seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão e seus anjos pelejavam
contra ele; porém, estes não prevaleceram, e o seu lugar não se achou mais no
céu. E foi precipitado aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se
chama demônio e Satanás, que seduz todo o mundo; e foi precipitado na terra, e
foram precipitados com seus anjos” (Apoc 12, 7-12). A Igreja não definiu nada
de particular sobre São Miguel, mas tem permitido que as crenças nascidas da
tradição cristã a respeito do glorioso Arcanjo tenham livre curso na piedade
dos fiéis e na elaboração dos teólogos. A primeira crença é a de que São
Miguel era, no Antigo Testamento, o defensor do povo escolhido — Israel; e
hoje o é do novo povo escolhido — a Igreja. Tal piedosa crença está em
consonância com o que é dito no livro de Daniel: “Eis que veio em meu socorro
Miguel, um dos primeiros príncipes. ... Miguel. que é o vosso príncipe” —
isto é, dos judeus (10, 13 e 21). “Se levantará o grande príncipe Miguel, que
é o protetor dos filhos do teu povo” — de Israel (12, 1). Essa crença é muito
antiga, sendo já confirmada pelo Pastor de Hermas, célebre livro cristão do
século II, no qual se lê: “O grande e digno Miguel é aquele que tem poder
sobre este povo” (os cristãos). Ademais, tal crença é partilhada pelos
teólogos e pela própria Igreja, que a manifesta de muitas maneiras.
A segunda crença geral é a de que São Miguel tem
o poder de admitir ou não as almas no Paraíso. No Oficio Romano deste Santo
no antigo Breviário, São Miguel era chamado de “Praepositus paradisi” —
“Guarda do paraíso”, ao qual o próprio Deus se dirige nos seguintes termos:
“Constitui te Principem super omnes animais suscipiendas” — “Eu te constituí
chefe sobre todas as almas a serem admitidas”. E na Missa pelos defuntos
rezava-se: " Signifer Sanctus Michael representet eas in lucem sanctam”
— "O ' Porta-estandarte São Miguel, conduzi-as à luz santa”.
A terceira crença, ou melhor, opinião, é a de que
São Miguel ocupa o primeiro lugar na hierarquia angélica. Sobre este ponto há
divergência entre os teólogos, mas tal opinião tem a seu favor vários Padres
da Igreja gregos e parece ser corroborada pela liturgia latina, que se
referia ao glorioso Arcanjo como "Princeps militiae coelestis quem
honorificant coelorum cives” — "Príncipe da milicia celeste, a quem
honram os habitantes do Céu"; e pela liturgia grega que o chama
“Archistrátegos “, isto é, "Generalíssimo."
O grande comentador das Sagradas Escrituras, Pe.
Cornélio a Lapide, jesuíta do século XVI, escreve:
"Muitos julgam que Miguel, tanto pela
dignidade de natureza, como de graça e de glória é absolutamente o primeiro e
o Príncipe de todos os anjos. E isso se prova, primeiro, pelo Apocalipse (12,
7), onde se diz que Miguel lutou contra Lúcifer e seus anjos, resistindo à
sua soberba com o brado cheio de humildade: 'Quem (é) como Deus?’ Portanto,
assim como Lúcifer é o chefe dos demônios, Miguel o é dos anjos, sendo o
primeiro entre os serafins. Segundo, porque a Igreja o chama de Príncipe da
Milícia Celeste, que está posto à entrada do Paraíso. E é em seu nome que se
celebra a festa de todos os anjos. Terceiro, porque Miguel é hoje ao cultuado
como o protetor da Igreja como outrora o foi da Sinagoga. Finalmente, em
quarto lugar, prova-se que São Miguel é o Príncipe de todos os anjos, e por
isso o primeiro entre os Serafins, porque diz São Basílio na Homilia De
Angelis: ‘A ti, ó Miguel, general dos espíritos celestes, que por honra e
dignidade estais posto à frente de todos os outros espíritos celestiais, a ti
suplico...' ". (Cornélio A LAPIDE, Commentaria in Scripturam Sacram, t.
13, pp. 112-114 )
O mesmo dizem inúmeros outros autores, entre os
quais São Roberto Bellarmino.
Na Idade Média, São Miguel era padroeiro especial
das Ordens de Cavalaria, que defendiam a Cristandade contra o perigo metano.
São Gabriel:
“Força de Deus”
Em hebraico: gabrî’êl, que quer dizer: “Homem de
Deus" ou “Deus se mostrou forte” ou, ainda, “Força de Deus". O
próprio Arcanjo disse a Zacarias: “Eu sou Gabriel que assisto diante (do
trono) de Deus” (Lc 1, 29). Isto leva a crer que se trata de um dos primeiros
espíritos angélicos. O já citado Cornélio a Lápide argumenta do seguinte
modo, para comprovar esta opinião:
1. Se os Serafins alguma vez são enviados por
Deus em missão junto aos homens, um deles devia ser enviado à Mãe do Redentor
para anunciar o insigne mistério da Encarnação do Verbo. Não somente pela
excelsitude de tal mistério, mas porque a Santíssima Virgem supera a todos os
coros de anjos em dignidade e graça.
2. Ora, São Paulo, na Epístola aos Hebreus (1,
14), afirma que Deus pode enviar como mensageiro um anjo de qualquer
hierarquia: “Porventura não são todos esses espíritos uns ministros ( de
Deus) enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão de
receber a herança da salvação?”
3. Logo, deve-se crer que São Gabriel pertence à
mais alta categoria angélica, isto é, ao coro dos Serafins. (Cornélio A
LAPIDE, Commentaria in Scripturam Sacram, t. 13, pp. 142-143 )
São Gabriel, o Anjo da Encarnação, é considerado
igualmente como o Anjo da Consolação e da Misericórdia; mas, de com o
significado de seu próprio nome, representa o poder de Deus. É por isso que
as Escrituras, ao referir-se a ele, utilizam expressões como poder, força,
grande, poderoso (cf. Dan 8-10). A tradição judaica atribuía a esse glorioso
Arcanjo a destruição de Sodoma ( cf. Gen 19, 1-29), bem como o ter marcado
com um Tau a fronte dos eleitos (Ez 9, 4); e apresentava-o como o Anjo do
Julgamento Final.
A tradição cristã vê nele o anjo que apareceu aos
pastores para anunciar o nascimento do Salvador (Lc 2, 8-14), e a São José,
em sonhos, para explicar a concepção virginal de Maria Santíssima (Mt 1,20).
Teria sido ele também quem confortara Jesus em sua agonia no Horto (cf. Hino
de Laudes do dia 24 de março).
São Rafael:
“Medicina de Deus”
Em hebraico: refâ’êl, cujo sentido — é igual a:
“Deus curou” ou "Medicina de Deus”.
Ele próprio revelou sua elevada hierarquia,
depois de ajudar o jovem Tobias, que cria estar em presença de um simples
homem: "Eu sou o anjo Rafael, um dos sete (espíritos principais) que
assistimos diante do Senhor” (Tob 12, 15).
Cornélio a Lapide também considera o Arcanjo São
Rafael Serafim. (Cornélio A LAPIDE, Commentaria in, Scripturam Sacram, t. 4,
p. 282.) Este insigne Arcanjo é protetor especial contra o demônio, padroeiro
e guia dos viajantes, sanador dos enfermos.
Todos esses ofícios estão amplamente ilustrados
no livro de Tobias: ele protege na viagem o jovem Tobias (caps. 5 a 10); restitui a vista ao
velho Tobias, mediante a aplicação do fel de um peixe (cap. 11, 13-15); livra
o jovem Tobias e Sara das insídias do demônio, mediante a fumaça das vísceras
do mesmo peixe, e encadeia o demônio no deserto do Egito (cap. 8, 2-3);
apresenta as boas obras e as orações do velho Tobias a Deus (cap. 12, 12).
Devoção aos Santos Anjos
"Formamos com os anjos
uma única
cidade de Deus...”.
(Santo
Agostinho)
A DEVOÇÃO AOS SANTOS ANJOS é uma
dessas devoções quase espontâneas do povo cristão.
A legitimidade do culto aos anjos constitui uma
verdade de fé, afirmada pelo Magistério ordinário da Igreja, interpretante da
Tradição: condenação dos iconoclastas no século V pelo 2° Concílio de Nicéia,
e dos protestantes no século XVI pelo Concílio de Trento.
Origem e
desenvolvimento da devoção aos anjos
Entre os judeus
e na Antiguidade cristã
Com exceção dos saduceus, que não criam neles, ( “Os
saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjos, nem espírito" ( At
23,8) ) essa devoção já existia entre os judeus, que veneravam
particularmente o “grande príncipe Miguel”, protetor dos filhos do povo de
Israel (Dan 12, 1). Nos primeiros tempos do Cristianismo essa devoção não era
muito acentuada em razão do paganismo ainda dominante na sociedade, que podia
levar os gentios neo-convertidos a confundirem os espíritos celestes com os
gênios — espécies de divindades menores falsamente cultuadas por certas
religiões —, o que equivaleria a cair no politeísmo pagão. Porém, já no
século II, São Justino e Atenágoras dão testemunho sobre o culto cristão aos
santos anjos. Dídimo Alexandrino (+ 395) atesta que desde os primórdios do
Cristianismo surgiram igrejas e oratórios consagrados a Deus sob a invocação
dos arcanjos.
Santo Ambrósio (séc. IV) já exortava os fiéis:
“Os anjos devem ser invocados por nós, pois para nossa proteção nos foram
dados". (De Viduis, cap. IV, 55; PL 16, 264c Apud Mons. F. TINELLO, La devozione
agli angeli, col. 1252.)
E Santo Agostinho ensinava: “Formamos com os
anjos uma única cidade de Deus ... da qual uma parte somos nós, peregrinos
por este mundo, e a outra, que são os anjos, está sempre pronta a
socorrer-nos.
"Se aquele, junto de quem devemos exercer
obras de misericórdia do qual as recebemos, com razão se chama nosso próximo
que no preceito a nós imposto de amar o próximo estão incluídos os anjos, dos quais todos os dias
recebemos tantos e tão insignes atos de misericórdia.
"Os anjos nos amam... por nossa causa,
porque lhes somos semelhantes na natureza racional; por causa deles próprios,
porque nos querem sentados naqueles tronos de glória que eram dos anjos que
prevaricaram”. (Apud Archibald J. MacINTYRE, Os anjos, uma realidade
admirável, pp. 320- 321.)
Na Idade Média
A "doce primavera da fé” (para empregar a
bela expressão com que Montalembert se refere à Idade Média) foi uma época
angélica, não só pela pureza dos costumes e das doutrinas, e pelo fervor
seráfico do povo fiel, mas também pela familiaridade com os santos
anjos. Foi nessa época que surgiu a
prece ao mesmo tempo tão singela, tão doce e tão confiante: “Santo anjo do
Senhor...”
Foi igualmente nessa época que surgiram os
grandes tratados sobre os anjos, dos quais o mais admirável é aquele,
precisamente, de autoria do Doutor Angélico, São Tomás de Aquino.
São Bernardo de Claraval, cantor da Rainha dos
Anjos, deu um particular impulso a essa devoção; a Igreja fez suas as
palavras do insigne Doutor, para louvar os espíritos celestiais no Breviáirio
(festa dos Anjos Custódios, 2 de outubro). Sua fórmula reflete e sintetiza a
tradição ininterrupta da Igreja: aos anjos devemos “reverência por sua
presença, devoção por sua benevolência, confiança por sua custódia”. (Apud
Jesus VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo — Indroducciones, p.931.)
Na
Contra-Reforma
Os ímpios Lutero e Calvino, depois do culto dos
santos, rejeitaram também o dos anjos. Mas a devoção aos espíritos angélicos
recebeu novo alento com os paladinos da Contra-Reforma. Santo Inácio
recomenda aos seus religiosos imitarem a pureza dos anjos. Por obra dos
jesuítas multiplicam-se os tratados manuais de piedade sobre os anjos. Entre
eles, o Tratado e pratica da devoção aos anjos, de São Francisco de Borja, e
o Tratado dos anjos custódios, do Pe. Francisco Albertini. Também
contribuíram muito para a difusão dessa devoção o Cardeal de Bérulle e o
Venerável Olier.
O Concilio de Trento, condenando a ímpia doutrina
dos pretensos reformadores, definiu a legitimidade dessa devoção, que
adquiria assim maiores títulos para ser divulgada.
Igrejas e
santuários — Ladainhas e orações
Já no século IV encontram-se testemunhos sobre a
ereção de igrejas e oratórios em honra dos arcanjos. No tempo de São Gregório
Magno (+604) o culto a São Miguel já tinha um centro no Monte Gargano (na
Apúlia, região da Itália junto ao Adriático), onde o Arcanjo havia aparecido
no tempo do Papa São Gelásio I (+496), pedindo que lhe erguessem ali um
santuário. No século VII o Príncipe da Milícia celeste apareceu sobre um
rochedo da Normandia (França), o Monte Tombes, onde se praticavam cultos
pagãos, e ali se ergueu uma abadia que se tornou um dos mais célebres santuários
em louvor do santo Arcanjo. E o monte passou a chamar-se Monte Saint-Michel.
Em Roma, no século IX, sete oratórios eram já dedicados ao santo Arcanjo.
Surgiram várias festas litúrgicas em honra dos santos anjos: São Gabriel (24
de março); Aparição de São Miguel no Monte Gargano (8 de maio); Dedicação de
São Miguel Arcanjo (29 de setembro); Santos Anjos Custódios (2 de outubro);
São Rafael Arcanjo (24 de outubro). Existem orações e ladainhas em louvor de
cada um dos três dos Arcanjos, dos Santos Anjos, do Anjo da Guarda. Talvez a
oração mais divulgada seja o “Santo anjo do Senhor, meu zeloso
guardador..." - bela expressão da
piedade medieval para com nosso angélico guardião. Outra bela oração (que
teria sido inspirada pela própria Rainha dos Anjos) é aquela que começa pelas
palavras "Augusta Rainha dos Céus
e soberana Senhora dos Anjos “, de caráter exorcístico deprecativo muito
eficaz.*
*Essa bela
oração foi composta em 1863 pelo Venerável Padre Louis de Cestac (1801- 1868)
por inspiração de Nossa Senhora. Na antiga disciplina tinha 500 dias de
indulgência decreto da sagrada Congregação das Indulgências, de 8 de julho de
1908 e da Sagrada Penitenciaria, de 28 de março de 1935. Seu texto completo é
o seguinte:
Augusta Rainha
dos Céus e soberana Senhora dos Anjos, Vós que, desde o primeiro instante de
vossa existência, recebestes de Deus o poder e a missão de esmagar a cabeça
de Satanás, humildemente vô-lo pedimos, enviai as legiões celestes dos santos
anjos perseguirem, por vosso poder e sob vossas ordens, os demônios,
combatendo-os por toda a parte, reprimindo-lhes a insolência, e lançando-os
nas profundezas do abismo. Quem é como Deus? Ó boa e terna Mãe, sêde sempre o
nosso amor e a nossa esperança. Ó Mãe divina, mandai-nos os vossos santos
anjos que nos defendam, e repilam para bem longe de nós o maldito demônio,
nosso cruel inimigo.
Santos anjos e
arcanjos, defendei-nos e guardai-nos. Amém.
A devoção aos santos anjos é, pois, não só
lícita, mas extremamente louvável e recomendável. Como em toda devoção,
cumpre entretanto observar sempre fielmente as prescrições da Santa Igreja,
afim de evitar que desvios doutrinários ou práticas mal sonantes se
introduzam nela. Desde os primeiros séculos, para evitar superstições, a
Igreja permitiu o culto nominal apenas aos três anjos cujo nome consta na
Sagrada Escritura - São Miguel, São Gabriel e São Rafael - proibindo a
invocação de anjos pelos nomes mencionados em escritos apócrifos ou
conhecidos apenas mediante revelação particular.
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